João Derly: a volta do campeão

João Derly: a volta do campeão

Depois de permanecer anos fora dos tatames, o judoca retorna ao esporte, não mais como atleta, mas como técnico

Por
Fabrício Falkowski

Cairo, 2005. O japonês Masato Uchishiba entrou no tatame como franco favorito. Era o atual campeão olímpico, considerado um dos melhores judocas do mundo naquela época. Do outro lado, um brasileiro, cria da zona norte de Porto Alegre, que, embora muito talentoso, era um estranho no ninho das estrelas. Mas João Derly, em menos de um minuto de luta, derrubou o adversário e conquistou a medalha de ouro no Campeonato Mundial, algo jamais feito por algum judoca brasileiro.

Aquela foi a primeira grande façanha do judoca sogipano. Outras vieram depois, como a repetição do ouro no Mundial, desta vez no Rio de Janeiro, dois anos mais tarde, e a sua classificação para os Jogos Olímpicos de Pequim, além de outras tantas medalhas em competições pelo mundo todo. Mas também houve obstáculos. O principal, o próprio corpo, que apesar de ser uma arma poderosa contra os adversários, acabou levando o atleta a abandonar as competições devido ao excesso de lesões.

Portanto, Derly, ao longo da vida, conviveu com momentos de sucesso e triunfo e também com o revés. Mas sempre levantou-se, exatamente como prega o judô. Pois a partir de agora, João Derly volta à Sogipa para ser técnico, trabalhar com crianças e jovens, e ensinar exatamente isso. “O esporte em geral, e o judô em particular, são poderosas ferramentas educacionais. Acredito muito nisso. Tanto que a primeira coisa que a gente aprende nas escolinhas é a cair e, depois, levantar. É a resiliência, a perseverança e a força de não desistir. Essas coisas são importantes para os atletas, mas são ainda mais na vida normal das pessoas”, defende o ex-atleta, hoje técnico.

Na realidade, Derly passou boa parte da vida sob os tatames da Sogipa. Ele começou no clube quando tinha cinco anos, por indicação médica (tinha bronquite), e nunca mais saiu. Passou pelas escolinhas e equipes, até chegar à Seleção Brasileira. Conquistou vários títulos e correu o mundo, até ser parado por uma série de lesões, no início de 2012. Foi forçado a abandonar uma carreira de sucesso e, nos anos seguintes, dedicou-se à política. Elegeu-se vereador em Porto Alegre e, em seguida, a deputado federal. Também foi secretário estadual de esporte e lazer. Porém, o apego ao tatame sempre falou mais alto.

“Embora sempre viesse treinar, fiquei pouco mais de dez anos fora dos tatames. Mas sempre senti que esse era o meu lugar. Sempre tive certeza de que o judô é a minha vida. Então, a volta ao esporte, para trabalhar de fato no dia a dia, na formação de uma nova geração de judocas e na prospecção de novos talentos, foi meio que uma imposição da vida. Foi um chamado que eu evitei por um tempo, mas chegou uma hora que não tive mais como negá-lo”, enfatizou o atleta.

Derly, portanto, agora volta a dedicar-se somente ao esporte, não mais como atleta, mas como técnico. Na Sogipa, dará aulas para turmas de crianças de todas as idades e também para as equipes de base. Além disso, trabalhará em um projeto especial do clube que oferece treinos exclusivos e particulares de judô avançado para o desenvolvimento técnico dos jovens atletas. “Voltei para a minha casa, que é a Sogipa. Estou feliz. É um recomeço, mas estou exatamente onde eu quis estar esse tempo todo: sobre o tatame”, finaliza.

Pan Americano 2007 João Derly Medalha de Ouro | Foto: Diego Vara / CP Memória

A trajetória

  • 2/06/1981: Nasce João Derly

  • 1988: Faz a primeira viagem à Europa para competir e conquista medalha de ouro no Aberto de Ter Torri (Itália)

  • 2000: Torna-se campeão mundial júnior (sub-20), na Tunísia

  • 2003: Disputa os Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo e fica sem medalha

  • 2005: É campeão Mundial no Cairo (Egito)

  • 2006: Primeiro brasileiro a conquistar medalha de ouro no Grand Slam de Paris

  • 2007: Medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro

  • 2007: Torna-se bicampeão mundial de judô, também no Rio

  • 2008: Disputa os Jogos Olímpicos de Pequim

  • 2009: Sofre a primeira lesão grave no joelho esquerdo

  • 2010: Sofre mais uma lesão, no mesmo joelho

  • 2011: Tenta voltar às competições, mas rompe o ligamento do joelho direito

  • 2012: Em competição promovida pela Sogipa, encerra a carreira como atleta. No mesmo ano, é eleito vereador em Porto Alegre

  • 2014: Elege-se deputado federal

  • 2018: Torna-se secretário Estadual de Esporte e Lazer

  • 2024: Volta à Sogipa para ser técnico de judô

Três perguntas para João Derly

Qual foi a maior alegria que o esporte te proporcionou?

Eu tive o privilégio de conhecer muitos lugares e fazer muitas amizades. Além dos títulos, tive a chance de viver outras culturas, experiência que levo para a vida inteira.

Qual foi o momento mais complicado de sua carreira?

No final, as lesões, quando o corpo já não correspondia mais. E, no começo, a falta de patrocínios para me manter no esporte. Foram grandes adversários.

Qual é o maior desafio desta etapa de sua vida?

O grande desafio é passar tudo o que sei sobre o judô para uma nova geração, que está acostumada às novas tecnologias. Ou seja, mostrar que o esporte e, mais especificamente, o judô, como esporte e filosofia de vida, ainda são uma parte importante na vida das pessoas, principalmente das crianças. O objetivo é formar atletas, claro, mas também pessoas melhores.

Judo Action Photographs from the World Championships in Cairo | Foto:
Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895