Prefeitos apostam em vacinação por idade para frear risco de novo colapso no RS

Prefeitos apostam em vacinação por idade para frear risco de novo colapso no RS

Chegada do inverno, piora constante nos números e fim da adesão da população ao isolamento incrementam 'corrida' para anunciar calendários

Flavia Bemfica

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Começam a se transformar em uma corrida contra o tempo os anúncios de prefeituras das diferentes regiões do Estado para dar início a vacinação da população em geral com 59 anos de idade ou menos. Entre administradores municipais gaúchos, a medida é vista como uma ‘tábua de salvação’ – única – para tentar barrar a piora gradual e constante dos números da pandemia no RS. A maior parte dos prefeitos já se deu conta do quanto, dentro do drama sanitário, atrasos na imunização e comparações com vizinhos podem corroer imagens e administrações. O alerta se espalhou e chegou ao governo do Estado, que também se mobilizou para anunciar um calendário. Em Porto Alegre, após idas e vindas e um maio no qual a vacinação havia pouco avançado para além do grupo das comorbidades, a prefeitura agora ‘corre’ para acelerar a imunização por faixa etária.

“Por óbvio, alguns gestores vão fazer tudo direito e outros vão fazer errado. O mais provável, e que já observamos, é que cada um tente uma solução individual, de acordo com diferentes condições. Porque o que observamos atualmente é que os políticos ficam responsivos a grupos determinados. Aqui, por exemplo, o governador tentou no início liderar este ordenamento, mas ‘tomou tiro’ de todos os lados, deu mais autonomia para as localidades e perdeu protagonismo. As pessoas, de modo geral, querem ver são as suas demandas e as de seus grupos imediatos atendidas, e se mostram pouco interessadas em cobrar responsabilidades para o todo”, elenca o professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, Luis Gustavo Grohmann, integrante do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo da Ufrgs.

A questão sanitária se misturou a política desde o início da pandemia, e segue batendo com força na porta dos gestores gaúchos. Não é apenas o aumento nas internações que faz soar alertas nas cidades a apontar para a necessidade de avançar rapidamente na vacinação por faixas etárias. Dados desta sexta-feira do Boletim Diário de Casos, elaborado pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria de Planejamento do Estado, mostram que o RS segue pior do que o Brasil em número de casos por 100 mil habitantes, número de casos acumulados por 100 mil habitantes nos últimos 7 dias, taxa de mortalidade por 100 mil habitantes e taxa de mortalidade por 100 mil habitantes acumulada nos últimos 7 dias.

Aos números, somam-se ainda o fim da adesão da população em geral a medidas mais rigorosas de distanciamento e de regras uniformizadas de controle; a chegada do inverno; e novos estudos a indicar que o risco de agravamento da doença na população das faixas etárias acima dos 45 anos, independente de sua área de atividade, provavelmente é maior do que entre portadores de quase todas as comorbidades elencadas no plano nacional de vacinação. Vai nesta linha o trabalho divulgado no início desta semana com dados de 120 mil pacientes no estado de São Paulo, e coordenado pelo infectologista Júlio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz.

“Esperamos que este avanço na vacinação das pessoas a partir dos 59 anos possa melhorar a situação da pandemia aqui no Estado. Queremos reduzir os números, como o do crescimento que está havendo na ocupação de leitos”, admite o presidente eleito da Famurs e prefeito de São Borja, Eduardo Bonotto (PP). Segundo ele, depois dos anúncios em cidades da região Metropolitana, a tendência é de que, na próxima semana, as cidades do interior também possam “acelerar o processo de vacinação.”

“A imunização por faixa etária atende a uma demanda epidemiologicamente adequada, em função do número de óbitos que seguimos observando principalmente na população acima dos 50 anos. Agora, o que estamos acompanhando é a garantia da entrega das vacinas para que esta estratégia tenha êxito, e possamos vacinar de forma uniforme. Ou seja, que todas as regiões do RS possam ir avançando nas faixas etárias. O próprio ministério orienta que, a partir da 19ª prioridade do Plano, que são os trabalhadores de Ensino Superior, os municípios podem concomitantemente organizar divisão de doses por faixa etária. Há um divisor de águas na 19ª prioridade”, completa o presidente do Conselho das Secretaria Municipais de Saúde do RS (Cosems) e secretário de Saúde de Canoas, Maicon Lemos.

