Podas de vegetação próximas de redes de energia geram impasse entre prefeitura de Porto Alegre e CEEE Equatorial

Podas de vegetação próximas de redes de energia geram impasse entre prefeitura de Porto Alegre e CEEE Equatorial

Críticas do município vão da agilidade até a qualidade dos serviços prestados pela companhia, privatizada em março de 2021

Cristiano Abreu

Porto Alegre registrou centenas de árvores caídas nas ruas, e coleta dos resíduos causa divergências

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Desde o temporal de 16 de janeiro, prefeitura de Porto Alegre e CEEE Equatorial divergem publicamente sobre responsabilidades. Passada a crise envolvendo o restabelecimento da energia elétrica para as estações de bombeamento do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), o tema que agora está no centro dos debates envolve a vegetação próxima das redes da companhia.

As críticas do município vão da agilidade até a qualidade dos serviços prestados pela companhia, privatizada em março de 2021, que por sua vez se diz ciente de suas competências e disposta a trabalhar para melhorar a satisfação dos clientes não apenas da Capital, mas de todo o Estado.

Porto Alegre possui uma área urbana vastamente arborizada, e linhas de energia e outros equipamentos da companhia são frequentemente atingidos e por vezes danificados. Daí a explicação da companhia sobre as dificuldades enfrentadas para restabelecer a energia após os fenômenos climáticos de janeiro e que deixaram bairros inteiros sem luz por mais de uma semana.

Por tratar-se de serviço essencial, a CEEE Equatorial, em casos que julga indispensável, realiza podas em árvores que estão em contato com as redes elétricas. O serviço é autorizado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e segundo a concessionária remove galhos que ocasionam desligamentos ou impedem a normalização dos sistemas; de forma preventiva, também são suprimidos os vegetais que oferecem risco de danos. É aí que prefeitura e a empresa discordam.

No começo de março, o prefeito Sebastião Melo utilizou as redes sociais para criticar o trabalho de poda realizado pela empresa do Grupo Equatorial na Ramiro Barcelos, na região central de Porto Alegre. “Cortou, não recolheu os galhos e não avisou a prefeitura. Não faz o trabalho completo e causa transtornos aos cidadãos”, disparou.

Outro exemplo chegou ao Correio do Povo por meio de moradores do bairro Santana. Em fevereiro, exatamente um mês após o temporal, podas realizadas pela concessionária permaneciam obstruindo calçadas que contornam a Praça Jayme Telles. O mesmo ocorre na Avenida Geny dos Santos Mello, no Parque Santa Fé. Por lá, o engenheiro civil Clayton Solivo Lopes afirma que os galhos cortados por uma empresa terceirizada da CEEE Equatorial obstruem parte da rua desde o dia 17 de janeiro. “Cortam de qualquer jeito, atiram de qualquer jeito e em qualquer lugar, depois a árvore apodrece e cai, levando os fios”, reclama.

Questionada, sobre os procedimentos adequados e remoção dos galhos podados, a Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), informou que o Grupo Equatorial possui licença ambiental para realizar podas preventivas e emergenciais, e que tal manejo deve cumprir normas técnicas para assegurar a saúde do vegetal. A pasta ressaltou que a responsabilização pelas podas é tema de inquérito civil conduzido pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre.

Em sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Porto Alegre que investiga a atuação da CEEE Equatorial na Capital, no dia 7 de março, o secretário que comanda a Smamus, Germano Bremm, afirmou aos vereadores que o município apenas acompanha o trabalho da concessionária de energia. Segundo declarou, a Smamus é a responsável pelo ciclo da arborização, a Secretaria de Serviços Urbanos faz a manutenção, e a responsabilidade de manejo e poda onde há risco para rede de energia é da empresa. “Sempre foi assim, inclusive na CEEE pública. Assim compreendemos que deve seguir com a CEEE privatizada”, concluiu.

