Produtores abrem colheita de arroz pressionados por custo alto e preço baixo

Produtores abrem colheita de arroz pressionados por custo alto e preço baixo

Como a oferta será menor, há expectativa de alguma recuperação das cotações no segundo semestre

Cíntia Marchi

Colheita de arroz será menor em 2019

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Ao mesmo tempo em que iniciam a colheita da safra 2018/2019 no Rio Grande do Sul, os produtores de arroz encaram equações complicadas de resolver. Há dificuldades para elevar o consumo do grão no país, os custos de produção são altos, os preços não foram remuneradores nos últimos anos e o cenário agravou-se pelas enchentes e consequente quebra de lavouras neste verão. Como a oferta será menor, também há expectativa de alguma recuperação das cotações no segundo semestre, embora esta possível reação e suas proporções ainda sejam tidas como incógnitas pelo setor.

É em meio a este quadro de incertezas e desafios que a cadeia produtiva se reúne na 29ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz, de 20 a 22 de fevereiro, na Estação Terras Baixas da Embrapa Clima Temperado, em Capão do Leão. Será uma ocasião para a orizicultura mostrar como, ao longo dos anos, conseguiu aumentar a produtividade, diversificar atividades e agregar tecnologia em meio às dificuldades e, ao mesmo tempo, discutir soluções para os problemas que vem enfrentando, entre as quais as que não dependem dos próprios produtores, mas de políticas públicas. Essas alternativas serão apresentadas às autoridades em forma de reivindicações (ver detalhes nas páginas centrais).

“O sentimento é de desestímulo entre os produtores”, admite o vice-presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado (Federarroz), Alexandre Velho, referindo-se ao momento. “Muitos estão descapitalizados e endividados. Isso dificulta, inclusive, que façam investimentos para sair desta situação”, avalia. Além do contexto desfavorável, a constatação do momento é que a safra será menor que a anterior. Somente na Fronteira Oeste e na Campanha, atingidas por enchentes em janeiro, a Emater estimou, preliminarmente, perda de 460 mil toneladas de arroz, equivalente a R$ 342 milhões. No entanto, até mesmo em áreas que não foram castigadas por enchentes, em outras regiões, há perdas decorrentes da falta de luminosidade durante o período reprodutivo. “A colheita iniciou com 15% a 20% menos produtividade em áreas que não sofreram com as chuvas”, afirma Velho. AQUII

 

Em seu levantamento mensal da safra de grãos, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projetou, em fevereiro, que a produção gaúcha será de 7,47 milhões de toneladas. Se comparado com a colheita do ciclo 2017/2018, de 8,46 milhões de toneladas, o volume representa recuo de 11,7% e quase 1 milhão de toneladas a menos. A retração é consequência da redução da área cultivada (de 1,077 milhão para 1,001 milhão de hectares) e também de queda de produtividade, de 7,85 mil para 7,46 mil quilos por hectares), imposta sobretudo por intempéries.

Como o Rio Grande do Sul produz 70% de todo o arroz brasileiro, o desempenho da safra gaúcha vai afetar o da nacional, que cairá de 12,06 milhões para 10,69 milhões de toneladas. O cálculo que soma à produção o estoque inicial (675 mil toneladas) e possíveis importações (1,3 milhão de toneladas) e deduz o consumo (11,4 milhões de toneladas) e as exportações estimadas (900 mil toneladas) indica um estoque final de passagem para o ciclo 2019/2020 de apenas 374 mil toneladas, o menor da década, segundo a Conab. Isso indica que o oferta do grão no mercado será enxuta e gera a expectativa de que as cotações internas tenham sustentação ao longo de 2019. Esta é uma aposta da Federarroz e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP). No entanto, o pesquisador do Cepea, Lucílio Alves, alerta que, por conta da sazonalidade, os preços continuarão pressionados no período da colheita ou de vencimento das dívidas de custeio. 

Como uma cotação melhor é esperada para o segundo semestre, o dirigente da Federarroz recomenda que os produtores lancem mão de pré-custeio e mecanismos de sustentação de preço para conseguir escalonar a venda do arroz ao longo do ano. “Para o segundo semestre temos a perspectiva de um preço nominal que pague pelo menos o custo de produção”, estima Velho. Segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), o custo de produção nesta safra gira em torno dos R$ 48 por saca. Em 2018, a cotação média foi de R$ 40 a saca. Pelos cálculos da Federarroz, desde 2015 os preços não alcançam os custos.