Apesar do empenho de parte dos prefeitos e da ansiedade da população, o avanço da vacinação por faixa etária ainda traz muitas incertezas. Não há, até agora, cidade que tenha estabelecido um calendário completo até a faixa etária dos 18 anos. E, ao contrário de outras unidades da federação, o RS ainda não 'engrenou' a discussão sobre o próximo passo: a imunização da população menor de 18 anos, que é bem significativa. Passada uma semana da mudança promovida no plano federal, três das cinco maiores cidades do Estado seguem sem projetar oficialmente datas para o início da vacinação da população em geral. Das cinco, Canoas, na região Metropolitana, saiu na frente e deu início a imunização de pessoas sem comorbidades de 59 anos na quinta-feira. Porto Alegre começa nesta sexta-feira à tarde a imunizar mulheres com 59 anos. Mas Caxias do Sul, Pelotas e Santa Maria não fizeram até esta manhã anúncios que tratem da população em geral. Juntas, as cinco cidades concentram 26% da população do RS. Somadas, as populações de Caxias, Pelotas e Santa Maria totalizam 1,1 milhão de habitantes.

O avanço é mais significativo em cidades menores, que têm mostrado maior organização. Na região de Caxias do Sul, a vizinha Bento Gonçalves já deu início a imunização da população em geral. Anunciou calendário para pessoas de 59, 58 e 57 anos a partir da segunda-feira, 7. Nova Roma do Sul começou nesta semana a vacinação de pessoas a partir de 56 anos. Os exemplos se multiplicam em cidades de outras regiões, como Erechim e São Gabriel. Na região Metropolitana, Esteio prossegue a imunização por faixa etária nesta sexta, atendendo a pessoas de 57 anos ou mais. Entre todas, a cidade de Campo Bom, no Vale dos Sinos, foi provavelmente a mais ágil. No sábado, um dia depois da nota técnica do Ministério da Saúde com a alteração, a prefeitura aplicou doses em pessoas a partir dos 58 anos de idade. Na terça-feira já estava nos 55 anos.

“Nossa estratégia é avançar de modo a não ficar com doses paradas. Aqui, desde o início, abrimos a vacinação para determinado grupo e, ao mesmo tempo, medimos a procura. Se a procura se mantém durante alguns dias abaixo da nossa projeção, abrimos o grupo seguinte. Não prejudica o grupo anterior, porque a vacinação segue aberta para ele, e permite que a gente siga ampliando”, resume o prefeito, Luciano Orsi (PDT).

Idas e vindas

Da forma como os números referentes a vacinação contra a Covid-19 são publicizados, aos quantitativos, projeções e anúncios feitos pelas administrações estadual e municipais, as deficiências que ainda ocorrem no controle do avanço da imunização no RS seguem sendo um desafio. Para o público em geral, o caso mais evidente é o da falta de doses para a segunda aplicação da vacina Coronavac, a primeira a chegar aos braços dos gaúchos. Internamente, gestores da área da saúde e técnicos que atuam diretamente “na ponta” admitem falhas que explicariam pelo menos em parte a diferença. Citam, por exemplo, que, inicialmente, em alguns locais, eram abertos de forma simultânea dois frascos: um para aplicação da primeira dose e um para aplicação da segunda. Ao longo do dia, quando isto acontecia, ante a ausência de público para segundas doses, elas acabavam sendo direcionadas para aplicação de primeiras doses. Foi o que, entre outros pontos, chegou a gerar xepas generosas. Como nunca foi regularizado um cadastro para as xepas, os critérios para sua aplicação são questionados pela população em diferentes cidades, incrementando o número de denúncias às vigilâncias. A tal ponto que, em Porto Alegre, a prática passou a ser desestimulada pela Secretaria Municipal da Saúde.

