Denarc desvenda o ‘segredo das águas’

Denarc desvenda o ‘segredo das águas’

Policiais civis, que normalmente combatem o narcotráfico, agora fazem o patrulhamento de bairros alagados na Capital e em Canoas

Jonathas Costa

Policiais do Denarc ficam atentos e podem reagir a qualquer momento

publicidade

Primeiro veio a inundação, que obrigou a evacuação de bairros inteiros diante de um cenário de destruição e grandes perdas materiais. Realizados os resgates, muitos deles dramáticos, as ruas que antes reuniam famílias, crianças e a vida em comunidade, agora tomadas pelas cheias, se tornaram terreno do medo e da insegurança. Os níveis dos rios que cortam a Região Metropolitana subiram na mesma velocidade que os relatos de invasão de casas alagadas se proliferaram. Criminosos passaram a aproveitar o cenário de abandono e escuridão para entrar em residências abandonadas e furtar o que a água ainda não levou.

A mobilização das forças de segurança vem tentando frear as ações dos criminosos em áreas mais críticas. O processo envolve, em diferentes pontos, agentes da Polícia Civil, da Brigada Militar, das guardas municipais e até do Exército. Em Canoas, cidade que foi duramente atingida pelas enchentes e onde mais de 100 mil pessoas deixaram suas casas, o Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc), cuja sede no bairro Navegantes, em Porto Alegre, também foi inundada, atua com equipes 24 horas por dia nos bairros Mato Grande e Harmonia.

O Correio do Povo acompanhou uma incursão pelas ruas completamente escuras do bairro Mato Grande. A bordo de um barco da Polícia Civil, o delegado Gabriel Borges e os policiais civis Gustavo Pereira e Robson Nardeli partiram da rua da República, onde um ponto de resgate está montado desde o início dos socorros, e avançaram pela avenida das Canoas. O nível da água na região, mesmo distante cerca de 5 km da margem do Rio dos Sinos, supera os dois metros. Fazia muito frio e a sensação térmica nas áreas de alagamento é mais baixa.

Os agentes estavam equipados com lanternas presas à cabeça que serviam como farol em meio à escuridão. Era assim que eles vistoriavam as casas inundadas para garantir que seguiam invioladas. O tráfego de barcos na região, assim como em tantas outras áreas de alagamento, gerou prejuízos adicionais, em especial às lojas com fachada de vidro. A correnteza criada pelas embarcações acabou estourando as vitrinas, deixando-as ainda mais expostas.

Se de dia o cenário já é dramático, à noite o que a luz da lua, e das lanternas, revela é um ambiente inóspito e aterrorizante. O silêncio só é quebrado pelo barulho do motor do barco ou dos helicópteros que seguem de maneira incessante, cruzando os céus da Região Metropolitana. Em dois momentos da incursão, latidos foram ouvidos. Vinham de casas onde os moradores insistiram em permanecer nos imóveis, mesmo alagados. O medo de perder o pouco que sobrou é maior do que o próprio cenário que a inundação proporciona.

O barco chega até a rua Arizona. Há um caminhão quase que totalmente coberto. Neste ponto, apenas a partir da consulta de um mapa é possível saber tratar-se de uma rótula. Os policiais informam que é preciso sair da avenida. Carros completamente submersos tornam-se um risco adicional de colisão. A esta altura, placas de trânsito e paradas de ônibus também estão praticamente invisíveis.

O patrulhamento chega na rua Nova Jersi e dali segue em direção à rua Albani. As águas escondem, neste ponto, uma praça e um campo de futebol. O CTG Estância Gaúcha está logo à frente. Nada ali é visível. Os galhos das árvores atingem os policiais, que seguem com as luzes das lanternas iluminando as casas. Com pistolas e fuzis, eles estão sempre preparados para uma eventual necessidade de reação.

Quando o motor do barco para, um voz soa no horizonte. “Ei”, se ouve ao longe. O delegado então responde: “Polícia!”. Não é possível ver quem grita, mas os agentes sabem que trata-se de um morador que ficou na região. À sua maneira, ele também patrulha o local.

No caminho de volta, o barco passa pela escola Professora Rosângela Cunha Lanzoni. A estrutura, um sonho antigo dos moradores, foi inaugurada em junho do ano passado e atende turmas de berçário e maternal. São mais de 200 crianças na faixa etária de 0 a 6 anos. Tudo está inundado. Uma cena que impressiona até mesmo os agentes já acostumados com as rondas.

“No atual momento, nós praticamente não temos mais questões de salvamento, mas quando surge qualquer necessidade, atuamos. A principal ação aqui é o patrulhamento, garantir a segurança das pessoas e do patrimônio para evitar que qualquer tipo de crime deste tipo venha a ocorrer”, explica o delegado, ao reconhecer que na região onde os agentes do Denarc estão atuando a situação é percebida como controlada.

“A gente sabe que os criminosos acabam migrando, acabam inovando, então estamos garantindo o patrulhamento aqui e a segurança 24 horas por dia.” O Denarc também faz esse trabalho praticamente ininterrupto no bairro Humaitá, em Porto Alegre, assim como nos bairros adjacentes, não só porque o departamento fica na região, mas também porque é uma área muito populosa e com necessidade de policiamento.

Até chegar de volta ao ponto de partida, a embarcação passa pela rua Kansas, onde mais veículos estão submersos. Nas casas, a luz das lanternas revela móveis e pertences boiando na água escura e fétida do Sinos. O lixo boia nas beiradas dos pontos de alagamentos. No local, a segurança parece garantida. Um retorno breve para uma vida de normalidade. Nem tanto.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895