Se houver áudios com Bolsonaro, inquérito de Milton Ribeiro deve ir para o STF, dizem especialistas

Se houver áudios com Bolsonaro, inquérito de Milton Ribeiro deve ir para o STF, dizem especialistas

Três advogados criminalistas consultados pela reportagem falam sobre hipótese de haver gravação de conversa com Jair Bolsonaro

R7

O presidente da República, Jair Bolsonaro, e o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro

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Três advogados criminalistas ouvidos pelo R7 são unânimes em dizer que, se houver gravação de conversa do ex-ministro Milton Ribeiro com o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), o processo deve seguir para o Supremo Tribunal Federal (STF). Isso deveria acontecer mesmo que o grampeado fosse Ribeiro, afirmam os especialistas.

Parte da ação foi levada ao STF nesta sexta-feira (24) a pedido do Ministério Público Federal (MPF), que apontou possível interferência do presidente da República nas investigações. Ainda não se sabe se há, de fato, gravação de conversa entre Ribeiro e Bolsonaro.

Victor Quintiere, advogado criminalista, doutor em Direito e professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), é taxativo: "Existindo esse áudio, os autos devem ser remetidos imediatamente para a instância adequada, por envolver o presidente da República — no caso, o Supremo Tribunal Federal".

Para Nauê de Azevedo, advogado criminalista e cientista político, gravações que envolvem o presidente da República não deveriam nem ser feitas. "Em tese, por conter conversa com autoridade com foro especial, a gravação nem sequer poderia ser realizada. De igual modo, havendo indícios de crime, o material deveria ser imediatamente encaminhado para o foro competente, que é a Procuradoria-Geral da República, para que o Supremo Tribunal Federal fosse acionado", explica.

De acordo com Hanna Gomes, advogada criminalista, especialista em Direito Penal e Processo Penal, cabe apenas ao Supremo as investigações que envolvem autoridade com o chamado foro privilegiado "no exercício do mandato e por ato em razão do mandato, mesmo que a totalidade da investigação 'carregue' consigo outras pessoas sem a prerrogativa de foro privilegiado".

Segundo a jurista, "caso a gravação exista e tenha envolvimento direto, comprovado, do presidente da República, o juízo que verificar a incidência do foro especial deve, obrigatoriamente, enviar o processo ao Supremo Tribunal Federal".

Possibilidade de excluir eventual gravação

O R7 também perguntou aos especialistas se, caso fossem retirados e ignorados eventuais áudios de conversas com o presidente da República, o caso poderia continuar na primeira instância da Justiça Federal.

Hanna Gomes defende a tese de que "não se pode, sob qualquer motivação, ignorar o elemento de prova colhido, sob pena de possível prevaricação". Para ela, "o juízo sobre a admissibilidade desse elemento de prova caberia ao juízo competente, no caso, o STF".

Victor Quintiere tem uma posição intermediária. Para ele, o processo só poderia ignorar uma conversa que não tivesse relação com o caso. "Ao se deparar com o áudio que envolva uma possível conversa entre o presidente da República e o investigado, o juiz deve mandar para o Supremo Tribunal Federal o caso — a não ser que seja um áudio em que não haja nenhum fato de interesse da investigação", afirma.

Para Nauê de Azevedo, para que o processo continuasse na primeira instância, poderia ser feita a remoção dos eventuais áudios que envolvem o presidente da República. "Ele poderia remover totalmente as menções ao presidente da República e o material contendo o presidente das gravações, visto que é incompetente para lidar com autoridades que tenham foro especial. Havendo indícios de crime, poderia oficiar a Procuradoria-Geral da República. Se removesse totalmente as gravações da pessoa com foro especial e não houvesse indícios de crime, poderia continuar na primeira instância, pois o investigado não seria o presidente da República".

A investigação

Milton Ribeiro é investigado pela Polícia Federal por corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência. Ele é suspeito de envolvimento em um esquema que direcionava recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao Ministério da Educação (MEC), a prefeituras que pagassem propina.

Os operadores seriam os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos. Também teriam participado o ex-gerente de Projetos da Secretaria Executiva do MEC Luciano Musse e o ex-assessor da Prefeitura de Goiânia Helder Bartolomeu.

Os cinco chegaram a ser presos na quarta-feira (22), por decisão do juiz federal Renato Borelli, mas foram soltos no dia seguinte por ordem do desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

O ex-ministro afirmou à filha, no último dia 9, em conversa por telefone, que recebeu uma ligação do presidente Jair Bolsonaro (PL) na qual ele disse temer que Ribeiro fosse alvo de uma operação da Polícia Federal (PF). Ouça:

A conversa ocorreu apenas 13 dias antes de o ex-ministro ser atingido pela Operação Acesso Pago. O R7 adiantou mais cedo a existência dos áudios.

Defesa

Após o envio do processo ao STF, o advogado do ex-ministro, Daniel Bialski, questionou o pedido para prisão do cliente, feito pela 15ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal. No entendimento dele, se havia, de fato, alguma pessoa com foro privilegiado citada na ação (como é o caso do presidente da República), o caso deveria ter sido remetido imediatamente ao STF.

"Causa espécie que se esteja fazendo menção a gravações/mensagens envolvendo autoridade com foro privilegiado, ocorridas antes da deflagração da operação. Se assim o era, não haveria competência do juiz de primeiro grau para analisar o pedido feito pela autoridade policial e, consequentemente, decretar a prisão preventiva", afirmou o jurista, que disse que vai pedir a anulação de todos os "atos e decisões tomadas" no âmbito do processo.

Advogado do presidente Bolsonaro, Frederick Wassef disse que o chefe do Executivo "nada tem a ver com essa história" e que ele "está sendo vítima de mentiras e calúnias". "Se porventura alguém estiver usando o nome do presidente de forma indevida, sem seu conhecimento e autorização, isso não pode ser deturpado, distorcido, tirado de contexto, para tentarem responsabilizar o presidente da República", ponderou.

Wassef também garantiu que não houve nenhuma tentativa de interferência na Polícia Federal. "É um afrontoso desrespeito à instituição da Polícia Federal e à Superintendência da Polícia Federal de Brasília. Além de séria e íntegra, é a mais rigorosa do Brasil. Não existe a mínima possibilidade de nenhuma autoridade interferir junto à Polícia Federal. São mentiras infundadas. O presidente Bolsonaro não interfere na Polícia Federal e jamais interferiu na Polícia Federal ou em qualquer outra instituição de seu governo."


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