Atividade de extensão rural atrai mulheres ao campo

Atividade de extensão rural atrai mulheres ao campo

Alunas de Agronomia não se afligem com atividades consideradas "masculinas"

Nereida Vergara

Senar oferece curso voltado a empreendedoras do campo

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Além de frequentarem o curso de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Priscila, Gabriela, Alana e Antônia têm em comum o desejo de trabalhar em uma atividade que melhore a qualidade de vida das pessoas. Elas estão entre o terceiro e o quinto semestre da graduação, ainda não escolheram a área que irão atuar, mas têm certeza de que fizeram a escolha certa.

Priscila Carvalho Engel, de 21 anos, moradora de Viamão, trocou Engenharia de Energia por Agronomia, motivada e inspirada pela trajetória da avó, Maria Lang Engel, que viveu como agricultora numa propriedade em Maravilha, Santa Catarina, hoje fechada. “A avó ficou viúva e foi morar com as filhas em outro lugar, mas ela é minha inspiração para, quem sabe, voltar lá e produzir”, revela. “Quero certamente trabalhar com a agricultura familiar, que é minha paixão”, revela.

Gabriela Rodrigues Machado, de 19 anos, é de Porto Alegre. Embora de família sem ligações com o meio rural, diz que sempre teve a necessidade de lidar com a terra e que se interessa pela atuação das mulheres no setor, em especial por aquelas que comandam comunidades de produção agrícola de orgânicos. “Eu não sei se me mudaria para o campo, mas tenho certeza que gostaria de trabalhar com agricultura familiar urbana”, afirma. Gabriela relata que o ambiente em sala de aula e nas atividades de campo ainda coloca a mulher em desvantagem. “As nossas ideias e necessidades ainda são relegadas por um mundo que é masculino. Tem professores que são machistas, tem alunos que são machistas e ainda não estamos livres das piadinhas bobas que nos apontam como frágeis”, desabafa.

Alana Nunes Garcia, de 20 anos, e Antônia Fernandes, de 19, de Porto Alegre e Canoas, respectivamente, acreditam que se o machismo resiste no curso é num nível suportável. Mas concordam que ainda há muito espaço a ser conquistado. “Sempre tem alguém para achar que tem alguma coisa que nós, as meninas, não vamos conseguir”, diz Alana, entre risos. O desejo dela e de Antônia é trabalharem com atividades que envolvam a horticultura e o meio ambiente. “Quero muito buscar conhecimento para, por exemplo, conseguir trabalhar com a recuperação de áreas degradadas”, ressalta Antônia.

Protagonismo acadêmico

A Faculdade de Agronomia da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), instalada no campus da universidade em Canoas, tem de existência um décimo do tempo da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Já é produto de uma era em que o “empoderamento” feminino passou a ganhar importância definitiva. Por causa disso, em seus 12 anos de existência, a instituição foi sempre comandada por mulheres.

Na direção do curso pelo quinto ano, a professora Elisabete Gabrielli, egressa da Ufrgs em 1993, recorda que o curso da Ulbra se iniciou com o predomínio masculino, mas hoje já é bastante equilibrado, com mais de 40% das vagas ocupadas por mulheres. A faculdade, com o total de 300 alunos, forma cerca de 30 a cada ano. “O que notoriamente se destaca entre as meninas é o interesse pelas atividades de extensão rural e de pesquisa tecnológica. Já os rapazes seguem mais interessados nas atividades de grandes lavouras e produção pecuária”, aponta.

Elisabete acha que as atitudes machistas se afastam cada vez mais do ambiente acadêmico e observa que a maioria dos alunos convive com tranquilidade, mesmo naquelas atividades mais rústicas. “Também nos cursos de pós-graduação que oferecemos, de Agronegócio e Diagnóstico Molecular, há equilíbrio de gênero, mas com um interesse mais intenso para a especialização, que é característico entre as alunas”, frisa a professora. O grau de especialização se reflete no quadro docente da faculdade. Dos 26 professores do curso, 12 são mulheres, ou seja, 46% do total.

Empreendedorismo

No final do mês de julho, os resultados do Censo Agropecuário de 2017 do IBGE deverão trazer novidades no que se refere à presença feminina na gestão das propriedades rurais do país. No começo do ano, a Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócios (Abmra) divulgou um estudo com 2.090 agricultoras e 717 pecuaristas de 15 estados brasileiros mostrando que, em 2017, 30% das propriedades brasileiras tinham a participação das mulheres na administração, o que revelou uma mudança na participação feminina no agronegócio, já que o índice de 2013 era de 10%.

A busca por qualificação para gerir os empreendimentos agropecuários não se limita ao meio acadêmico. Agricultoras com formação educacional básica e média também têm esta ambição e lotam as turmas abertas anualmente pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) dentro do Programa Mulheres em Campo.

O superintendente do Senar/RS, Gilmar Tietböhl, explica que o programa teve início em 2011, com o nome “Com licença, eu vou à luta”. Em 2014, passou a se chamar “Mulheres em Campo” e, de lá até o ano passado, formou 5,7 mil alunas, de 578 turmas. Tietböhl diz que a intenção do Senar, quando formatou o programa, foi atender àquelas agricultoras que, por uma eventualidade, ficassem sozinhas à frente da propriedade, por separação, viuvez ou outra intercorrência que afetasse a estrutura da família que cuidava do empreendimento.

“O programa, dividido em cinco módulos, capacita aquela agricultura que trabalhou muito a vida inteira para movimentar a propriedade, mas nunca teve autonomia para decidir sobre nada, as vezes sequer para opinar”, salienta o dirigente. As alunas inscritas – que devem ter como escolaridade mínima o quinto ano do ensino fundamental – recebem noções da importância do agronegócio brasileiro, aprendem a fazer diagnóstico das necessidades da propriedade rural (cálculos de insumos e ritmo de plantio, por exemplo) e são preparadas para se tornarem empreendedoras rurais.

A maioria das alunas do Mulheres em Campo se concentra na faixa etária dos 20 aos 50 anos. Mas Tietböhl garante que há uma grande de procura das jovens pela formação. “Não são apenas aquelas que ficaram viúvas ou que se divorciaram que vêm em busca de qualificação. As jovens, que já têm um entendimento seguro de sua participação nas decisões, são um foco importante do programa”, destaca. Segundo o dirigente, afora os cursos específicos, a mulher já ocupa a maioria das vagas oferecidas nos programas do Senar. “Até o final de 2017, elas eram 63,21% do total de alunos do sistema”, completa.

A secretária-executiva do Sindicato Rural de Erechim, Diva Picoli, é taxativa ao dizer que o programa Mulheres em Campo muda de forma marcante e definitiva a vida das agricultoras. A entidade, filiada à Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), consegue formar pelo menos 10 turmas por ano na região. “Nós observamos como as agricultoras se sentem gratificadas por dominar o processo de funcionamento da propriedade. Todas elas trabalharam muito nos empreendimentos familiares, mas as decisões ficavam com o homem. E o curso as capacita para mudar isso”, relata Diva.

A dirigente aponta que as mulheres que procuram o curso são aquelas que não conseguiram acessar o ensino superior, mas que acompanharam o processo evolutivo feminino e que querem a mudança. “Elas se sentem valorizadas. Algumas chegam a contar que nunca tinham ido com seus companheiros aos bancos, que não opinavam na administração financeira da propriedade, e que depois da formação podem influenciar neste procedimento tão importante”, conclui.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895