É democrático banir o TikTok?

É democrático banir o TikTok?

O pano de fundo é o fato de o crescimento chinês ser interpretado como uma ameaça à hegemonia econômica estadunidense

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A primeira indagação que me vem à mente ao tomar conhecimento de que os Estados Unidos estão banindo do país o aplicativo chinês TikTok é se a decisão se coaduna com a secular tradição daquele país de respeito à democracia e à Constituição. E de imediato é preciso lembrar a colaboração de Alexis de Tocqueville para a Constituição norte-americana. O grande desafio das sociedades que buscam a democracia, segundo Tocqueville, é encontrar uma forma de evitar que o processo inevitável de igualização das condições não limite a liberdade dos cidadãos e venha a impedir a consumação da democracia, conduzindo uma nação para um Estado despótico. E vale lembrar que um dos princípios básicos da democracia é a liberdade de opinião, o qual se soma ao da liberdade de ir e de vir. Ao romper um destes princípios o sistema marcha para o autoritarismo.

A DECISÃO

A decisão que inicia o processo de banimento da rede chinesa dos EUA foi tomada nesta quarta-feira pelo presidente Joe Biden, ao promulgar um projeto de lei proibindo o TikTok, se a ByteDance, empresa dona do aplicativo, não se desfizer dele em nove meses. Em resposta a Biden, o presidente-executivo do TikTok, Shou Zi Chew, disse que a empresa espera questionar na justiça a legislação. "Os fatos e a Constituição estão do nosso lado e esperamos prevalecer novamente", disse ele. O que mais uma vez vem ao encontro dos postulados de Tocqueville. Vale lembrar também que o tema de censura ao TikTok não é novo no país. Em 2020, o então presidente Donald Trump já emitira um decreto nesse sentido. Dera 90 dias para a ByteDance se desfazer de seus ativos americanos e de quaisquer dados que o TikTok havia coletado nos EUA. Vigorou a Constituição e um juiz suspendeu a ordem de Trump. E o curioso é que Biden, quando assumiu, revogou a decisão de seu antecessor.

MUDANÇA

De qualquer maneira estamos vivendo novos tempos em termos de comunicação, com novos e revolucionários dispositivos que chegam até aos desafios que nos impõe a Inteligência Artificial. Hoje é possível usar imagem e voz de uma pessoa, passando uma mensagem mentirosa. A privacidade das pessoas está sendo cada vez mais violada. Talvez seja por isto que o projeto de Biden tenha recebido um apoio tão expressivo no Congresso, com 352 congressistas a favor e somente 65 contrários.

Embora haja um contingente de 170 milhões de cidadãos americanos que usam o aplicativo, a preocupação dos dirigentes norte-americanos não é fundamentalmente com esses, mas com o que a China, país de origem do TikTok, possa receber em termos de informações. Daí a exigência de que a detentora do aplicativo o venda para uma empresa americana. Não podemos esquecer que estamos em uma nova Guerra Fria, agora dos Estados Unidos com a China. Um conflito que já começou ao tempo de Donald Trump com o que se chamou de Guerra 2.0. Esta guerra comercial teve início, mais especificamente em 2018, com Washington impondo tarifas sobre produtos importados chineses. O pano de fundo é o fato de o crescimento chinês ser interpretado como uma ameaça à hegemonia econômica estadunidense.

DESAFIO

Este crescimento chinês aponta que muito em breve os EUA perderão sua posição de maior economia do mundo. Esta precisão é fundamentada em dados. A forte expansão da atividade econômica chinesa nos últimos 30 anos a garantiu como a segunda maior potência mundial, posição que assumiu desde 2010. De lá para cá, 2021 foi o ano em que a China chegou mais perto dos Estados Unidos, o país mais rico do mundo. A diferença era de US$ 5,251 trilhões no PIB nominal. Os dados são de abril de 2023.

Já um estudo colaborativo deste mês de abril de 2024, envolvendo pesquisadores de China, Rússia, Estados Unidos e Canadá, projeta que a China tem grandes chances de se tornar a maior economia mundial, ultrapassando os Estados Unidos até o ano de 2035. Então, é preciso considerar que esta disputa econômica não deixa de estar presente numa decisão como esta que bloqueia o TikTok, mesmo que venha a violar um dos princípios mais sagrados para os cidadãos estadunidenses, que é o do respeito à Constituição.


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