Com 80% do município devastado e três mortes pela enchente, Três Coroas busca recomeço

Com 80% do município devastado e três mortes pela enchente, Três Coroas busca recomeço

Município do Vale do Paranhana conta com a solidariedade para auxiliar os moradores afetados

Felipe Faleiro

Destruição na rua Henrique Juergensen, área central de Três Coroas

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Com 80% de seu território devastado pela enchente, o município de Três Coroas, no Vale do Paranhana, busca forças para se reerguer. As águas caudalosas e as encostas pedregosas do importante curso d’água, costumeiramente procuradas por trilheiros em busca de esportes de aventura, receberam 474 milímetros de chuva em três dias há uma semana, algo nunca visto antes. O resultado foi a destruição de casas, empresas, e também um saldo de ao menos três mortes, duas de crianças no bairro Linha Café, região alta da cidade, e outra de um idoso.

Pilhas gigantescas de entulhos se formam em todas as ruas, e ainda no começo da tarde desta quarta, um vento forte levantava a poeira que estava no solo, agravando a sujeira, virada em mais lama com a retomada da chuva horas depois. Vanderlei Marconi Barros, pedreiro, é morador da Linha Café, bairro que margeia o Paranhana, e que, por isso, foi um dos mais atingidos, conforme a Defesa Civil Municipal. Nesta região, onde hoje há um extenso terreno praticamente vazio, com entulhos e árvores retorcidas, antes eram a casa dele e outras oito, entre elas uma onde moravam os pequenos falecidos, mais um terceiro menino, salvo porque subiu em uma árvore próxima, sendo dali resgatado por vizinhos por uma corda, e ainda a mãe dos três.

“Eu estava arrumando a casa, e um amigo pediu para eu sair dali. Primeiro, não quis, mas depois fui e encheu tudo”, contou Barros. "Perdi documentos e todo o resto. Só o que sobrou foi o que consegui levar para a casa da minha mãe”, prosseguiu ele, dizendo que ela mora mais acima, local que não foi atingido. A partir da comoção, a solidariedade se faz presente no município, com voluntários percorrendo a destruição e oferecendo água mineral grátis.

Um grupo de 25 jovens, jogadores das categorias sub-17 e sub-20 do Esporte Clube Gramadense, de Gramado, desceram ontem a Serra para auxiliar quem precisasse, com ferramentas e produtos de limpeza, se dividindo em vários grupos. “Estávamos primeiramente ajudando na triagem de roupas lá e agora estamos aqui. Tudo o que estamos usando é fruto de doações feitas em Gramado”, contou o treinador Rafael Bremstrop. Proprietária de um restaurante próximo, Maria José Almeida perdeu quase tudo o que tinha, mas seu maior sentimento foi pelos instrumentos musicais do filho, que é músico. A maioria deles estragou na enchente.

"Algo que nunca esperamos”, diz coordenador da Defesa Civil

“Quando eu saí daqui, a água já estava entrando nas minhas botas. Chegamos no carro, eu, meu marido e meu filho, só que ele não pegava e não conseguíamos sair. Um vizinho então correu para nos socorrer. Tu não tem ideia da bondade que têm essas pessoas. Perdemos tudo, e meu restaurante está virado num caos. Mas vou sobreviver, porque Deus me tirou daquela correnteza e vai me dar forças para prosseguir”, disse ela. No bairro Vila Nova, o campo de futebol do Fluminense está tomado de lodo, e as traves foram arrancadas. João Adelar, proprietário de três antiquários e brechós com a esposa Tânia Terezinha Wilbert e a filha do casal, Camili, de 14 anos, perdeu praticamente tudo em um deles.

"Estávamos montando um museu com relíquias aqui, e agora não sabemos como vai ser. Perdemos ao menos três mil peças de roupas. Nossa motocicleta também ficou debaixo d’água. Não conseguimos organizar nada ainda", relatou ele. Em coletiva de imprensa realizada nesta quarta, na sede da Prefeitura, o coordenador da Defesa Civil Municipal, Augusto Dreher, disse que há um alerta de mais 190 milímetros de chuva para os próximos 10 dias, o que aumenta a preocupação do órgão quanto a resposta à população.


Um geólogo está percorrendo Três Coroas, e constatou cerca de 15 pontos suscetíveis a deslizamentos, sendo seis de alto risco, no município, que fica a meio caminho da serra até Gramado. "Em 1982, tivemos uma enchente onde o Paranhana atingiu 4,72 metros, e agora foram 6,30 metros. Então, tivemos algo que nunca esperamos, tanto em volume de chuva, quanto em metragem do rio", explicou ele. Nem mesmo outra cheia, em 1971, onde 16 pessoas morreram na cidade, foi comparável à atual, também relatou Dreher.

Ginásio lotado de doações


A Central de Doações, no Ginásio Municipal Armando Brusius, no Centro, já está lotado de produtos, inclusive as arquibancadas, e, ontem, 60 voluntários buscavam organizar os itens em setores. Porém, mais pessoas também chegam, e há demanda para isto. Uma das coordenadoras do grupo é a jovem professora de inglês Tami Sato, integrante do grupo TeachBeyond Brasil, que, entre suas atividades, busca responder a desastres.

Ela mora em Gramado, onde fica uma sede local da organização, e afirma não fazer ideia de quanto já foi arrecadado. "Estou falando com pessoas que nunca tinha conhecido na minha vida, chorando e me alegrando com elas, e é algo inacreditável, estrondoso o que tem acontecido aqui. Tenho amigos que perderam as coisas dentro de casa, e estão eles próprios doando o que sobrou, porque percebem que conseguem se reerguer, assim, ajudando quem não consegue", disse Tami, não escondendo as lágrimas.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895