TJ descarta empréstimo de Fundo para Executivo estadual

TJ descarta empréstimo de Fundo para Executivo estadual

Governador Eduardo Leite (PSDB) voltou a apontar a proposta de negociação entre os poderes

Flavia Bemfica

"Que fique claro: não vai acontecer", afirma Duro

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O Tribunal de Justiça (TJ) gaúcho descarta por completo o empréstimo de recursos do Fundo de Reaparelhamento do Judiciário para o Executivo, que enfrenta um momento delicado na busca por alternativas para reforçar o caixa e conseguir cumprir o compromisso de colocar em dia os salários do funcionalismo ainda em 2019. Depois de ser obrigado a cancelar a operação de venda de ações do Banrisul por não receber ofertas que alcançassem o valor mínimo projetado, o governador Eduardo Leite (PSDB) voltou a apontar a proposta de negociação entre os poderes e a chance de que o governo acesse valores do fundo, um montante de cerca de R$ 900 milhões, como uma das alternativas em estudo na obtenção de recursos ainda em 2019. O tucano citou a possibilidade na coletiva de imprensa em que explicou a suspensão da operação do Banrisul.

A referência acabou por incomodar integrantes do Judiciário gaúcho que, nos bastidores, não escondem a irritação com a insistência do governador em publicamente continuar apontando uma alternativa que, segundo eles, todos sabem que não tem como acontecer. E sobre a qual, destacam, o governador já foi informado de maneira clara, em diferentes ocasiões. 

O movimento do Executivo estaria tensionando ainda mais a relação entre os dois poderes, que tem sido marcada por dissabores ao menos desde maio. Foi quando o governo protocolou na Assembleia Legislativa o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020 prevendo congelamento total do orçamento para todos os poderes, sem a previsão, inclusive, dos gastos com o crescimento vegetativo da folha de pagamento, de 3%. Os deputados aprovaram o projeto, que foi sancionado pelo governador. No final de agosto, contudo, o TJ acatou pedido do Ministério Público e derrubou, liminarmente, o congelamento total. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) recorreu ao Supremo Tribunal Federal, onde o presidente, ministro Dias Toffoli, optou por dar início a reuniões de conciliação.

Entrevista com Carlos Duro

Correio do Povo: O Judiciário vai disponibilizar recursos de seu Fundo de Reaparelhamento para o Executivo neste ano?
Carlos Duro: Não vai acontecer. Não há nenhuma possibilidade. É preciso que fique bem claro. O governador foi avisado em uma audiência realizada no Palácio Piratini em 3 de setembro, e depois, novamente, na reunião no Supremo Tribunal Federal (STF) e, portanto, está absolutamente ciente disso. O governo também fez uma proposta inicial de devolver os recursos de forma parcelada, durante um período de quatro anos. Não é possível.

CP: Por que é impossível?
CD: Parte significativa do numerário que existe no fundo está comprometida por diferentes necessidades e restrições. Parte é resultado de precatórios, não pode ser usada. Parte é valor de despesas de condução de oficiais de Justiça, também comprometida. Há destinações já previstas para melhorias, como construções e investimentos em tecnologia. Além disso, nos últimos quatro anos o Executivo já utilizou cerca de R$ 2,1 bilhões do Poder Judiciário. Então, é uma soma: precisamos destes recursos para bem administrar o Judiciário gaúcho, e já houve um alcance bastante expressivo de numerário ao Executivo nos últimos anos. Se fôssemos fazer algum comparativo, R$ 2,1 bilhões praticamente equivalem ao montante pretendido com a operação do Banrisul.

CP: Os R$ 2,1 bilhões usados pelo Executivo são de que fontes?
CD: Várias: devolução de numerário; uso pelo Executivo, em momento passado, de metade dos rendimentos dos depósitos judiciais, o que corresponde a cerca de R$ 500 milhões; e outros. Não estamos falando de mil reais. O Judiciário sempre auxiliou.

CP: O Judiciário tem outras formas de auxiliar?
CD: Apontei que temos como aumentar a arrecadação dos processos judiciais. Em 2017, por exemplo, foi criada uma nova vara de executivos fiscais em Porto Alegre. A arrecadação passou de R$ 600 milhões para R$ 1,2 bilhão, boa parte referente a esta vara. No último dia 2, antecipamos a instalação do eproc (sistema de processo eletrônico mais ágil) para esta vara. Também falei novamente ao governador que façamos a digitalização dos processos físicos em andamento. Temos sempre cooperado, mas tudo tem um limite. Porque daqui a pouco começa a comprometer nosso próprio funcionamento. E porque também fica algo, digamos assim, sem um término.

CP: O fundo é composto apenas por recursos próprios?
CD: São recursos próprios e uma parte orçamentária, mas que cabe ao Judiciário. É um misto.

CP: Há sobra de recursos no Judiciário?
CD: Nos últimos dez anos o Judiciário diminuiu sua participação na receita. Todos fizeram isso em alguma medida. E o que todos diminuíram, acresceu no Executivo. No caso do Judiciário, hoje trabalhamos com três quartos da nossa força de trabalho: são 2.400 funcionários a menos e cerca de cem juízes a menos, sem prejuízo da eficiência. Tanto que somos pelo 11º ano o tribunal mais produtivo do Brasil. Para 2020, temos previsão de aposentadoria para 1.200 funcionários. Eu disse isto na reunião: todos fizeram, quem ainda tem que fazer, neste ponto de redução da sua estrutura, é o Executivo.

CP: O senhor acredita ser possível avançar em algum sentido?
CD: Temos mais uma audiência em 7 ou 8 de outubro, ainda não designada. O ministro Dias Toffoli está tentando resolver a questão de forma consensual. Mas tanto ele quanto todos os presentes na primeira reunião sabem destas nuances que estou relatando. Vamos lembrar: em momento algum houve, por parte do Executivo, qualquer intenção de negociar a questão do reajustamento da LDO. Sempre foi posto 0%. Não houve conversa. A primeira foi em 3 de setembro, depois de a audiência no Supremo ter sido marcada. No dia 4, o Executivo externou a pretensão de utilizar os recursos do fundo e, na hora, deixei claro que não seria possível. Nos anos anteriores, quando se acordou o crescimento vegetativo (de 3%), isso sistematicamente diminuiu a parcela de todos e aumentou a do Executivo. (...) Cada poder administra seu orçamento e deve viver com a sua realidade.


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