Sociedade Espanhola e Odeon: Arte e cultura marcam época no Centro Histórico de Porto Alegre

Sociedade Espanhola e Odeon: Arte e cultura marcam época no Centro Histórico de Porto Alegre

Prestes a completar 100 anos, prédio abriga atividades culturais e comerciais

Brenda Fernández

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Resumo da matéria:

Prédio foi construído em 1929 para receber imigrantes espanhóis recém-chegados em Porto Alegre
• Salón de las Dulcineas foi uma conquista das mulheres da Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos, e ainda mantém atividades
Bar Odeon é parte do prédio há quase 40 anos
Galeria: veja imagens dos detalhes do prédio

Era uma tarde como outras tantas em que Elena Gonzalez Aramburu subia a esbelta escada da Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos para encontrar as amigas para conversas típicas de jovens mulheres. Na busca por um canto silencioso para um café esbarrou em um grupo de homens que jogava baralho no topo das escadas do prédio. “Eles riam alto enquanto jogavam, falavam palavrões. Pensei ‘não é possível que não tenhamos um lugar adequado para conversar’. Então eu fui atrás”, relembra, meio século depois, a fundadora do Salón de las Dulcineas - um espaço destinado em 1983 para reuniões de mulheres espanholas. 

As reuniões semanais foram cessando e o grupo reduzindo no decorrer dos anos – de 30 integrantes no auge da atividade, agora são menos de dez, em encontros esporádicos –, mas a sala segue intacta e arrumada no Centro Histórico de Porto Alegre, como se a qualquer momento a reunião fosse começar. O olhar e o cuidado de Elena por cada detalhe do espaço mostra que materializar aquele espaço delicado e acolhedor foi uma conquista grandiosa. 

Foto: Brenda Fernández / Especial / CP

Alguns anos mais tarde, pelas mesmas escadas espelhadas e curvadas que levam para um grande salão do prédio passaram os passos apressados de criança de Liana Mercedes Maria Pares Garces, hoje com 67 anos. O local, coração da Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos, abrigava os calorosos bailes de domingo, momentos que reunia famílias inteiras para celebrações, danças e, claro, flertes. “Me criei aqui. Eu vinha com meus pais para os bailes, certa hora eu estava dormindo em duas cadeiras”, conta Liana, que mais tarde, aos 27 anos, chegou a participar da ‘comenda’ do clube - o grupo que organizava as atividades dançantes e outros eventos, como a festa dos reis magos. Apesar de ser ainda muito pequena, entre 8 e 9 anos, ela lembra dos encontros que não terminaram no grande salão da Sociedade. “Terminou o baile e um grande grupo desceu para tomar sopa no Mercado Público”.

As memórias de Elena e Liana se misturam com as de Lilian Aller Plucani, Maria Teresa Raya Rodriguez (Mayte), Jéssica Martin Soler e Cristina Martin da Silva - todas descendentes de famílias espanholas que chegaram em Porto Alegre a partir do final do século XIX e encontraram na Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos um espaço de acolhimento e assistência. 

A entidade foi fundada em 1893, mas passou a ocupar o prédio da rua Andrade Neves, nº85, em 1929 com a construção do imponente prédio que preserva até hoje símbolos espanhóis: o brasão e a frase ‘Hoy por ti, mañana por mi” (Hoje por ti, amanhã por mim)’. Em 1993, a Sociedade unificou-se com a Casa de Espanha, uma outra entidade que abrigava imigrantes recém-chegados na capital, se transformando no Centro Espanhol de Porto Alegre. Com a mudança veio uma nova sede, localizada na Travessa Sul, nº 102, no bairro Higienópolis. 

O prédio da Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos segue bem preservado, mantendo seus detalhes originais tanto na fachada inventariada quanto no interior da edificação. Em julho de 2017 a estrutura ganhou uma restauração. No salão principal onde ocorriam os bailes funciona agora um restaurante. À direita de quem acessa à escadaria que dá para o estabelecimento uma placa sinaliza o Salón das Dulcineas. No térreo do prédio, com entrada pela rua, há duas lojas: uma de impressões digitais, que ocupa o local há pouco mais de um ano, e o clássico Bar Odeon, que mantém seu ponto há quase quatro décadas. 

Foto:Brenda Fernández / Especial / CP

‘Bar de rua, música de primeira’

Enquanto Celestino Paz Santana discorre sobre a história do Bar Odeon, que fundou em 1985, é quase impossível não pensar que aquele espaço foi um sonho da vida inteira. Mas na verdade, conta ele, foi uma insistência do amigo e colega de advocacia, Ivan Pedro Fernandes de Carvalho, à quem ele honra o convite nestes 38 anos.

“Ele tinha uma ideia antiga de montar um bar. Ele me falou, mas não me interessei muito. Quando ele achou esse local, que estava sendo desocupado por uma barbearia, ele me falou que só faria o bar se eu viesse junto. Daí não tive outra alternativa e entrei para a história”, lembra Celestino, de 76 anos. Uma década depois, Ivan deixou a parceria para trabalhar fora do Rio Grande do Sul. 

Foto: Brenda Fernández / Especial / CP

O Bar Odeon abriu as portas em agosto de 1985 e, para a surpresa de Celestino, a clientela ocupou todas as mesas. Não só a rua Andrade Neves, mas também a região Central, era um point da vida boêmia. Naquela época, o bar era um espaço de encontro de amigos e celebrações. Só em 2003, 18 anos depois, veio a música ao vivo. “Compramos um piano velho e chamamos o Paulo Pinheiro, um amigo meu que tocava. Depois vieram outros músicos”, conta. 

Dentre dezenas de músicas que passaram pela programação do Odeon está o Fernando Corona, neto do arquiteto, de mesmo nome, que planejou o prédio da Sociedade Espanhola de Socorros Mútuos. 

Não demorou muito para o local se tornar uma referência entre as casas com apresentações de jazz, blues e música brasileira. Atualmente está entre as poucas neste estilo que ainda resistem na cidade. 

O público que frequenta de quinta a sábado os shows é bem elástico, segundo o dono. “Tem de 18 a 50 anos. É bem democrático aqui”, indica Celestino como aquele que acredita ser o ingrediente da longevidade do Odeon. “Talvez esse seja o diferencial: bar de rua e música de primeira”, brinca. 

Apesar de não pertencerem ao mesmo núcleo familiar, Celestino considera que o estabelecimento tem uma ‘gestão familiar’, já que são todos muito próximos. Entre seus parceiros nesta jornada estão seu sobrinho Ramirez e o Bernardo, garçom e músico apontado por Celestino como um dos melhores artistas do Brasil.

Veja imagens dos detalhes do prédio:


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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895