Crime da ilha: a coragem assassinada pela covardia

Crime da ilha: a coragem assassinada pela covardia

A estudante de Arquitetura e Urbanismo da Ufrgs Sarah Silva Domingues foi morta na Ilha das Flores, em Porto Alegre

Oscar Bessi

publicidade

Havia um rock nacional clássico dos anos 1980 que dizia “Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou. Mas tenho muito tempo, temos todo o tempo do mundo” (Tempo Perdido, do Legião Urbana). E, mais adiante, Renato Russo cantava “Nosso suor sagrado é bem mais belo que esse sangue amargo. E tão sério. E selvagem”. É uma música que fala sobre essa importância de ser jovem, de estar vendo o que já foi feito de forma equivocada em tanto tempo perdido, e então ter muita vontade de fazer diferente, de mudar de verdade, e pra ontem. Essa consciência inquieta de que a juventude é um lindo momento da vida para nos tornarmos proativos, e protagonistas na luta pelas mudanças que queremos para o nosso mundo.

Sarah foi uma dessas jovens conscientes da sua relevância neste mundo complexo, atrapalhado, caótico e febril. Desfigurado pelas incompetências históricas, pelas más vontades e pelos interesses escusos que transformam este povo, desde que os ditos “colonizadores” aqui chegaram, numa massa desfigurada, asfixiada pela violência e pela miséria, a serviço de um sistema montado assim mesmo para engordar poucos. Sarah veio de Cotia, região metropolitana de São Paulo, movida pela motivação de estudar, ser uma grande brasileira, vencer. Trouxe sua voz inquieta e sua energia vibrante. Tomou a frente de lutas, não permitiu a inércia subserviente ao seu redor, liderou a defesa de mulheres vítimas de violência e não se calou em nenhum instante. Guerreou entre ideais, sonhos e sorrisos. E, quando estava tão perto do seu tão sonhado diploma e do seu casamento, ela foi brutalmente assassinada. Sem qualquer motivo. Justo quando pesquisava modos de mudar para melhor a vida das pessoas tão sofridas da ilha onde fazia sua pesquisa científica.

Injusto, inacreditável, inaceitável. Bandidos munidos de armas de fogo e covardia, meros serviçais dessa rede de crimes que lucra com o caos e o desespero. Foram executar alguém, a mando de outros covardes criminosos, e erraram, como erraram os pistoleiros assassinos dos médicos no Rio de Janeiro. Mais um caso que se repete no cotidiano brasileiro e que não implicará em qualquer mudança nesse sistema complacente com o medo - talvez porque ele, o medo, só exista de verdade para o cidadão comum. Toda a coragem de Sarah, toda sua história de vida e lutas, paixões e transformações, tem um inesperado e injusto ponto final dado pelos tiros de covardes assumidos, gente que baixa a cabeça e se submete aos caprichos dos patrocinadores da violência em troca de quase nada. Que fiquei o legado de Sarah. A voz de Sarah. E impulsione a nossa vontade persistente de mudar essa realidade tão triste do nosso país. Sempre em frente. Não temos tempo a perder.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895