Essas penitenciárias e suas fugas (quase) impossíveis

Essas penitenciárias e suas fugas (quase) impossíveis

Dois detentos da Penitenciária Federal de Mossoró (RN) fugiram na madrugada da última quarta-feira, mobilizando um grande aparato policial

Oscar Bessi

publicidade

Demorou, mas aconteceu. Mossoró, Brasil, 2024. Querubim e Tatu são as alcunhas dos bandidos que sacodem o noticiário brasileiro e mundial. Eles escaparam de onde ninguém mais escapou. De uma das nossas penitenciárias federais de segurança máxima, até então orgulho do combalido sistema carcerário tupiniquim por jamais terem permitido uma fuga sequer. E isso desde que passaram a existir, há quase duas décadas. Acreditem, não foi voando e nem por baixo da terra que esses criminosos fugiram, como seus apelidos sugerem. Tatu e Querubim nem utilizaram tecnologias de ponta, bombardeiros, resgates épicos com aeronaves e o escambau. Ao que tudo indica, foram só com ferramentas de obra. Pois é. Pá, picareta e alicate. Talvez uma colher de pedreiro. E com isto burlaram nada menos do que quase uma dezena de barreiras de segurança consideradas intransponíveis até então. Roteiristas de Hollywood já estão de passagem comprada para o Brasil. Que essa história é tão inacreditável que bota Papillon e Alcatraz no bolso!

Levados a Mossoró por comandarem chacina em presídio do Acre (de onde, é interessante lembrar, não conseguiram fugir), que terminou com gente decapitada, Tatu e Querubim pertencem a uma grande facção criminosa brasileira sediada no Rio. O Comando Vermelho. Mas não eram as principais figuras que viam o sol nascer quadrado naquela penitenciária de segurança máxima. Gente muito mais “poderosa” (não gosto desta palavra para criminosos, mas vá lá) está presa na mesma cidade nordestina. No mesmo presídio. Com os mesmos sistemas de segurança. Ou seja, precisaram esconder objetos e enganar revistas pessoais diárias e intermináveis. E dar um jeito de enganar a porta da cela, que fica trancada quase o tempo todo, sem ser aberta nem para sua alimentação. Precisaram driblar também o sistema de gaiola, onde, para passar de uma ala para outra, nenhuma porta abre sem a anterior ser fechada totalmente antes. Além disso, burlaram as duas salas de controle: da penitenciária e do monitoramento central, em Brasília. Depois disso, ludibriaram as rondas dos agentes e todas as câmeras. Iludiram as torres de observação. Passaram pela cerca dupla, separadas por um vão de 10 metros. Tudo isso depois de escapar pelo teto da cela. Venceram um sistema invencível. O que aconteceu?

Culpa da obra, disse alguém. Mas obras em presídios não são fáceis de serem executadas. São muitos protocolos de segurança. Ou se espera que seja. Enfim, algo aconteceu. E creio que não foi complô dos maçons baianos, que promoveu a fuga de Bento Gonçalves da cadeia em 1837, ou a aranha alienígena que resgatou Boris, o animal, em MIB 3. Do fundo do coração, torço para que seja mesmo culpa da tal obra. Um descuido inocente. Ou uma colher de pedreiro com tecnologia israelense invisível a revistas de carcereiros. Ou que Querubim tenha voado e Tatu percorrido as entranhas da terra. Porque é uma pena que um sistema que funcionou incólume por tanto tempo seja exposto ao ridículo desta forma. E pelos milhares de agentes penitenciários e policiais penais honestos destes país, que nadam todo dia contra a maré. Mas não adianta. Vivemos no país do jeitinho. Nada é inviolável por aqui. Sempre há uma fresta, uma fórmula, um contato. Pouco adianta controle de reconhecimento facial. No Brasil, o que se precisa mesmo é um sistema de reconhecimento de caráter.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895