Tecnologias: segredos e enganos

Tecnologias: segredos e enganos

Segurança Pública precisa de tecnologia de ponta, mas esta precisa ser testada para ser eficiente

Oscar Bessi

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Quando George Orwell, doente, escreveu “1984” durante três anos no final da década de 1940, e lá não lembro em que página disse: “Poder é infligir dor e humilhação. Poder é estraçalhar a mente humana e depois juntar outra vez os pedaços, dando-lhes a forma que você quiser”. Ele próprio considerou sua obra absurda e mandou jogarem os originais fora. Não viveu o suficiente para saber o alcance do seu sucesso. E o quanto de realidade aquela sua ficção distópica carregaria consigo. E como seria a todo instante lembrada no mundo de hoje, conturbado, vigiado por todos os lados, lutando diariamente contra o medo. E, por vezes, dando a impressão de que parece disposto até a entregar de bandeja valores como a liberdade em troca de uma mera sensação de segurança ou discursos de ódio que ilusoriamente a sustentem.

Levei minha mãe, dia desses, à loja do seu celular para atualizar cadastro. O tal do reconhecimento facial não funcionou de jeito nenhum (testaram uns cinco celulares diferentes dos funcionários) e ela teve que desistir. A tecnologia é algo irreversível, é fato. Temos que nos adaptar a ela. Mas não pode, simplesmente, anular o fator humano. Nem os humanos partirem do pressuposto que a tecnologia é infalível. Estão aí as fraudes por celular e computador para provar. Além da inteligência artificial, usada para objetivos nefastos. E, como todos os campos da gestão das comunidades humanas, na segurança pública a tecnologia já é imprescindível há tempos. Mas aí acontecem os erros como em Sergipe, onde o programa de reconhecimento facial, em dois eventos públicos, fez pessoas inocentes serem conduzidas por engano por policiais de serviço. A informação da tecnologia afirmava que eram criminosos. Não eram. Polêmica instaurada e programa suspenso.

Acontece que qualquer programa desses é caríssimo. E nem sempre (infelizmente sabemos muito bem disso) os gestores políticos estão preocupados ou com a calma necessária para se fazer testes de eficiência. Ou são licitações até legais, mas apressadas para dar uma resposta ao eleitorado antes que a oposição cobre, ou nem isso, e qualquer programa pirata acaba instalado sem obedecer aos parâmetros definidos pelos órgãos de segurança pública. Não sei se é o caso de Sergipe. O fato é que lá, não houve erro dos policiais. Houve erro do programa. Da tecnologia. E de alguém que disse aos soldados que a tecnologia era absolutamente confiável, talvez mais preocupado em ser fiel ao discurso politiqueiro do que à realidade.

O fato é que Segurança Pública lida com vidas. Com vidas de vítimas, com vidas de inocentes que não podem pagar pelos criminosos ao seu redor, com vidas de policiais que enfrentam todos os dias o perigo de estar numa corda bamba entre a vida e a morte, o certo e o errado, o legal e o ilegal, o justo e o não e o nem sempre. Segurança Pública cada vez mais precisa de tecnologias avançadas. Mas que sejam bem testadas, sem pressa. E que jamais descartem ou esqueçam o principal: os seres humanos que fazem esta segurança, com ou sem recursos tecnológicos, acontecer todos os dias.


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