O que diz o Grupo Equatorial

Por meio da assessoria de comunicação, o Grupo Equatorial Energia, controlador da CEEE, afirma que só realiza podas, conforme determina a regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para eliminar o risco de contato de galhos e pequenos vegetais com a rede elétrica, evitando a interrupção no fornecimento de energia. A companhia afirma ainda que desde o temporal de janeiro, quando segundo a empresa, 57% das ocorrências registradas em Porto Alegre envolveram árvores atingindo a rede elétrica, CEEE Equatorial, prefeitura e Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado discutem a alternativas para questões envolvendo a arborização da Capital.

Foi proposto um plano de ação, segundo a concessionária, definido em conjunto com o município. “A CEEE Grupo Equatorial Energia está confiante na celebração deste plano de ação e empenhada em colaborar com a minimização dos impactos de eventos climáticos sobre a vegetação urbana e, consequentemente, sobre a rede de distribuição de energia no futuro”, afirmou a empresa em resposta enviada ao Correio do Povo.

Ministério Público acompanha impasse

A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul acompanha a questão relacionada a podas de árvores. Desde 2019 um inquérito civil tramita no Ministério Público Estadual para identificar problemas decorrentes e responsabilidades acerca do tema.

“Tal problema se agravou de modo muito especial em função dos eventos climáticos recentes, o que levou à necessidade de discutirmos a gestão dessas árvores que estão em conflito com a rede de energia”, afirma o promotor de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre, Felipe Teixeira Neto.

A promotoria trabalha com município e CEEE Equatorial na construção do plano de ação. A proposta é definir áreas prioritárias onde seja mais urgente a intervenção, evitando interrupções do fornecimento de energia causadas por vegetação como localidades com hospitais e estações de tratamento do Dmae.

“Este plano de ação tem por objetivo enfrentar vários pontos. Primeiro, que haja fluxo de informação entre a CEEE Equatorial e o município, ou seja, que haja informação prévia a respeito das áreas onde haverá atuação. Segundo, o estabelecimento de prazos para o recolhimento dessas árvores e desses galhos que são cortados, prazos compatíveis com o que é já praticado no município pelas suas secretarias ou com outros prestadores de serviços. Nós queremos também dirimir as dúvidas a respeito do que é de competência do município e do que é da CEEE Equatorial”, assegura.

Vegetação envelhecida e incorreta

O promotor Felipe Teixeira Neto também revela preocupação com a gestão da arborização urbana, de responsabilidade da prefeitura. “A ideia é concluir o plano de ação até o fim deste mês, para que possamos resolver também esses problemas apontados sobre tipos e locais das vegetações existentes”, completa o representante do MP.

Na CPI da CEEE Equatorial na Câmara, em 7 de março, o secretário da Smamus, Germano Bremm, reconheceu o problema e defendeu que há preocupação da pasta com o planejamento arbóreo da cidade. “Nossa vegetação está ficando envelhecida, e estamos cada vez mais fazendo planejamento”, ressaltou o secretário, fazendo referência à necessidade de discutir e incentivar o plantio de árvores em locais adequados.

“Manejo correto reduz impactos”, diz bióloga

Para a bióloga Natália Soares, doutora e ciências da natureza, consultora de arborização e professora da Feevale, o problema envolvendo a vegetação em áreas urbanas começa antes da poda. A especialista entende que, no passado, não havia preocupação com espécies e locais de plantio, o que resulta agora em árvores de grande porte em conflito com a rede de energia, por exemplo.

“As cidades foram cobertas por vegetação de maior porte em lugares em que não deveriam estar. Este desenvolvimento não foi previsto, o que hoje causa problemas”, destaca.

Natália avalia que muitos municípios gaúchos não estão preparados para gerir os efeitos de tal planejamento urbano incorreto. “Poucas prefeituras têm equipes técnicas qualificadas. Falta olhar adequado e investimento em pessoal”, aponta.

Outro ponto de atenção defendido pela especialista é justamente o manejo da vegetação atual. A bióloga cita a poda incorreta como um problema tão sério quanto o plantio desordenado. “Podas representam sempre uma agressão à planta, não podem ser feitas de qualquer maneira, pois são porta para entrada fungos, causam apodrecimento e aumentam o risco quedas em vendavais.”


Correio do Povo
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