Arte para levar à reflexão

Arte para levar à reflexão

Com 49 anos de idade, Eduardo Srur é um artista cujas intervenções já percorreram diversas cidades no Brasil e no Exterior.

Paula Maia

O artista Eduardo Srur com 49 anos de idade.

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Eduardo Srur é um artista cujas intervenções já percorreram diversas cidades no Brasil e no Exterior. Em uma conversa com o Correio do Povo, ele revelou que suas obras buscam desvendar questões complexas por meio de uma abordagem simples, lúdica e provocativa. Recentemente, sua garrafa PET gigante foi exposta no trecho 1 da Orla do Guaíba durante a Virada Sustentável em Porto Alegre. Mas a sua presença artística já havia marcado a edição de 2021, com a exposição Natureza Plástica, que conta com oito obras produzidas com sacolas plásticas. Srur foi o escolhido para fazer a exposição de inauguração da futura nova sede do Museu de Arte Contemporânea, no 4º Distrito de Porto Alegre. E tem mais de 15 obras permanentes em São Paulo, uma delas, "Palavras que Salvam", se destaca como uma grande intervenção a céu aberto decorando as margens do rio Tietê.

Quem é o Eduardo? 

O Eduardo é um artista há mais de 25 anos, focado na profissão, determinado em seguir esse caminho da arte como profissão. Uma maneira de levar essa reflexão sobre os erros da paisagem, os erros da sociedade e acho que cada vez mais sobre essa distorção da humanidade em relação à natureza. 

Como começou na arte?

Comecei com a linguagem de pintura. Uma linguagem que a gente pode chamar de tradicional das artes plásticas. Bidimensional, os quadros. A partir da pintura comecei a construir uma poética, um repertório. Fui participar de exposições, ganhei prêmios. Fui fazer exposições fora do Brasil, mas minha inquietação era maior, e aí nasceram as intervenções urbanas. 

Como foi a transição para as intervenções urbanas?

Nos anos 2000, tive uma revelação olhando da janela do meu ateliê para cidade e falei, a cidade é uma tela em branco. A cidade é um local onde posso utilizar todas as linguagens artísticas ao mesmo tempo. Pintando, posso estar esculpindo, posso estar fazendo uma performance, posso ter um parceiro de áudiovisual. E o que é melhor, além dessa liberdade de expressão, posso exercer o meu empreendedorismo, realizar projetos em um porte que a sociedade pede, que são as intervenções urbanas. Isso não significa que abandonei a pintura. A pintura me deu esse olhar da cidade, esse ângulo diferenciado da paisagem urbana e sempre vou beber na fonte da pintura. 

Um projeto que marcou.

Eu realizei uma das maiores pinturas do mundo, hoje está exposta em São Paulo. Chama-se “Palavras que Salvam”, ocupei as duas margens de concreto do Rio Tietê, em uma área muito estratégica, e fiz duas serpentes imensas que engolem palavras. É uma exposição que tem uma mensagem de otimismo, mas, ao mesmo tempo, está muito ligada às mudanças climáticas. Depois de 15 anos, voltei a pintar com entrega nessa exposição que é uma obra permanente para a cidade de São Paulo. De um lado você tem uma serpente azul, que representa a força da água, e do outro lado do rio você tem uma serpente vermelha, que representa o poder do fogo. A serpente vermelha engole as palavras arte, oca e vida. “Oca” significa, em tupi-guarani, casa.

Sobre a PET gigante que foi exposta na orla?

O trabalho que foi exposto em Porto Alegre, na Virada Sustentável, é muito simbólico. Você chegava à orla e encontrava uma PET gigante. Ali tem vários simbolismos, porque é uma embalagem agigantada, mostrando o tamanho do nosso erro em relação a consumo, indústria, descarte inadequado, excesso, falta de conscientização. Eu estou muito sensível a essas mudanças que a gente tem percebido no clima. Quando olho para essa escultura, ela é mais do que uma mensagem para reciclar o lixo. Esse é um movimento importante, mas tem uma profundidade ali, uma preocupação: para onde a gente está indo?

Como você se sente impactando as pessoas com arte? 

A arte tem uma função de tirar o público de uma anestesia, fazer as pessoas refletirem sobre questões adormecidas. Tem que despertar. A arte não é meramente estética, ela não é ferramenta de decoração. Ela é muito mais do que isso. O meu trabalho, por exemplo, busca explicar questões complexas de forma simples, lúdica e provocativa. Como me sinto quando o público é tocado e é provocado pelo trabalho? Eu acho que cumpri a missão. O trabalho cumpriu a missão quando isso acontece. Quando você faz a pessoa enxergar a realidade de uma maneira diferente. 

Fale um pouco sobre a obra com gaiolas?

A história das gaiolas começou no ano retrasado. Eu fiz um projeto na cidade de São Paulo que chamava a atenção para o absurdo que são os animais presos para o entretenimento humano. A exposição chamava-se Vida Livre e foi composta por três intervenções grandes na cidade, em três áreas bem estratégicas: Parque Ibirapuera, Parque do Povo e em frente ao Parque Trianon. O Voo dos Pássaros aconteceu no Parque do Povo. O Voo dos Pássaros era uma instalação grande na forma de uma árvore, composta por mil gaiolas que foram apreendidas pela polícia florestal. E que eu consegui uma licença exclusiva para ficar com essas gaiolas, em vez de eles destruírem, que é o processo normal deles na apreensão de tráfico de animais, para que eu pudesse realizar essa exposição. E essa intervenção era para chamar a atenção do público para o absurdo que é a nossa aceitação em relação a ter um pássaro preso numa gaiola para nosso entretenimento, para o nosso prazer. Eu dizia que pássaro feliz é pássaro livre. A verdadeira morada dos pássaros é a árvore, e não a gaiola do homem. Essa intervenção teve um final feliz. Eu consegui levar a obra para o meio da serra da Mantiqueira, em Campos do Jordão, em São Paulo. Ela teve um final feliz, a gente pode dizer assim, porque hoje é uma obra permanente de visitação gratuita, numa região que está superpreservada lá no lado de São Paulo. que é um bolsão de Mata Atlântica na Serra da Mantiqueira.

Poderia dar um recado para os jovens artistas?

Eu penso que a arte não é uma profissão diferente das outras. Se você quer ser um bom médico, se você quer ser um bom advogado ou um bom artista, você vai ter que ter a dedicação, a virtude, a persistência, a coragem. Tem uma frase que diz que o bom profissional está sempre preocupado em manter o controle da situação, mas meu trabalho já deu várias provas de que a perda de controle muitas vezes te traz resultados surpreendentes. A perda de controle é você imaginar que você vai fazer uma exposição e que ela estará sob controle até o final. As intervenções urbanas não são assim, muitas vezes elas são transformadas por forças naturais, forças da sociedade. A vida é assim. A intervenção urbana está muito relacionada com a vida, a organicidade da vida e a dinâmica da cidade. E é por isso que essa perda de controle é excitante para o trabalho. Alguma coisa pode acontecer amanhã. Busque sempre uma energia positiva, por mais que a situação esteja afundando em sua volta, não desista disso.

"A arte tem uma função de tirar o público de uma anestesia, fazer as pessoas refletirem sobre questões adormecidas. Tem que despertar.A arte não é meramente estética, ela não é ferramenta de decoração.Ela é muito mais do que isso." 


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