A projeção do tamanho dos grupos prioritários, que, na prática, interromperam a vacinação por faixa etária para a população com menos de 60 anos, é outra fonte de questionamentos constantes. Também de forma reservada, técnicos que atuam junto ao governo estadual admitem que o tamanho da população que integraria os grupos prioritários no RS (5.255.631 de uma população total de 11.422.973) pode estar aumentado. A justificativa para projeções generosas é a da insegurança constante sobre se o Ministério da Saúde, primeiro, cumpriria e, depois, manteria o envio de quantitativos proporcionais adequados. Em resumo: há sempre o temor de que faltem doses.

Em Porto Alegre, por exemplo, a Vigilância em Saúde vem estimando que serão necessárias 180 mil doses para vacinar a população entre os 50 e os 59 anos. É uma atualização da faixa etária que consta no Censo de 2010 (175.030 habitantes). Mas é bruta, já que não detalha quanto deste total já recebeu o imunizante como profissional da saúde ou portador de comorbidade.

Para informar quais as fatias de população já se vacinaram e comparar graus de eficiência seja entre cidades ou estados, muitas administrações lançaram na Internet páginas com dados atualizados diariamente, as vezes mais de uma vez ao dia, os vacinômetros. Eles, contudo, usam parâmetros diferentes, que, na prática, dificultam comparações. No RS, por exemplo, o vacinômetro do governo do Estado dá destaque para o percentual de pessoas vacinadas dentro dos grupos prioritários, e não da população em geral. No da Capital, o destaque vai para o percentual dos que receberam as doses entre a população de 18 anos ou mais.

As idas e vindas em anúncios de decisões sobre grupos a serem imunizados também ainda são uma constante. Como o debate, a nível estadual, que envolve hipertensos. Na quarta-feira, a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), formada por Estado e municípios, havia decidido liberar a imunização de hipertensos leves nos grupos prioritários. Mas, no dia seguinte, o Estado voltou atrás e agora avalia a questão. Porque, se aumentar o grupo dos hipertensos, tende a deixar mais lento o avanço da vacinação por faixa etária. E corre o risco de ver se multiplicarem as receitas apresentadas por pessoas tanto mais jovens como sem comorbidades de fato. Em Porto Alegre, as incertezas e informações divergentes sobre o início da imunização por faixa etária e o quantitativo de habitantes a serem vacinados marcaram a semana. Até agora foram feitas pelo menos três projeções diferentes sobre o número de pessoas com 59 anos.

“Protagonismo na política de saúde os municípios têm desde a descentralização do sistema. O que mudou agora é que não há o agente coordenador. Um dos problemas disto, do ponto de vista nacional, é que fica mais difícil gerar sinergia. Mas, do ponto de vista local, de cada município, o governo deve agir para lidar com a situação, sob o risco de perder legitimidade e criar mais tensão social”, alerta a professora Luciana Leite Lima, do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e do Departamento de Sociologia da Ufrgs.

Mudança

As novas diretrizes da imunização contra a Covid-19 foram oficializadas pelo Ministério da Saúde há uma semana, permitindo a retomada da imunização por idade de forma concomitante a dos 28 grupos prioritários estabelecidos anteriormente. A mudança ocorreu por pressão de muitos prefeitos e alguns governadores país afora, que, observando o que ocorria na ponta do sistema, já haviam começado a anunciar calendários por faixa etária, independente do que previa o plano federal. Foi o que fizeram, ainda em maio, o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD). No RS, que não teve papel relevante nessa pressão, alguns prefeitos se organizaram rapidamente após a alteração no PNI, e o governo formata agora um calendário estadual.

Após o fim do Sistema de Distanciamento Controlado e do que uma parcela dos especialistas já aponta como fracasso do modelo que o substituiu, o Sistema 3As de Monitoramento, parte dos gestores municipais e da oposição avalia que o anúncio de um calendário estadual vai funcionar mais como uma forma de o governo estadual mostrar que não está a parte do debate nacional do que ter efeito concreto sobre as estratégias desenvolvidas em cada município. “Como o SUS é descentralizado, as unidades de saúde são municipais e a aplicação das imunizações cabe aos municípios, na prática, o que o Estado vai fazer, a esta altura, é anunciar o que já está sendo feito pelas cidades”, afirma o deputado estadual Pepe Vargas (PT), que integra a Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa e coordenou, no início deste ano, a comissão temporária formada no Legislativo para acompanhar o planejamento das ações de imunização contra o coronavírus no RS.


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