Pastor que pedia propina chamou políticos de "malandros", diz prefeito

Pastor que pedia propina chamou políticos de "malandros", diz prefeito

Relatos apontam que religioso amigo do ex-ministro Milton Ribeiro pedia dinheiro e até ouro como condição para liberar verba

R7

O prefeito conta ter sido convidado por Arilton e pelo pastor Gilmar Santos para o encontro no MEC

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Em depoimento à Comissão de Educação do Senado, nesta terça-feira, o prefeito de Bonfinópolis, em Goiás, Kelton Pinheiro, afirmou aos senadores que o pastor Arilton Moura chegou a chamá-lo de "malandro" ao pedir propina para ajudar a liberar recursos da Educação para o município. O caso ocorreu no dia 11 de março do ano passado, segundo o prefeito, após reunião no MEC (Ministério da Educação), com a presença do ex-ministro Milton Ribeiro.

O prefeito conta ter sido convidado por Arilton e pelo pastor Gilmar Santos para o encontro no MEC. No mesmo dia, ele e os outros prefeitos no local foram chamados por Arilton para um almoço num restaurante em Brasília.

"Estávamos almoçando, onde sentou na minha frente o pastor Gilmar. E ali eu percebi uma movimentação do pastor Arilton em outras mesas. Não conhecia as outras pessoas que estavam ali, mas pude perceber que eram prefeitos que participaram da reunião no ministério", diz.

O prefeito, então, continua o relato: "Quando chegou o pastor Arilton na minha mesa e me abordou de uma forma muito abrupta e direta, dizendo: 'Olha, prefeito, vi aqui que o seu ofício está pedindo uma escola de 12 salas. Essa escola deve custar uns R$ 7 milhões de recurso para ser liberado. Mas, é o seguinte, eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje. Faz uma transferência para a minha conta. Esse negócio para depois não cola comigo não, porque vocês políticos são um bando de malandros, que não têm palavra. Se não pegar antes, depois não paga ninguém'."

Na ocasião, segundo o prefeito, Arilton ainda disse que o valor cobrado era menor do que o que estava sendo demandado dos outros prefeitos. "'R$ 15 mil para você, que está com o pastor Gilmar. Para os outros é R$ 30 mil, R$ 40 mil'", teria dito o pastor, conforme Kelton.

Primeiro contato

O prefeito contou que o contato com o pastor começou no início do ano passado, quando foi abordado por uma pessoa pedindo o seu telefone, para que um pastor lhe telefonasse. Depois, ligaram perguntando se gostaria de se encontrar com o pastor Gilmar Santos para marcar um encontro com o MEC. Denúncias apontam que os dois pastores atuavam como lobistas no MEC para liberar recursos da Educação a municípios.

A reunião com Gilmar ocorreu em Goiânia, na sede da igreja presidida pelo pastor. No local, também estava o pastor Arilton. Na ocasião, Arilton disse, segundo o prefeito: "Olha, vou ser direto com você. Temos um canal bom com o ministro, temos levado prefeitos às reuniões para acelerar liberação de recursos". Ele, então, questionou qual era a demanda de Bonfinópolis, e o Kelton Pinheiro falou sobre a necessidade de um novo prédio para uma escola que estava em situação precária. O pastor o orientou a fazer um ofício para despachar com o ministro.

Sem entender a situação em que se encontrava, o prefeito perguntou o motivo pelo qual o estavam ajudando. Segundo Kelton, Arilton disse que não havia um motivo específico, mas naquele momento pediu uma "contribuição" para a igreja de Gilmar, que seria a compra de mil bíblias a R$ 50 cada (total de R$ 50 mil). O prefeito explicou que não tinha condição de fazer a aquisição, mas mesmo assim uma reunião foi marcada para a semana seguinte, dia 11 de março, no MEC.

No local, no auditório, o ex-ministro Milton Ribeiro estava na mesa de autoridades, ao lado dos dois pastores, o presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), Marcelo Lopes da Ponte, e técnicos do ministério. O prefeito detalhou que Ribeiro deu uma palestra, começando com a leitura de um trecho bíblico. Na ocasião, ele frisou que não havia necessidade de prefeitos procurarem intermediários, que poderiam sempre dialogar direto com o MEC.

Foi depois deste encontro que houve o almoço no qual Arilton pediu a propina, segundo o prefeito. Na ocasião, Gilmar permaneceu calado, conforme Kelton. O prefeito, por sua vez, diz ter respondido que não tinha esta quantia e que, mesmo se tivesse, não pagaria. "Aquilo me deu ânsia de vômito. Eu fiquei sem chão, sem maneira de me comportar", disse. Em seguida, conta ter ido embora imediatamente.

"Depois de uma semana, recebi de novo ligação do pastor Arilton. 'Prefeito, você tem interesse em concluir o negócio?', e eu disse que não. Eu pensei que naquele momento tratava de um golpe, de um golpista querendo ludibriar prefeitos de boa vontade, para tentar tomar um dinheiro aqui, vendendo facilidades que não tem. Fica ali do lado do ministro e vai vender isso para as pessoas", afirmou.

Ele explicou que não denunciou imediatamente por achar que era um golpista em uma ação isolada. Sem pagar a quantia, o município nunca recebeu os recursos que precisava para a escola, e o pedido continua em análise.

Ouro como propina

Outros dois prefeitos relataram à comissão que houve pedido de dinheiro e até de ouro por parte do pastor Arilton Moura para a liberação de recursos da Educação. Os depoimentos ocorrem após escândalo envolvendo a atuação de dois pastores no MEC na intermediação de verbas aos municípios.

A ação dos pastores foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo, no mês passado. Posteriormente, também foi divulgado um áudio no qual o ex-ministro diz que dava prioridade a pedidos feitos pelo pastor Gilmar, por demanda do presidente da República, Jair Bolsonaro. O áudio foi publicado pelo jornal Folha de S.Paulo.

No dia 25 de março, Gilmar publicou uma nota em suas redes sociais assinada pela Cemaid (Convenção Estadual de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus, Ministério Cristo Para Todos, no Maranhão), em apoio ao pastor e repudiando o que chamou de "campanha irresponsável, covarde e sistemática, de difamação e desmoralização da pessoa do pastor Gilmar Santos". A reportagem está tentando contato com os pastores Arilton e Gilmar. O espaço segue aberto para manifestação.


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