Reivindicações de vários anos

Reivindicações de vários anos

“Sempre temos que estar prontos para sermos chamados e, invariavelmente, comparecer à delegacia. Não há hora, não há dia e, em cidades menores, onde há poucos delegados, essa situação é ainda pior.”

Marcel Horowitz

Guilherme Yates Wondracek

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Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul (Asdep), Guilherme Yates Wondracek, 57 anos, é natural de Ijuí e formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Ele ingressou na Polícia Civil em 1991, teve experiência em diversas áreas, como delegacias de Interior, delegacias distritais em Porto Alegre e no Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca), além de atuar por 11 anos no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Em janeiro de 2000, comandou a operação que prendeu o assaltante de carros-fortes conhecido como Papagaio, então considerado o foragido mais procurado da região Sul. Foi chefe da Polícia Civil gaúcha, entre 2014 e 2016.

A principal demanda da Asdep tem sido a reposição salarial. Por que as reivindicações se intensificaram no ano passado, visto que a categoria alega que está sem reajuste real há dez anos?

Ocorre que, em 2013, mesmo estando com salários defasados, conseguimos receber um aumento do governo em cinco parcelas para repor as perdas que tínhamos. Em 2018, quando terminaram as parcelas, nosso salário estava razoavelmente bom. Porém, como os governos seguintes sequer repuseram a inflação, nós fomos gradualmente tendo perdas. As perdas inflacionários, de 2013 para cá, superam aproximadamente 60%. Então, é por isso que nossas manifestações se intensificaram agora, porque a situação ficou muito difícil e nosso poder de compra teve redução expressiva. Além disso, os delegados estão se ressentindo, ainda mais quando outros estados da federação, mesmo os que passam por dificuldades financeiras, já planejaram aumentos para as suas Polícias. Nos ressentimos pelo impacto no nosso bolso e por nos comparar a outros estados. Fora isso, também há outras carreiras no Executivo que não sofrem o mesmo mal que nós. Se todos os governos tivessem pelo menos reposto o valor do índice inflacionário, estaríamos tranquilos. Eles não repuseram sequer a inflação anual. Isso causa o descontrole nos vencimentos frente ao custo de vida. Por isso que nossa indignação explodiu agora.

Em termos salariais, quais outros estados deveriam servir de exemplo ao RS?

Alguns exemplos são Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rondônia e Roraima. O Rio Grande do Sul já chegou a ter a quarta polícia mais bem paga do Brasil. Hoje, o Estado tem a 16ª.

Qual seria o reajuste ideal da categoria?

O reajuste ideal, levando em conta as perdas inflacionárias, seria de 60%, porque foi o que perdemos nos últimos anos. No entanto, sabemos que isso é impossível. Então pedimos aproximadamente 40%, que se encaixa no teto do Estado. Propomos ainda que esse valor seja parcelado ao longo de três anos. Além disso, também queremos deixar os índices preestabelecidos ano a ano, para evitar o que está ocorrendo agora. Se precisarmos negociar um valor a cada ano, a situação se transforma em uma “lenga-lenga” e as negociações acabam não ocorrendo, como é o caso agora.

Há gente que argumenta que a categoria já ganha o suficiente. O que o senhor tem a dizer?

