Tecnologias, segredos e enganos

Tecnologias, segredos e enganos

Mesmo com toda a evolução de equipamentos e medidores, fenômenos climáticos ainda atingem em cheio as pessoas

Oscar Bessi

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Alguns, dentre a minha meia dúzia de leitores, sabem que moro em Montenegro. No momento em que escrevo esta coluna, que quase nem pude escrever, vivemos um caos. O efeito devastador das águas deixa a cidade num cenário de guerra. Minha esposa, Josi Paz, trabalha na Secretaria Municipal de Assistência Social e integra a equipe local da Defesa Civil. Talvez ela, como a turma que veste coletes laranjas e se entrega à comunidade com toda energia que tem, tenha conseguido dormir umas duas ou três horas ao todo nestes últimos quatro dias. Pessoal do Batalhão Ambiental da Brigada Militar e Bombeiros Militares dobram noites e dias sem parar. Meus colegas de farda da BM, mesmo os alunos soldados ainda nem formados, arregaçam mangas e se unem aos voluntários civis na atividade incessante de resgate, salvamento e acolhimento de centenas de atingidos. Sobra esforço de todos. Mas parece que todos os recursos, os barcos, as aeronaves, os abrigos improvisados e as doações nunca dão conta. A necessidade se multiplica a cada minuto.

Entre o sol que nunca mais apareceu e a umidade pesada e cinza, parece que ouvimos um grito de socorro que nunca para. Que ecoa por toda a cidade. Não há, por aqui. quem não esteja receoso do que ainda pode vir, tenso por si, pelos seus e pelos outros, e extremamente extenuado. Precisando conviver com a esperança e a garra que precisam persistir para seguir na missão de ajudar com precisa, com essa incômoda sensação de impotência que parece tornar todo o esforço de mente, braços e pernas quase nada. Não se dorme mais, aqui, desde o final de semana passado. Não se consegue achar graça de nada. E o pior que ver o caos e seus piores tons, é juntar a isto o sobressalto de outras tragédias gigantescas acontecendo ao mesmo tempo e tão perto, como se uma ameaça apocalíptica estivesse nos asfixiando dentro de cada nuvem que não abandona e macabra vigília sobre nossas cabeças.

Não é hora de apontar culpados, não ainda. É hora de socorrer, ajudar, os gritos de desespero e os pedidos de ajuda não cessaram e estão longe de nos deixarem. E vou parafrasear nosso colega colunista esportivo Hiltor Mombach (uma das minhas leituras obrigatórias diárias): sou ignorante total neste assunto. Mas quando isto tudo passar, precisamos exigir de nossos gestores públicos, em todos os níveis, um novo olhar sobre a nossa urbanização, nossas ocupações, nossas relações com a natureza e as estratégias para proteger nosso povo do possível e até mesmo do impossível, já que esta palavra, hoje, perdeu toda a força do seu significado. E precisamos exigir muito, mas muito mesmo, de nós mesmos. Desse nosso jeito de viver criminoso que está dando muito errado. Só uma reeducação profunda, com uma aproximação consciente do homem com seu meio, seria capaz de reverter esta nossa marcha até então alegre e tola para o caos. O caos já está aí, espie pela sua janela. Mas com cuidado. A natureza, hoje atordoada, só reage. E na sua fúria, não sabe o quanto de culpa ou inocência carrega quem ela fere nesta sua reação.


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