Agricultores familiares têm apostado nas redes sociais para manter suas vendas

Agricultores familiares têm apostado nas redes sociais para manter suas vendas

Estudos indicam que, durante a pandemia do coronavírus, o produtor deu o salto digital que levaria três anos para fazer

Nereida Vergara

Julio Gelinger, presente no drive thru da Expointer Digital 2020, usou contatos do Facebook para conseguir dar vazão ao estoque de rapaduras feitas pela família

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Em março deste ano, o produtor de alimentos com base na cana-de-açúcar Júlio Gelinger, da agroindústria Colonial Gelinger, de Parobé, se viu, repentinamente, com uma tonelada de rapaduras estocada e sem saber se haveria compradores para o produto. O cancelamento da Expoagro Afubra, em Rio Pardo e, consequentemente, da Feira de Agricultura Familiar daquele evento, a um dia da abertura dos portões, foi um momento marcante e simbólico das incertezas que a pandemia da Covid-19 e o confinamento da população trariam à atividade. Mas Gelinger não ficou parado e descobriu novos caminhos. Adepto do uso profissional das redes sociais desde 2017, afirma, sem titubear, que o Facebook foi quem o “salvou” daquela situação e impediu o encalhe dos doces.

Na primeira segunda-feira da Expointer Digital 2020, dia 28, Gelinger deu uma demonstração de sua familiaridade com as redes e fez uma live direto do Pavilhão da Agricultura Familiar, em Esteio, para promover a feira em formato drive thru. “Já faz tempo que me dei conta de que as redes aproximam o cliente do nosso produto”, diz o agricultor, que, além da rapadura, produz melado e outras guloseimas com a cana plantada em 3,2 hectares da propriedade, numa atividade familiar que, em 2021, vai completar 70 anos e que ronda a produção anual de 18 toneladas de alimentos.

O exemplo do produtor de Parobé é um entre muitos dos que vêm se consolidando desde que se entendeu que as redes sociais são um eficiente canal de comercialização, não apenas pelo alcance de público, mas também pela mudança gradativa no perfil dos consumidores, adaptados a esta comodidade.

Assim como Gelinger, Daniel Moleirinho, proprietário da Cabanha Gran Reserva Texel, de Maringá (PR), vê nas redes sociais uma ferramenta poderosa para o momento de pandemia e também para ser absorvida permanentemente pelo setor. Moleirinho, que cria ovelhas Texel há 10 anos e tem uma produção anual de cerca de 250 cordeiros, afirma que intensificou o uso de redes como o Facebook e, principalmente, o Instagram, durante a pandemia. “O número de negócios está estabilizado graças às redes. Vendemos neste ano um exemplar por R$ 25 mil, mesmo patamar de preços que atingimos em 2019 em um leilão presencial”, lembra.

O criador de Maringá diz estar se preparando para realizar seus remates totalmente on-line tendo como inspiração a Cabanha Forqueta, de Santiago, no Rio Grande do Sul, que, no dia 31 de outubro, vai transmitir seu leilão em lives nas mídias sociais.

Mas não é só a comercialização que tem estimulado a presença do produtor nas redes sociais. A integração e a troca de conhecimento, em especial entre os jovens do campo, faz destas plataformas um ambiente atrativo. Há quatro meses foi criada a Comissão Jovem da Raça Holandesa no Rio Grande do Sul, com apoio da Associação dos Criadores de Gado Holandês no Estado (Gadolando). Com perfil no Instagram, a comissão tem por objetivo agregar criadores na organização de projetos, apresentação de palestras e participação em feiras. “Desde que criamos a comissão, recebemos muitas adesões e acreditamos que o uso deste meio veio para ficar”, destaca o presidente, José Almeida.

Susto da pandemia acelerou tendência

Pesquisa feita pela consultoria Mckinsey & Company no Brasil, durante o primeiro semestre deste ano, apurou o grau de conectividade dos produtores brasileiros. Segundo o levantamento, intitulado “A mente do agricultor brasileiro na era digital”, pelo menos 36% dos agricultores do país utilizam as conexões para definir ações em suas propriedades, índice que supera os 24% da categoria nos Estados Unidos. A pesquisa ouviu 750 agricultores nas áreas de grãos, algodão, café, cana-de-açúcar e hortaliças, em 11 estados, entre eles o Rio Grande do Sul.

Para a professora do Curso de Pós-Graduação em Agronegócio da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Paloma de Mattos Fagundes, a pandemia foi a alavanca que o produtor precisava para entrar de vez no mundo digital. “A necessidade acelerou a busca pelo entendimento dessas tecnologias, entre elas as redes sociais, com destaque para o Instagram, que tem um caráter mais de vitrine que o Facebook”, analisa. Paloma diz que o meio acadêmico começa a trabalhar com dados que apontam que, nos últimos seis meses, o produtor deu o salto digital que levaria três anos para fazer. “Foi, sim, o susto da pandemia, mas também é a confirmação de uma tendência”, comenta.

Professora da disciplina de Inovação no curso de Mestrado da UFSM, Paloma percebe o crescimento do número de jovens do campo que buscam o conhecimento e a aplicação das tecnologias digitais. Ela afirma ainda que, para estarem integradas ao futuro, as propriedades rurais terão de agregar aos seus profissionais obrigatórios – veterinários, agrônomos e técnicos agrícolas – especialistas como engenheiros de computação e analistas de dados.


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