“Não vamos entrar no debate sobre gratificações de incentivo”, diz PGE

“Não vamos entrar no debate sobre gratificações de incentivo”, diz PGE

Procurador-Geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, detalha algumas mudanças polêmicas previstas no pacote do governo Leite

Flavia Bemfica

Procurador-Geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, avaliou a situação de algumas medidas que o governo encaminhará à Assembleia Legislativa

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Via de regra responsável, dentro da estrutura de governo, pela análise jurídica de propostas que o Executivo submete à apreciação do Parlamento, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) vem desempenhando papel central na confecção do pacote de reformas administrativa e previdenciária do governo Eduardo Leite (PSDB). O protagonismo se deve a uma combinação de fatores que envolve desde a avaliação legal recorrente das mudanças previstas na reforma da Previdência nacional até os embates que tratam do pagamento dos honorários de sucumbência aos procuradores estaduais, passando pela negociação sobre o teor final das propostas, que precisam do aval da Procuradoria.

Em entrevista ao Correio do Povo, o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, confirmou que as diversas gratificações de incentivo hoje em vigor (concedidas a partir de leis específicas, e que não são aplicadas nem em função do tempo de serviço e nem devido a ocupação de cargos de direção e assemelhados), não serão atingidas pelo pacote. Garantiu que a PGE manterá sua posição sobre os honorários de sucumbência. Admitiu que pode haver negociação a respeito de uma transição no que se refere ao fim das vantagens temporais. E destacou a manutenção de direitos adquiridos. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.

No pacote das reformas administrativa e previdenciária que o Executivo enviará à Assembleia Legislativa haverá proposta de alteração ou extinção nas chamadas gratificações de incentivo?

Não, estas gratificações não integram o pacote. Não entramos ainda no debate sobre as gratificações de incentivo. Na verdade, elas foram uma forma de reajuste do básico desses servidores que as recebem, uma forma de aumentar salários sem fazer o reajuste direto. Então, em um outro momento,  precisaremos de uma análise mais aprofundada da forma jurídica para saber se existe uma razão específica para cada uma. Algumas delas dependem do lugar de exercício, outras das condições de trabalho, como insalubridade e risco de vida, e outras, ainda, se dão em função de produtividade. Neste momento, o que pretendemos vedar são incorporações de funções gratificadas, que são outro tipo de gratificações, para evitar distorções que acontecem hoje.

Quais distorções?

De casos, por exemplo, de o servidor exercer por quatro anos uma função gratificada (FG) de R$ 1 mil e, no quinto ano, exercer uma função gratificada de R$ 10 mil e incorporar esta última, de R$ 10 mil. Com isto queremos acabar. Se o servidor contribuiu com o seu salário básico por 30 anos e só nos últimos cinco recebeu uma FG, sendo que apenas no último uma FG ainda maior, o que deve incorporar? Estamos fazendo estudos para preservar a média. De forma proporcional.

Por que não tratar das gratificações de incentivo neste momento?

Cada uma das gratificações de incentivo é concedida de acordo com uma lei própria, com requisitos próprios. A maioria dessas leis estabelece que, para que a gratificação de incentivo em questão seja incorporável para fins de aposentadoria, o servidor deverá exercê-la por pelo menos cinco anos contínuos, ou, então, por 10 anos intercalados. Isto é meio que um padrão. Mesmo assim, sobre sua incorporação na aposentadoria, não existe uma resposta genérica, porque ela se dá por lei específica. E é preciso analisar cada uma das leis para saber. Ao vencimento elas não são incorporadas.

Não?

Sempre é necessário observar a lei específica. Via de regra, estas são gratificações para carreiras transversais, mas não incorporam ao patrimônio, como falamos. Um técnico científico, por exemplo, que hoje chamamos de analista, pode estar em uma determinada secretaria na qual há uma gratificação prevista. Mas pode ir para outra na qual não há sua previsão. Neste caso, perde a gratificação. É possível comparar, por exemplo, com uma pessoa que trabalha em um posto de gasolina. Se trabalhar na bomba, em contato com combustível, ganha um adicional de insalubridade. Se for transferida para a lojinha de conveniência do posto, perde este adicional. Essas gratificações funcionam da mesma forma.

No material preliminar que distribuiu a bancadas na Assembleia Legislativa e às entidades de servidores o governo informou que 18,4% do gasto com pessoal se refere ao pagamento de vantagens temporais e vários tipos de gratificação. Esta conta inclui as gratificações de incentivo?

Não. Os 18,4% se referem às funções gratificadas e aos avanços. As gratificações de incentivo não entram na conta. Quando fizemos a análise, não consideramos as de incentivo.

E as gratificações de permanência?

Também não. Para as de permanência fizemos cálculos separados. Um cálculo para as gratificações de civis e um específico para o Abono de Incentivo à Permanência no Serviço Ativo, referente à permanência dos militares.

Para muitos, a discussão sobre prêmios, gratificações e outras vantagens envolve o pagamento de honorários de sucumbência aos procuradores estaduais, que começou a ser efetivado em julho, sob a denominação produtividade/honorários, e que vem sendo alvo de questionamentos na Assembleia Legislativa. Nesta semana, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Legislativo formou maioria para levar adiante uma iniciativa de parlamentares no sentido de sustar os pagamentos. Qual a chance de a PGE alterar seu entendimento e suspendê-los?

