Quando os anjos se multiplicam

Quando os anjos se multiplicam

Apesar de todo o terror da enchente que assola o Rio Grande do Sul, a união de todos dá a certeza de dias melhores

Oscar Bessi

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As águas avançam e, em pouco tempo, um tempo que se dilata repentino na retina do terror, tomam conta de tudo. Velozes. Furiosas. Implacáveis. Atingem o até então inatingível, promovem o inimaginável, destroem sem pudor ou cerimônia. Despedaçam, com raiva inédita, o que encontram pela frente. Arrancam muros, paredes, estradas, pontes, construções. Histórias, trajetórias, sonhos. Caminhos. Ceifam vidas. Isolam almas. E, na enxurrada de desespero, a correnteza ainda leva consigo uma nau de medo invisível, inquieta e asfixiante. Comunidades desaparecem, telhados viram ilhas. Gritos de socorro ecoam por todos os lados na tempestade. Nem sabem se serão ouvidos. Provavelmente não. Estão distantes como jamais tiveram, suas chances se resumem à espera de um milagre. Sobreviver desce ao patamar do improvável. Como uma loteria cruel.

Eis que eles chegam. Por água e pelo ar. Homens e mulheres de farda, heróis anônimos sem nome na mídia, anjos vindos de todos os lados, na multiplicação que só o ideal consegue promover (os interesseiros e os mercenários nunca conseguem estes feitos). Desafiando a lógica, honrando um juramento, indo ao encontro do perigo - como fazem sempre, até mesmo no auge dos seus dias mais “normais”. E, ainda que com diversos dos seus integrantes também vitimados pela ferocidade destas cheias, que compuseram uma tragédia tão inédita quanto devastadora no Rio Grande do Sul, a Brigada Militar faz o que lhe é cotidiano no cumprimento da sua missão: com engajamento total, numa entrega que não vê hora ou dia para acabar, salva vidas. Muitas vidas. Todas as vidas, humanas e não. Sem olhar cor, credo, história ou merecimento. Apenas salva. Milhares por dia.

À Brigada Militar, acostumada ao front diário e ininterrupto das ruas, se somam as outras forças de segurança, as Forças Armadas, a Defesa Civil, os voluntários. Os policiais militares de outros estados. A onda gigante de solidariedade. Então, tendo com quem compartilhar a missão primeira de salvamentos, lá vai a Brigada Militar ao combate no lado sombrio do caos: golpistas, assaltantes, traficantes repentinamente sem lucro, ladrões de toda ordem, exploradores de crianças, estupradores, agressores. E Policiais Militares, mesmo os sem costume com as águas, como seus colegas do Batalhão Ambiental ou os Bombeiros, encaram trocar suas viaturas por patrulhamentos de barco, dias e noites inteiros, enfrentando o pior. O caos não parece próximo de nos abandonar. Mas a multiplicação dos anjos nos dá a certeza de que nada está perdido, e os dias de esperança em breve retornarão.





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