Quem diz isso tem que levar em conta o risco e a responsabilidade da nossa função. Um delegado que faz uma investigação contra a corrupção, por exemplo, tem que ser bem pago. Em uma apuração como essa, se ele for fraco e não possuir uma vida financeira e familiar bem estabelecida, poderá ceder às pressões. Além disso, merecemos ser bem pagos pela relevância da atividade. Os delegados são os que comandam a Polícia Civil, então, além das responsabilidades administrativas, precisam coordenar as investigações. Somado a isso, tem o fato de os delegados não receberem pelas horas extras trabalhadas. Estamos eternamente de sobreaviso. Por vezes somos convocados de madrugada e acabamos emendando o dia inteiro. É assim todos os dias, inclusive aos finais de semana. Quando fui diretor do Deic, em um período em que assaltantes de banco explodiam caixas no interior do Estado, era muito comum que me acionassem a qualquer hora e demandassem que eu fosse para qualquer ponto do RS. Então, ficamos condenados a viver em alerta e ter sempre um celular disponível ao lado. Sempre temos que estar prontos para sermos chamados e, invariavelmente, comparecer à delegacia. Não há hora, não há dia e, em cidades menores, onde há poucos delegados, essa situação é ainda pior. Isso é muito desgastante. A questão envolve risco de vida, confrontos, estresse, cansaço, pressões e, mesmo com isso tudo, nosso saldo no banco continua negativo.

Em outubro, como forma de protesto, os delegados suspenderam entrevistas e divulgação de operações. A medida foi revogada em novembro, quando houve o início de conversas com o governo e retomada em dezembro. Por que as negociações foram interrompidas? (A entrevista ao Correio do Povo foi concedida antes de sexta-feira, quando a medida foi novamente suspensa).

A partir do final de julho, chegamos a mandar três ofícios pedindo reunião com o governador e não fomos sequer respondidos. A categoria está muito indignada, pois não está sendo valorizada. Frente a isso, decidimos realizar assembleia geral e resolvemos dar um sinal de alerta ao governo. Uma das medidas que adotamos, que não fere a ética nem a legalidade, foi a interrupção de entrevistas. Não foi uma atitude contra a imprensa, foi apenas uma forma de alertar o governo, que entendeu o recado. Após dez dias, a Asdep e todas as outras entidades de classe da Polícia Civil foram chamadas para reunião com a Casa Civil. Na época, o governo nos disse que o Estado sairia do limite prudencial em janeiro de 2024, o que acabou acontecendo. Eles então propuseram que o começo das negociações ocorresse em fevereiro. Não aceitamos isso e sugerimos que as negociações começassem imediatamente. Então, os representantes do governo acataram e se comprometeram a marcar reuniões em seguida, com a condição de que nós encerrássemos o voto de silêncio com a imprensa, o que fizemos.

Por que os delegados escolheram o voto de silêncio como forma de protesto?

O motivo principal foi porque a Polícia Civil e as forças de segurança pública, como um todo, rendem ótimos resultados para o governo. A secretaria que apresenta o melhor desempenho é a da Segurança Pública, em especial pela magnitude das operações e investigações. A Polícia Civil e os outros órgãos de segurança têm trabalhado muito, tanto que os índices de criminalidade tiveram forte redução. Prova disso é que, no final do ano passado, o governador Eduardo Leite reuniu a imprensa no Palácio Piratini para anunciar que 2023 foi o ano mais seguro da história do RS. O governo vive fazendo propaganda disso. Leite exalta os números e o bom trabalho da Segurança Pública e, a todo o momento, divulga os dados nas redes sociais. Ora, se isso é a menina dos olhos do governo, vamos nos atentar a essa vitrine e parar de dar entrevistas e de fornecer detalhes das ocorrências, investigações e das operações.

Além da reposição salarial, a categoria cobra pagamento de horas extras e reformas em prédios onde funcionam as delegacias. Se ocorrer o reajuste, as outras cobranças vão parar?

Claro que não. Receber pelas horas extras e trabalhar em estruturas defasadas nos incomoda. Ocorre que, se conseguirmos o reajuste, as outras questões ficam atenuadas. Quando já se recebe mal, trabalhar além da hora e em prédios com goteiras, onde o telhado pode desabar, acaba incomodando ainda mais. Se formos bem remunerados, isso incomodará menos. Vamos continuar cobrando melhores condições de trabalho, claro. Porém, o que mais nos aflige no momento é a nossa condição salarial. A maior preocupação agora é essa, porque infelizmente nos encontramos em uma situação muito pior do que estávamos há cinco ou seis anos atrás.


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