Faremos uma conversa com o chefe da Casa Civil e com o líder do governo na Assembleia porque entendemos que houve, em relação à última reunião da CCJ, uma compreensão equivocada no que se refere à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) que está no Supremo Tribunal Federal (STF). No mesmo dia da reunião da CCJ, tivemos um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) nesta ADIn que trata do Rio Grande do Sul. E o parecer da AGU diz que é constitucional (o pagamento dos honorários de sucumbência). Temos então mais um parecer de um órgão externo pela constitucionalidade. Certamente isto vai mudar o horizonte em relação à compreensão da medida. O fato de a ministra relatora (Carmen Lúcia, relatora da ADIn que trata do caso do Estado no STF) solicitar esclarecimentos é o normal, para estabelecer o contraditório, não há nenhum problema. E o fato de ela não ter concedido liminar, é porque entende que não há malferimento às normas constitucionais. Isto também reforça nossa posição. O fato de a procuradora-geral da República ter ajuizado uma ação direta só reforça que a lei que prevê a medida (o pagamento) existe. Isto nos dá ainda mais tranquilidade de que o STF decidirá de forma a que ocorra igualdade em todo o país, que é o que deve ser.

Dar início ao pagamento dos honorários poucos meses antes de o governo propor um pacote que diminui vantagens do funcionalismo como um todo não é contraditório?

Este é outro aspecto da discussão. O pagamento de honorários para o advogado da parte vencedora, independente de acharem que é ou não o melhor modelo, não tem a ver com o Estado. Quem perdeu paga, não é o Estado quem paga. Conforme alguns, estaria sendo tirado um pedaço do que é do Estado, mas na verdade não é isso. Se é justo ou injusto, se é correto ou incorreto, o fato é que é o que o Congresso Nacional decidiu. A alegação da Assembleia, de que há desrespeito à lei, nos surpreende, porque na verdade é ela que tenta desrespeitar a lei federal. São parlamentares estaduais criticando parlamentares federais. Este é o grande equívoco. Os procuradores, para ganhar valores a mais, precisam ter vitórias judiciais. O governador tem ressaltado que, não fossem duas liminares que a PGE conseguiu – a do não pagamento das parcelas da dívida, e a contrária ao entendimento do Tribunal de Justiça sobre bloqueio de valores para pagamento de precatórios – estaríamos pagando agora a folha de fevereiro, e não a de agosto. Isto é trabalho da Procuradoria, dos procuradores. E são ações que não dão honorários, porque são de público litigando com público. Os procuradores têm responsabilidades. Mas, hoje, a categoria está sendo demonizada, há a impressão de que procuradores são usurpadores de direitos dos servidores. É uma tática antiga.

Ainda sobre o pacote, na proposta inicial do Executivo, não há transição prevista para o fim das chamadas vantagens temporais: avanços e triênios. Falo de situações em que falta pouquíssimo tempo para que o servidor alcance o avanço de 15%, por exemplo, ou um triênio. Estabelecer regras de transição não tornaria menos polêmicas as mudanças?

Os avanços são preservados para quem já adquiriu. Existe o direito adquirido e a expectativa de direito. São diferentes, não podemos confundir. É fato que hoje nossa proposta não contempla uma transição. Estes casos, nos quais os servidores não atingiram o tempo previsto para avanços e triênios, como não caracterizam direito adquirido, não temos a obrigação legal de conceder. Mas há estudos, recebemos algumas sugestões de servidores, dos sindicatos, estão sendo realizadas avaliações sobre viabilidades e impactos, para que se possa tomar uma decisão. Há propostas neste sentido e, naturalmente, serão ouvidas. No âmbito da própria Assembleia, certamente surgirá no debate. Da parte do Executivo, a PGE realiza os estudos jurídicos, da redação do texto, de sua compatibilidade com a Constituição. Mas dependemos de análises de viabilidade das secretarias da Fazenda e do Planejamento, porque há custos envolvidos.

Alguns pontos específicos da PEC 6 aprovada no Senado geraram dúvidas a respeito da possibilidade de incorporação de vantagens temporárias ou referentes a funções de confiança e cargos em comissão, vedados no texto, mesmo que ele não trate de estados e municípios.

A PEC 6 traz a vedação de incorporação de vantagens de caráter temporário ou gratificações vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão. Mas concluímos que hoje, apenas em função da PEC 6 – que fique claro que isto não tem nada a ver com as nossas reformas do Estado – se o servidor preencheu os requisitos para incorporar a gratificação e se aposentar, ele, conforme a jurisprudência do STF, tem o direito de se aposentar com as regras do momento. Não vai perder em função da PEC 6. Esclareço ainda que os adicionais por tempo de serviço, os avanços, eles também não são atingidos por esta parte da PEC que gerou as dúvidas. E isto tudo não tem nada a ver com gratificações de permanência. A gratificação de permanência é para quem já tem direito de se aposentar, mas deseja ficar trabalhando. Esta pessoa vai ganhar um valor a mais para permanecer. Mas as gratificações de permanência, dos servidores civis e militares, já não são incorporáveis. No RS o magistério tem uma gratificação de permanência incorporável, mas ela é mais antiga. Foi incorporada por alguns, mas, hoje, não acontece mais.


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