Flávia Carbonari: políticas para ter segurança

Flávia Carbonari: políticas para ter segurança

Especialista sênior em desenvolvimento social, gênero e prevenção à violência atua como consultora do Banco Mundial há mais de 15 anos

Angélica Silveira

Paulistana Flávia Carbonari é especialista sênior em desenvolvimento social

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A paulistana Flávia Carbonari é especialista sênior em desenvolvimento social, gênero e prevenção á violência. Atua como consultora do Banco Mundial há mais de 15 anos, onde trabalha em projetos de pesquisa e assistência técnica voltados para inclusão social, segurança cidadã, conflitos, gênero, violência baseada em gênero e responsabilidade social. Flávia já atuou em mais de 20 países na América Latina, África e Ásia Oriental e trabalhou como jornalista cobrindo política e economia internacional. Desde 2018, é fellow não residente no “Chicago Council on Global Affairs”. Ela é mestra em estudos Latino-Americanos pela Georgetown University e formou-se pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com bacharelado em Relações Internacionais e Jornalismo. Com base em Buenos Aires desde 2013, nos últimos anos também leciona em programas de segurança cidadã de pós-graduação e graduação em diferentes universidades da Argentina, onde mora atualmente. Flávia esteve em Pelotas, entre os dias 13 e 15 de março, onde participou da primeira edição do Connex, evento internacional da área de segurança, em um painel onde foram apresentadas boas práticas de segurança na América Latina.

Fale um pouco sobre seu trabalho em desenvolvimento internacional.

Trabalho com desenvolvimento internacional há mais de 15 anos. Sempre me interessei por temas sociais, de política internacional e por outras culturas. E encontrei tudo isso nessa carreira. Aos poucos, fui me especializando em temas de inclusão social, gênero e prevenção da violência, que são temáticas transversais a todas as outras áreas, o que sempre me pareceu fascinante. Isso dá uma perspectiva ampla dos nossos problemas. Trabalho tanto com governos como com a sociedade civil em projetos de investimento, assistência técnica e pesquisa. É muito interessante trabalhar com diferentes países, cidades, culturas e ver que muitos dos nossos desafios são comuns, apesar de tantas diferenças. Por isso é tão importante promover espaços de troca de experiências, como a que tivemos na Connex, temos muito o que aprender um dos outros. As soluções sempre estarão localizadas e adaptadas ao contexto local, mas a evidência científica nos mostra que muitas práticas podem ter efeito em lugares muito distintos.

Segundo a pesquisa apresentada no Connex, no último mês de março, dez cidades da América Latina conseguiram diminuir os índices de criminalidade. Quais são elas? Por que isto ocorreu? Há uma solução definitiva?

Essa pesquisa olhou para dez cidades que até 2017 haviam conseguido atingir reduções significativas nas taxas de homicídios por períodos de no mínimo cinco anos consecutivos. Eu e meus dois coautores, Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Alys Willman, do Banco Mundial, usamos também como critério de seleção a disponibilidade de literatura, documentação sobre estes casos e a diversidade geográfica, demográfica, de formas de governo e de capacidade institucional das diferentes cidades. Assim, analisamos o caso de três cidades do Brasil (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Recife), três cidades da Colômbia (Bogotá, Cali e Medellín), duas do México (Ciudad Juarez e Monterrey), uma de El Salvador (Santa Tecla) e uma da Guatemala (Mixco). Não existe uma solução definitiva, única ou mágica para o problema da violência, que é tão complexo e multifacetado. O que identificamos na análise desses dez casos foi uma série de princípios que, de uma forma ou de outra, e mais evidentes em um caso ou outro, foi comum a todos eles. Entre esses elementos de sucesso está, por exemplo, a liderança política da(o) prefeita(o), que foi chave para impulsionar todas as mudanças institucionais necessárias; os investimentos em uma burocracia local especializada para lidar com a temática da prevenção da violência; o foco na geração e monitoramento de dados sobre a criminalidade, apontando onde, como, a que horas, por quem e contra quem os crimes estavam sendo cometidos, o que permitiu o desenho de políticas sob medida; e uma série de ações integradas entre diferentes setores do governo e atores, tanto de prevenção como de controle do crime, focalizadas em lugares e grupos de maior risco. Além disso, em todos esses casos, houve um foco importante na participação e no engajamento comunitário, o que foi fundamental para tornar essas políticas mais sustentáveis no médio ou longo prazos, apesar de muitas delas terem eventualmente chegado ao fim, como foi o caso das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) no Rio de Janeiro.

A América Latina é a região mais violenta do mundo. Por quê? Como melhorar a situação?

De fato, com os dados que temos disponíveis, a América Latina é a região mais violenta. Concentramos 27% dos homicídios do mundo, apesar de termos apenas 8% da população. E 40 das 50 cidades mais violentas estão na nossa região, que também lidera, infelizmente, muitos indicadores de violência contra a mulher. As razões que explicam esse cenário são várias e vão desde questões socioeconômicas, como os altos índices de desigualdade, desemprego juvenil e evasão escolar, à forte presença do narcotráfico e do crime organizado; da disponibilidade de armas ao crescimento urbano acelerado e desordenado; a baixa qualidade das instituições e sentimento generalizado de impunidade; e, claro, normas sociais que de alguma maneira aceitam a violência como forma de resolução de conflito e que são especialmente permissivas à violência contra mulheres, meninas e outros grupos mais vulneráveis, como a população LGBTQI+.

Você citou Rosário, na Argentina, em sua palestra no Connex, como exemplo do que não se deve fazer para combater a violência. Quais são os erros cometidos? O que fazer para melhorar?

Falo de Rosário como moradora e não como especialista ou estudiosa do caso. Estou na cidade há apenas dois anos, mas já há mais de uma década que ela é conhecida como a mais violenta do país, com índices de homicídio que hoje são cinco vezes a média nacional e mais altos inclusive que a taxa do Brasil. No ano passado, foram 22 homicídios para cada 100 mil habitantes. Apesar de tudo isso, a cidade nunca teve uma área dedicada à segurança ou prevenção. Investimentos sociais em bairros vulneráveis foram feitos, mas nunca de forma persistente. Faltou interlocução com o governo estadual, que é responsável pela polícia, e entre diferentes atores. E há historicamente muita corrupção no sistema de segurança e justiça do Estado, o que permitiu que o narcotráfico avançasse muito.

Qual a importância da participação política para a cultura de paz?

A participação política é fundamental, porque permite que as comunidades, os cidadãos, se envolvam nos processos de decisão política que vão afetar suas vidas diretamente. Sem isso nenhuma política pública é sustentável no longo prazo. Ela ensina muito sobre os valores básicos da democracia, dos direitos humanos, que são fundamentais para construção da paz. A participação é fundamental para coesão social, tanto na construção de relações de confiança entre o Estado e o cidadão como entre a própria sociedade.


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