Votação no Legislativo que pode mudar a Lei Kiss gera polêmica no RS

Votação no Legislativo que pode mudar a Lei Kiss gera polêmica no RS

Proposição permite a técnicos industriais de nível médio com registro no conselho regional da categoria que sejam responsáveis pelo projeto e execução de PPCIs

Correio do Povo

Engenheiros e arquitetos são contra a mudança

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Com tramitação concluída na Assembleia Legislativa, o Projeto de Lei Complementar 39/2020 à Lei Complementar Nº 14.376/2013, conhecida como Lei Kiss, poderá ser votado nos próximos dias se obtiver acordo de líderes partidários. A proposição, do deputado estadual Paparico Bacchi (PL), permite a técnicos industriais de nível médio com registro no conselho regional da categoria que sejam responsáveis pelo projeto e execução de Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCIs). No entanto, engenheiros e arquitetos são contra a mudança, por entenderem que o documento deve ser elaborado por profissional de nível superior compatível com a função.

A presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio Grande do Sul (Crea-RS), Nanci Walter, afirma que a AL-RS não poderia acolher um tipo de PLC que trata de atribuição profissional. “É uma prerrogativa da União, há um decreto federal que regula isto. Os técnicos em edificação podem elaborar o Plano Simplificado de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PSPCI) de um pavimento de até 750 metros quadrados de área e não requer responsável técnico e não precisa alterar a legislação”, explica a engenheira ambiental.

Nanci acrescenta que não se trata de desvalorizar ou rebaixar a categoria abrangida na alteração da lei. “Não é medir quem é mais capaz, mas sim, uma questão de competência curricular. Passamos por mais de 5 mil horas de formação de curso, enquanto cursam em torno de 900 horas/aula. PPCI não deve ser elaborado por técnico em nível médio. Isso sempre foi claro”, frisa.

O diretor do Sindicato dos Engenheiros no RS (Senge-RS), João Leal Vivian, diz que, apesar dos esforços no contexto da prevenção a incêndios no Estado após a tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria, em 2013, enxerga o que chama de “ataques à lei”, como a alteração que vai a votação no Legislativo gaúcho.

“Ao longo destes 9 anos, vemos modificações que precarizam a legislação. Somos contrários à mudança que não é uma simples adequação, como já se disse”, opina Vivian. Para ele, cada medida de proteção a ocorrências como a que resultou na morte de 242 pessoas em 2013 e deu nome à lei, está atrelada a conhecimentos específicos. “O assunto é complexo. Trata-se de uma simples alteração na legislação de um tema que não é simples”, acrescenta.

Representando outra categoria que também se responsabiliza pela elaboração de PPCIs, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS), Tiago Holzmann da Silva, também se diz contrário à mudança na Lei Kiss. “Precisamos defender a sociedade, que estará em risco se este projeto for aprovado. Pois fará com que pessoas que não têm atribuição legal façam PPCI. É muito grave, não sei que força e lobby foi feito para que esta proposta absolutamente irresponsável prospere”, enfatiza.

O arquiteto e urbanista rechaça a alegação de que faltam profissionais para elaborar o documento. “É uma falácia, temos mais de 70 mil arquitetos e engenheiros no Estado. A intenção é de baratear custo para um projeto de segurança. É inaceitável. Já existe profissional e deve ser cumprida. A AL não tem poder para mudar isto, é inconstitucional”, salienta.

Correção de uma “injustiça”, diz deputado

As entidades que representam engenheiros e arquitetos prometem buscar uma reversão na Justiça caso o Projeto de Lei Complementar 39/2020 seja aprovado na Assembleia Legislativa. No entanto, o autor da proposta, deputado Paparico Bacchi garante não haver motivo para as reivindicações.

“Acontece é que foi criado um Conselho Nacional dos Técnicos Industriais (CTF) e os profissionais deixaram e habitar as duas categorias e perderam o direito de fazer os seus laudos que, aliás, terão suas limitações. A área de abrangência dos técnicos será muito menor do que as das duas outras profissões”, justifica o parlamentar.

Bacchi diz haver “uma injustiça com milhares de técnicos que estão sem poder fazer o seu dever”. “Não há nada de extraordinário, é apenas uma correção de uma lei que já existia e que estamos devolvendo a eles o direito de fazer o que já fizeram”, pontua.

O projeto passou por três comissões na AL e foi aprovado em todos. Recentemente, o PLC obteve unanimidade na Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (CEDS). Segundo o parecer do relator, deputado estadual Dalciso Oliveira (PSB), a mudança é necessária e tem como objetivo fazer uma “mera adequação legislativa”.

“Antes da promulgação da Lei Kiss, os técnicos industriais pertencentes ao Crea-RS realizavam as atividades de projeto e execução de PPCIs, gerando ARTs (Anotação de Responsabilidade Técnica)”, escreveu. Antes de ser aprovada na Comissão de Economia, a proposta já havia sido aprovada nas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e Segurança e Serviço Público (CSSP).

Expectativa de uma categoria

O gerente-geral do Conselho Regional dos Técnicos Industriais do Rio Grande do Sul (CRT-RS), Maurício Flores, aguarda com expectativa a votação que poderá ocorrer já na próxima semana na AL. “Até 2018, pertencíamos ao sistema que está inserido o Crea-RS. Éramos discriminados lá, mas atuávamos em projetos de PPCIs e milhares de ARTs eram assinados por nós. Após a tragédia da Boate Kiss foi criada uma legislação específica no RS, que definiu que engenheiros e arquitetos deveriam ser os responsáveis”, lembra. 

Flores diz que a categoria foi buscar a mudança junto aos parlamentares. “Em todo o Brasil, nós fazemos PPCIs, mas não são todos os técnicos que podem fazer. É muito frequente executarmos uma obra e o engenheiro, que muitas vezes nem sabe onde é a obra, vai apenas assinar. A sociedade perde com isso, aumenta o custo. Há uma reserva de mercado”, garante. 

A presidente do Crea-RS, Nanci Walter rechaça  a informação de que os técnicos  elaboram o plano de prevenção Brasil afora. “É inverídica essa afirmação”, rebateu a engenheira.


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