Exportação

Segundo análise do Cepea, o movimento de alta nas cotações irá se amparar muito mais por exportações do que pela recuperação do consumo interno. Em 2018, o Brasil exportou 1,4 milhão de toneladas do grão, 134% mais do que em 2017, de acordo com dados do Ministério da Economia. Neste ano, o Cepea acredita que a taxa de câmbio e a melhor dinâmica da procura de arroz brasileiro por países africanos podem ajudar a estimular novamente as vendas para o exterior. 

Já o dirigente da Federarroz diz não ter certeza sobre a elevação das exportações, justamente pela perspectiva de preços nominais maiores. Por isso, entende que a estratégia é impulsionar as vendas para o Exterior ainda nos primeiros meses. Países da América Central têm adquirido volumes consideráveis e há expectativa de abertura do mercado da Guatemala e do México ainda neste ano. “Estamos de olho principalmente no México, que importa 800 mil toneladas por ano”, destaca Velho.

Para o assessor do Irga, agrônomo Luis Antonio de Leon Valente, o setor precisa encontrar, junto ao governo, soluções para a crise que enfrenta. Ele lembra que a orizicultura ocupa 18 mil produtores e parceiros, gera 37 mil empregos diretos e movimenta a economia de pelo menos 139 municípios gaúchos adicionando um valor bruto médio de R$ 6 bilhões por ano. 

Uma lista de propostas

Ao mesmo tempo em que lidam com fatores que não podem controlar, como as enchentes, que causaram prejuízos a muitas lavouras neste ano, os orizicultores querem que o governo federal interfira em pontos palpáveis, que os ajudem a driblar a crise e a ampliar a competitividade. Neste momento, algumas reivindicações são apresentadas como prioridades e estarão na pauta dos contatos dos representantes dos produtores com autoridades durante a Abertura Oficial da Colheita. Entre os pedidos estão a correção do preço mínimo do arroz, revisão dos tratados do Mercosul, plano de securitização para os produtores endividados e desburocratização do sistema de financiamento. 

O presidente da Associação dos Arrozeiros de Uruguaiana e diretor da Federarroz Roberto Ricardo Fagundes Ghigino espera que as lideranças e autoridades que participarem do evento apresentem propostas para minimizar a crise. “Nós precisamos que o governo nos dê esperança”, pede Ghigino, ao apontar que, na região de Uruguaiana, já são cinco anos sem rentabilidade na orizicultura, seja por perdas provocadas pelo clima, seja pela depreciação das cotações.

Preço mínimo

O tema do preço mínimo do arroz já pautou diversas reuniões entre governo e entidades. Os produtores cobram a correção alegando que os R$ 36,44 fixados para a safra 2018/2019 não condizem com a realidade. O assessor do Irga, agrônomo Luis Antonio de Leon Valente, diz que o governo tem que fazer este dever de casa e apresentar números mais adequados, até porque são eles que vão ser considerados quando o setor precisar acessar ferramentas como os mecanismos de comercialização.

Nos últimos dias, atendendo reivindicação das entidades, técnicos da Conab estiveram com produtores de Uruguaiana, Cachoeira do Sul e Pelotas buscando atualizar os números que compõem o custo de produção do grão. A expectativa é que o levantamento dê condições à Conab de balizar um cálculo mais justo. Para o presidente da Comissão do Arroz da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Francisco Schardong, ano após ano o valor estipulado pela Conab “é um engodo”, baseado mais em aspectos políticos do que técnicos. 

 

 

Os R$ 36,44 fixados como preço mínimo para a safra 2018/2019 não condizem com a realidade, segundo os orizicultores | Foto: Alina Souza

 

Securitização

Em função do quadro de endividamento e das perdas nas lavouras nas últimas enchentes, outra demanda que ganhou força neste ano é o pedido por um plano de securitização (venda da dívida a investidores). A ministra Tereza Cristina, que já recebeu esta solicitação da Federarroz, sinalizou ser justificável a medida. No entanto, quando esteve em Uruguaiana para verificar a inundação das lavouras, em janeiro, pediu números e adiantou que os caminhos para isso não são fáceis. 

Mercosul

Outra cobrança é a revisão do acordo com o Mercosul, diante das assimetrias apontadas no bloco. Um estudo da assessoria econômica da Farsul mostrou, em 2017, que o custo de se produzir grãos no Brasil chega a ser, em média, 79% maior que na Argentina e 32% maior que no Uruguai. Além disso, o produtor brasileiro acaba tendo de concorrer, também no mercado interno, com a entrada de produtos da Argentina, Uruguai e Paraguai que se beneficiam das políticas de livre comércio do Mercosul, mesmo que naqueles países se utilizem insumos não autorizados no Brasil. “Neste ano, o Paraguai, por exemplo, está registrando uma boa colheita e vai vender arroz aqui. Nem começamos a colher e já saímos perdendo”, alerta Valente.

