Pecuária bovina ganha fôlego, mas aguarda melhora no consumo

Pecuária bovina ganha fôlego, mas aguarda melhora no consumo

Cadeia da carne bovina ainda depende da melhora da renda do brasileiro para se estabilizar

Nereida Vergara

Setor de carne bovina começa a se recuperar após a Operação Carne Fraca

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A cadeia da pecuária bovina tem se mostrado entre cautelosa e otimista neste primeiro trimestre de 2019. Recuperando-se dos impactos da Operação Carne Fraca, ocorrida em 2017, e outros episódios que levantaram suspeitas sobre a qualidade do produto brasileiro, como o embargo russo, entre 2017 e 2018, está diante da necessidade de vencer os desafios do aumento do consumo e da concorrência com proteínas mais baratas, como a carne suína e a de frango. As boas expectativas vêm do avanço em mercados potentes, como o da China, e das exportações do gado vivo, que saíram de 400 mil animais em 2017 para cerca de 800 mil em 2018, e alguma confiança na melhora econômica do país, o que, se ocorrer, pode aumentar a demanda. Isso é determinante para o segmento porque o mercado interno fica com 80% da carne produzida no Brasil.

O pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP), Thiago Bernardino de Carvalho, aponta que os brasileiros viveram uma melhora real de sua condição financeira entre 2003 e 2010 e começaram a ter acesso maior à carne bovina. “Isto levou o pecuarista a querer produzir mais e melhor. A oferta era volumosa, mas havia um consumo consistente”, recorda. Com a crise econômica, a partir de 2014, o consumo anual recuou de 32,5 quilos por habitante para 29,53 quilos em 2017. “No Brasil, o consumidor é pautado pelo preço”, completa.

Em fevereiro de 2014, a arroba do boi gordo apurada pelo Cepea era cotada a R$ 118,87. Problemas climáticos no centro do país, que provocaram a escassez de pasto, enxugaram a oferta e, em 2015, no mesmo mês, a arroba atingiu R$ 145,21. Em 2016, chegou a R$ 154,61. E em 2017, viveu dois momentos: R$ 145,3 em fevereiro e R$ 124 em agosto, sob os efeitos da Operação Carne Fraca. A retomada dos preços ocorreu no ano passado, quando a cotação superou R$ 150 reais, média que se repete neste início de 2019. “O mercado é realmente desafiador e permanecerá nele quem produz mais e melhor por hectare”, completa Carvalho.

No final de 2018, as exportações do Rio Grande do Sul cresceram. O Estado embarcou 63,7 mil toneladas de carne bovina para o exterior, 22% a mais do que em 2017. No comércio de gado vivo, o crescimento foi de 135,1% sobre o ano anterior, atingindo 34,8 mil toneladas. O economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, diz que os números são bons, mas não empolgam. Ele explica que as exportações ocorreram para compensar a queda do consumo e equilibrar oferta e demanda. “O Estado poderia se sair melhor se tivesse mais plantas habilitadas para o comércio exterior”, afirma, referindo-se ao fato de que apenas quatro frigoríficos gaúchos estão aptos a exportar.

O economista reforça que o país vem de anos ruins na pecuária, havendo um desencaixe entre produção e demanda. “É uma cadeia longa, que não vai melhorar a curto prazo”, avalia Da Luz, ao defender o produtor que aposta na venda do gado vivo para o exterior. “A pecuária é muito ligada ao contexto econômico. O produtor deve estar atendo ao que remunera”, comenta. “Mas o tom do mercado quem dá é o consumidor”, reitera. “A estabilização virá com a queda do desemprego e as novas políticas de governo, o que pode levar a carne bovina de volta à mesa do brasileiro”, afirma.

Integração ajuda a sustentar preço

A região da Campanha do Rio Grande do Sul vem acrescentando à sua histórica vocação para a pecuária uma nova atividade, o cultivo da soja integrado à criação de gado. O assistente técnico em produção animal da Emater em Bagé, Fábio Eduardo Schlick, explica que a área usada em consórcio pelas duas culturas subiu de 200 mil hectares para 800 mil hectares nos últimos dez anos em municípios da Metade Sul atendidos pelo escritório regional da instituição. Isso trouxe mais liquidez e deu ao agropecuarista a condição de aguardar o melhor preço para comercializar os seus terneiros.

Exportação de gado em pé é bem vista pelo produtor e preocupa a indústria | Angélica Silveira/ Especial CP

“Com a renda que tem da soja, hoje o produtor vende seu rebanho para quem paga mais, seja o invernador de São Paulo ou o mercado da Turquia. Para ele, o que interessa é o preço", observa Schlick. Ao mesmo tempo, o técnico afirma que a pastagem de inverno, formada após a colheita da soja, precisa ser desocupada para o plantio da safra seguinte, gerando excesso de oferta de gado nos últimos meses do ano e consequente queda nos preços. “No final de 2018, tivemos o quilo do boi gordo cotado em até R$ 4,80. Agora, com a oferta ajustada, o preço oscila entre R$ 5,20 e R$ 5,50”, compara. “Mas o pecuarista está preparado para isso", acrescenta.

Nos 20 municípios abrangidos pela regional de Bagé da Emater (Aceguá, Alegrete, Bagé, Barra do Quaraí, Caçapava do Sul, Candiota, Dom Pedrito, Hulha Negra, Itacurubi, Itaqui, Lavras do Sul, Maçambará, Manoel Viana, Quaraí, Rosário do Sul, Santa Margarida do Sul, Sant’Ana do Livramento, São Borja, São Gabriel e Uruguaiana) estão concentrados 10 mil produtores dedicados à pecuária de corte. No Estado, as raças produtoras de carne têm 7,8 milhões de cabeças, que correspondem a 58% do rebanho bovino de 13,5 milhões de cabeças, segundo dados de 2018 do Nespro/Ufrgs. Se comparados com 2014, quando o rebanho de corte tinha 5,2 milhões de cabeças, os dados revelam aumento do interesse em investir neste ramo da pecuária, afirma Schlick.

Nos frigoríficos, entretanto, a preocupação é diferente. O presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Ronei Lauxen, sustenta que a oferta de gado está abaixo da necessidade da área de abate e um dos motivos é o crescimento das exportações de animais vivos. Desde o ano passado, quando abateu em torno de 2,3 milhões de cabeças, a indústria vem reclamando da exportação do gado em pé sob o argumento de que ela está prejudicando toda a cadeia. Segundo Lauxen, a oferta em baixa elevou os preços e impôs grandes dificuldades para os frigoríficos, que não conseguem repassar a variação para o consumidor e acabam concorrendo com as proteínas mais baratas. O dirigente observa que o problema não se restringe à indústria, mas afeta também os terminadores de gado gaúchos, que, por falta de terneiros para a reposição, podem ficar com suas atividades inviabilizadas.


Correio do Povo
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