As entrelinhas do Equador e as flores do mal

As entrelinhas do Equador e as flores do mal

Em Minas Gerais, um policial militar foi preso por um detento que tinha sido beneficiado com a saída temporária de Natal. No Equador , o caos prevalece

Oscar Bessi

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Minas Gerais. Um criminoso com quase duas dezenas de antecedentes policiais (e quanto mais não terá que jamais foi descoberto ou denunciado?) em sua saidinha de final de ano. Duas dezenas de crimes e ele é beneficiado pelo rídiculo sistema penal brasileiro. Quem foi punido, e punido com pena de morte? O policial militar. Que estava de serviço naquela noite e tentou evitar o que, obviamente, a esmagadora maioria dos bandidos faz em suas famigeradas saidinhas: cometer um novo crime. Eles iriam roubar uma caminhonete. E o policial militar, Sargento Roger Dias da Cunha, um jovem de apenas 29 anos, estava entre os encarregados de evitar isto, de limpar a lambança imunda patrocinada pelo sistema e proteger sua sociedade. Ele não atirou pelas costas. Ele deu ordem de parada. Ele cumpriu as regras que, caso não cumprisse, seria acusado por todos das piores coisas possíveis. Mas bandido não tem fairplay. Bandido não cumpre regras. E o criminoso executou barbaramente o sargento. Com frieza. Com vontade de matar. Ele, o criminoso beneficiado pela lei mesmo após tantos crimes. Punido, quem foi mesmo? A bebê de cinco meses, já órfã, cuja chance de conhecer o pai acaba de ser proibida em sua vida.

Eis o retrato comum do país. A bagunça institucionalizada. O medo inserido numa pretensa cidadania que não vinga porque, quem deveria garanti-la, dá de ombros à realidade. Enquanto isto, no Equador, não tão longe daqui, o caos. A guerra. Os bandidos no auge do terror em um país tão bagunçado e jogada às traças quanto o nosso. Com um gerenciamento público igualmente incompetente. Só nos primeiros quatro dias de horror, as facções de traficantes mataram 16 pessoas, promoveram ataques a bomba, fizeram 178 agentes penitenciários reféns e sequestraram diversos policiais. Uma TV invadida ao vivo e a cores para que o mundo soubesse que ninguém controla mais nada por lá. Porque a maior causa desse absurdo não é a fuga pontual deste ou daquele traficante. Não é este ou aquele gesto de alguém que decidiu roncar grosso depois de tanto falar fino. É apenas o resultado do descontrole instaurado há muito no país. E todo descontrole nasce na má vontade, na maioria das vezes intencional, e na incompetência de se resolver problemas de forma objetiva.

Que os brasileiros prestem bem atenção no que acontece num país que, apesar de não ser vizinho de fronteira, é irmão de continente e bem próximo de nós. Porque o que aconteceu em Belo Horizonte, no assassinato do policial militar, é o retrato mais fiel de que também estamos às vésperas do caos. Quem tem medo é quem cumpre as leis, não os criminosos. Quem se dá mal é quem oferece a própria vida para defender a sociedade, não quem a ataca. Estes são recompensados. E os doutos teóricos da rebimboca da parafuseta, que nunca sujam de lama os seus sapatos caríssimos para ir ver como a vida de verdade funciona, seguem alimentando um sistema que massacra a liberdade e a cidadania. Não é á toa que o crime organizado se infiltra cada vez mais na coisa pública. Não é à toa que pais de família morrem todos os dias tentando apenas ser bons pais de família. Não é à toa que temos desconfianças severas quanto ao futuro neste país. E, também, não é à toa que tanto ódio prolifere orgulhoso de ser ódio. O sistema sorri enquanto rega essas flores do mal todos os dias.


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