Menos burocracia

O vice-presidente da Federarroz, Alexandre Velho, fala ainda da necessidade de se reduzir a burocracia do sistema de financiamento para que mais produtores possam acessá-lo. O dirigente lembra que, atualmente, 70% da lavoura está fora do crédito oficial. “Isto prejudica muito o setor, porque na hora da colheita o orizicultor acaba entregando a produção à indústria para honrar seus compromissos e esta indústria, além de pagar preço muito baixo, se abastece e fica fora do mercado de compra no resto do ano”.

Apostas na diversificação

A atual situação da lavoura arrozeira no Rio Grande do Sul leva os produtores a pensarem em alternativas de diversificação e a projetarem uma nova queda na área plantada na safra de 2019/2020, que ficaria menor que a de 1,001 milhão de hectares do ciclo 2018/2019. Orizicultor há 37 anos em Alegrete, Arthur Osvaldo Pacheco irá substituir até 15% da lavoura de arroz por soja no próximo plantio. “Será uma primeira tentativa, um aprendizado”, conta. “O arroz não tem tido lucratividade nos últimos anos. Persistir no erro não dá mais”, acrescenta. 

Em função dos baixos rendimentos, Pacheco engavetou projetos como o de geração de energia eólica. “Para fazer um investimento desses, a um juro de 7%, 8% ao ano, só se tivesse a garantia de uma lavoura valorizada”, avalia. O produtor sugere que as lideranças busquem junto ao governo federal linhas de financiamento a juros baixos para projetos deste tipo, que ajudariam a reduzir os custos com a energia elétrica. 

Pacheco foi um dos afetados pelas enchentes de janeiro em Alegrete. Ele disse que já é possível contabilizar uma perda de 11% na sua lavoura, mas este percentual poderá ser melhor dimensionado quando as máquinas iniciarem a colheita. “Já passamos por El Niños, mas agora a perda é mais impactante por conta dos onerosos custos de produção”, diz. Também de Alegrete, Florindo Vicente Cassol registrou uma perda significativa. Ele projetava colher 21 mil sacos. Agora, não passará de 3 mil. Apesar do seguro rural cobrir parcialmente o prejuízo, Cassol conta que terá que se desfazer de parte das cabeças de gado para quitar as dívidas com o banco. Defende que os produtores diversifiquem suas atividades, lutem por preço mínimo mais ajustado à realidade e façam a entrega da matéria-prima de forma escalonada. “Muitos entregam todo o produto na hora da colheita. Se segurassem poderíamos buscar mais preço”.

 

 

Estação Experimental da Embrapa receberá o evento | Foto: Paulo Luiz Zanetta Aguiar / Divulgação / CP

 

Alternativas em debate

Apresentação de inovações tecnológicas, fóruns técnicos e cobranças políticas estão na programação da 29ª Abertura Oficial da Colheita do Arroz, de 20 a 22 de fevereiro, na Estação Experimental Terras Baixas da Embrapa Clima Temperado, em Capão do Leão, na Zona Sul do Estado. Caravanas de produtores das mais diversas regiões do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, além de autoridades, são esperadas no evento. Foram convidados a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o vice-presidente Hamilton Mourão e o governador Eduardo Leite, entre outros.

Neste ano, o tema do evento é “Matriz Produtiva: Atividade Diversificada, Renda Ampliada”. O vice-presidente da Federarroz, Alexandre Velho, diz que a ideia é que a programação apresente tecnologias para elevar a competitividade do arroz, agregado a sistemas de produção. Ele defende que o produtor invista em outras culturas, como soja e pecuária, para conseguir reduzir o custo da lavoura orizícola e ampliar as fontes de receita. Segundo Velho, quando a lavoura de arroz é feita sobre uma de soja, do ano anterior, o custo de produção diminui até 15%. “Mas sabemos que nem toda área de arroz serve para plantar soja. Todas as características têm que ser observadas e a decisão tem que ser técnica e não emocional”, ressalta. 

O assessor do Irga e coordenador das caravanas da Abertura Oficial, Luis Antonio de Leon Valente, pede que os produtores participem do evento. “É o momento de a categoria se unir, se mobilizar e trocar experiências para tentar solucionar os seus problemas”, conclama. “Além de ir até o evento para se inteirar das últimas tecnologias, a classe tem que estar lá para participar das discussões políticas, que são muito importantes”, enfatiza.

Como nos anos anteriores, a Abertura conta com vitrines tecnológicas, oficinas, fóruns, exposição de novas tecnologias de máquinas e insumos. No dia 21 haverá a entrega dos prêmios Pá de Arroz, em edição comemorativa aos 30 anos da Federarroz. O ato de abertura oficial do evento ocorre no dia 22, às 14h.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895