Pesquisa tenta compreender trajeto de animais marinhos mortos até as praias gaúchas

Pesquisa tenta compreender trajeto de animais marinhos mortos até as praias gaúchas

Pesquisadores irão percorrer cerca de 30 quilômetros no Litoral para realizar estudo

Chico Izidro

Serão lançadas garrafas de vidro que atuarão como flutuadores no mar

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Nesta terça-feira será realizado experimento de pesquisa com o objetivo de tentar compreender como ocorre a deriva de animais marinhos no Litoral Norte gaúcho. O trabalho faz parte do projeto “Conservação da toninha no litoral norte do estado”, coordenado pelo Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (Gemars), com apoio do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), e em parceria com o Ceclimar/Ufrgs, Uergs e Unisinos.

Os pesquisadores irão percorrer cerca de 30 quilômetros entre Tramandaí e Cidreira, no barco Sea Star, para realizar o estudo. No decorrer de 2019, acontecerão mais outros três experimentos do mesmo tipo, um para cada estação do ano.

O professor Paulo Ott, da Uergs e pesquisador do Gemars, afirmou que o trabalho pode ajudar a entender melhor “por exemplo, quanto tempo um animal que morre em alto mar leva para chegar até as praias gaúchas”. Ele explicou que ao longo do trajeto, ocorrerão cinco estações de amostragem, nos quilômetros 7, 13, 19, 24 e 30, em Cidreira.

Em todos esses pontos serão lançadas garrafas de vidro, que atuarão como flutuadores, e carcaças frescas de animais marinhos (toninhas, tartarugas, pinguins e outras aves marinhas) que foram encontrados mortos nas praias gaúchas. “Tivemos o cuidado de pensar em garrafas de vidro e não de plástico, pois sabemos o poder nocivo que este tipo de material pode provocar no meio ambiente”, salientou Ott.

Ameaça de extinção

A pesquisa também faz parte da tese de doutorado do biólogo Maurício Tavares, do Ceclimar/Ufrgs. Atualmente, no Rio Grande do Sul, existe 280 espécies de animais sob risco de extinção, sendo sete espécies de mamíferos marinhos, incluindo a toninha, a baleia-franca e a população costeira de botos.

“Para saber se uma espécie está ameaçada, devemos conhecer várias informações sobre a história de vida dela. Por exemplo, quando começa a se reproduzir, quanto tempo vive, quantos animais existem na natureza e se existe alguma ameaça conhecida. Com base nessas informações, sabemos por exemplo que a toninha é uma espécie ameaçada de extinção”, explicou Tavares.

De acordo com ele, a toninha tem como principal problema de conservação a captura acidental em redes de pesca comercial. E embora acidental, estas capturas são relativamente frequentes” e colocam em risco a sobrevivência da espécie a longo prazo, ressaltou.

Tavares seguiu dizendo que a mortalidade de toninha vem ocorrendo há vários anos, sem que ainda uma solução viável tenha sido encontrada. "Realizamos um trabalho de monitoramento de praias há mais de 20 anos e coletamos muitas carcaças de toninhas. E a partir destas informações, conseguimos verificar que um dos locais de maior mortalidade é exatamente o Litoral gaúcho. E esta espécie de golfinho só existe no Brasil, desde o Espírito Santo, passando por Uruguai e Argentina, na Província de Chubut”, explicou.

Conforme Tavares, a o risco de extinção da toninha é maior também pelo fato dela ser um mamífero, ou seja, tem uma taxa de reprodução baixa, ao contrário de outros animais, por exemplo, os peixes. “Esses se reproduzem muito mais rápido e em quantidades maiores. Já uma fêmea de mamífero dá a luz a geralmente apenas um filhote, e ainda tem o tempo de cuidado com ele, que pode levar um ano ou mais. É como um ser humano, que leva nove meses para gerar uma criança e ainda depois tem o cuidado parental”, relacionou.

“E é um animal pequeno, não chega a dois metros. Aliás, o maior indivíduo já registrado foi uma fêmea de 1,77m. Às vezes as pessoas encontram e acham ser um filhote, quando na realidade é um indivíduo adulto”, analisou. “Mas não, ele é pequeno mesmo, costeiro, nada no máximo a 30 metros de profundidade, em regiões de estuário. E sua alimentação básica é de peixes pequenos, de fundo, e lulas”, seguiu.

O sonar das toninhas

O biólogo explicou que por algum motivo, o sonar das toninhas não consegue detectar a rede e elas ficam presas, ainda mais devido ao seu formato – a toninha possui um rostro comprido, e cerca de 200 dentes pequenos, o que acaba facilitando para que ela fique presa. “Assim, não consegue subir para respirar, acaba colapsando e morrendo. Como os pescadores não tem interesse em sua captura, ela é jogada na água, e acaba encalhando”, disse.

Tavares ressaltou que um dos objetivos deste estudo é o de tentar descobrir ainda o número não conhecido de animais que morrem em alto mar Entre todas as espécies. “Quanto de tartarugas, de aves, de golfinhos que não encalham. Que por um motivo ou outro suas carcaças não são detectadas. A toninha, por exemplo, pode ser atacada por orcas. Uma vez encontramos uma orca morta no litoral norte gaúcho, e ao abrir seu corpo para análise, foram encontradas três toninhas em seu estômago”, lembrou.

A carcaça pode também afundar e não retornar, ou derivar para alto mar. “Enfim, uma série de fatores podem interferir na contagem. Assim, às vezes, acreditamos que uma espécie está bem, mas na realidade está morrendo muito mais”, afirmou.

Pescadores

O biólogo também disse que não se pode culpar os pescadores. “Eles não têm culpa pela morte acidental dos animais. Os pescadores estão exercendo as atividades deles, pescando para que a gente possa se alimentar. O que acontece? Infelizmente os animais muitas vezes acabam ficando presos em suas redes. Nossa pesquisa também está procurando uma forma de tentar achar uma maneira de ele exercer sua atividade, mas reduzindo o número de animais que morrem acidentalmente. E como se faz isso?”, questionou.

Nesse sentido, Ott destacou que os pescadores tem sido parceiros vitais do projeto. “Queremos encontrar junto com eles uma forma de tornar a pesca mais sustentável. Isso é importante para todos: para os pescadores, para os peixes e também para os outros animais”, ressaltou o pesquisador.

Medidas

Tavares disse que já foram testadas várias medidas para evitar que os animais fiquem presos às redes, como por exemplo mudar a densidade da rede, mas ela fica quebradiça. “A ideia é tentar achar algo viável e que diminua a captura dos animais”, completou. “Em alguns lugares já á foram colocados um tipo de alarme nas redes, mas embora tenha afastado a toninha, acabou atraindo o leão-marinho. Então é difícil”, analisou. “Mas com estes estudos, poderemos entender melhor a situação”, destacou.

Todas as carcaças e garrafas que serão lançadas ao mar durante o experimento receberam um código de identificação, além de um telefone (Whatsapp) e e-mail para contato. Os pesquisadores esperam contar com a participação da população, e assim recuperar o maior número possível de objetos lançadas em alto mar.

“O auxílio da comunidade será fundamental para o sucesso do projeto. O ideal é que as pessoas anotem o horário e local mais preciso possível onde as garrafas e as carcaças forem encontradas. Assim, poderemos saber com maior precisão o tempo e a distância percorrida pelos objetos”, finalizou Tavares.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895