“Façam algo por nós”, “não há resgate”, “não temos para onde ir”: os relatos comoventes no supergrupo das ilhas de Porto Alegre no WhatsApp

“Façam algo por nós”, “não há resgate”, “não temos para onde ir”: os relatos comoventes no supergrupo das ilhas de Porto Alegre no WhatsApp

Moradores, alguns ainda ilhados, usam o espaço virtual para compartilhar informações diante da tragédia da enchente

Felipe Faleiro

Eldorado do Sul Bairro Picada alagado

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O grupo "Vendas e informações das ilhas" tinha, nesta sexta-feira, 1.024 membros, exatamente o limite permitido pelo WhatsApp. Diante da já maior enchente da história de Porto Alegre, atingida na noite de hoje, moradores do Arquipélago ou com raízes no local utilizaram o espaço virtual como importante ferramenta de comunicação por meio de fotos, vídeos e áudios, pedidos de socorro e resgate. A região das ilhas é uma das que mais sofre com cheias na Capital, mesmo muito menores do que a atual.

A reportagem acompanhou o grupo por algumas horas, e ouviu alguns membros do mesmo, solicitando permissões para publicação dos nomes, a respeito de suas impressões diante da tragédia, ou sobre como eles próprios e seus familiares estavam. Um morador, Dennis Lima, também da Pintada, contou que na Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Maria José Mabilde, na mesma ilha, além dele, havia cerca de 20 pessoas, entre crianças, adultos e idosos. "Juntou um monte de gente para se abrigar", contou Lima.

Outro morador, identificado como Fábio disse que estava no segundo piso de uma casa na rua Nossa Senhora da Boa Viagem, na Ilha da Pintada. "Precisamos que seja feito algo por nós, estamos no segundo piso", pediu ele. "Ontem à tarde veio o último caminhão do Exército. Disseram que voltariam e não voltaram. Agora estamos aqui sem água potável, sem alimento, com crianças pequenas e idosos. Já pedimos para todos os órgãos e ninguém vem". Vanessa Rosa, da Ilha das Flores, contou que não conseguia contato com a Defesa Civil pelo telefone 199.

"O pessoal não tem para onde ir e não há resgate", comentou. "Tem muita gente pedindo por ajuda, na região das ilhas e Eldorado do Sul". A funcionária pública CIbelle Chaves mora no município de Tapes, no sul do estado, mas já viveu na Pintada. Atualmente, disse que aluga sua casa na ilha para uma idosa humilde com um neto que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ambos saíram do local ontem.

"Pago o IPTU regularmente, e depois da enchente de 2018, não tive mais psicológico para viver lá. Hoje pago meu aluguel com o valor que recebo da casa da ilha. Minha casa deve estar com água acima das janelas. Não tenho condições de pagar aluguel do meu bolso, porém serei obrigada, pois minha casa provavelmente estará condenada. Mesmo assim, não terei coragem de alugar para alguém sabendo que pode estar com a estrutura afetada", relatou Cibelle.

Para facilitar de alguma forma eventuais resgates ainda necessários, um número compartilhado como sendo da Defesa Civil Municipal pede para ser enviado quantidade de pessoas em um local, se há idosos, crianças, pessoas com necessidades especiais, se estão isolados ou ilhados, e a forma de acesso ao local, de barco ou aeronave. Demais relatos comovem, com pessoas perguntando sobre o paradeiro de mães, pais e irmãos, questionando sobre a retirada de pessoas em botes e chegada na Usina do Gasômetro, entre outros compartilhamentos de informações. A marca de 4,77 metros, por exemplo, que superou a grande enchente de 1941 em Porto Alegre, também causou surpresa.

"Estamos desde ontem tentando tirar meu sogro, ajudou várias pessoas e quando chegou a vez dele, ninguém para socorrer", disse uma usuária. "Alguém que está no Gasômetro, por favor, minha irmã está com o filho menor e uma senhora, correndo risco da casa cair", afirmou outra. Números de contato para resgates, inclusive de outros municípios, como Eldorado do Sul, são também compartilhados.

Hoje pela manhã, havia em um hotel no bairro Picada, em Eldorado, às margens da BR 290, por volta de cem pessoas aguardando para serem resgatadas. O local foi cedido pelo proprietário como abrigo, porém a água subiu acima do limite do térreo e manteve presas as famílias. Apenas uma das inúmeras situações pelas quais estes moradores estão passando neste dia trágico e histórico.


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895