As doenças trazidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul

As doenças trazidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul

Em um momento de calamidade pública, a população gaúcha precisa estar atenta às orientações médicas para prevenção e combate de diversas patologias

Rafael Renkovski

A transmissão de doenças infecciosas aumenta com a chegada das inundações no RS

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Desde o início das fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul nos últimos dias, os estragos são visíveis. Residências e estabelecimentos estão submersos, resgates de pessoas e animais são incessantes. Um perigo, no entanto, não é aparente em vídeos e imagens que circulam mundo afora: as doenças trazidas pelas enchentes. E é necessário que a população esteja atenta e siga as orientações profissionais para prevenção e tratamento destas patologias.

O chefe do Serviço de Infectologia da Santa Casa de Porto Alegre, Alessandro Pasqualotto, alerta para a manifestação de diversas doenças propagadas de maneiras distintas. “Estão chegando muitas pessoas mordidas por cachorros, especialmente os socorristas que, na adrenalina para salvarem vidas, se machucam e voltam para a água”, comenta, complementando que “as atitudes são heróicas, mas certamente muito vulneráveis à infecções de pele e partes moles”. Com isso, podem crescer os casos de raiva.

Segundo orientações da Secretaria Estadual de Saúde (SES), a primeira medida que uma pessoa que foi mordida por um cão deve tomar é lavar bem o ferimento com água e sabão e, em caso de desabastecimento, utilizar álcool iodado, clorexidina ou álcool 70%. Posteriormente, deve-se observar o cão por cerca de dez dias, em uma residência ou abrigo, já que a raiva é uma doença grave ao animal, que pode ir a óbito. Se a morte do cão for confirmada, a orientação é de que a pessoa mordida procure a unidade de saúde mais próxima e inicie o tratamento de profilaxia antirrábica pós-exposição.

SES orienta que, em casos de mordidas de cães, o animal seja monitorado por cerca de dez dias | Foto: Felipe Faleiro

Além da raiva, transmitida pelo contato direto com o animal, doenças como leptospirose, hepatite A e tétano tendem a crescer nas próximas semanas. A leptospirose é uma doença infecciosa comumente adquirida através do contato com água ou solo contaminados pela urina de ratos. Pasqualotto explica que a presença da doença acontece de uma a duas semanas após o contato com a água. “Talvez não venha em grande ocorrência agora, já que muita água dilui a urina do rato, mas pode aumentar nos próximos dias quando a água baixar”, informa, acrescentando que “90% dos casos são leves, mas a doença pode causar mortes.”

Para a Sociedade Gaúcha de Infectologia (SGI), com anuência da SES, não é recomendada a profilaxia universal contra a leptospirose, sendo indicada apenas em casos de exposição prolongada, como para socorristas e pessoas que ficaram submersas ao serem resgatadas. É o que corrobora a médica infectologista Tarsila Vieceli, afirmando que “houve uma distorção de que todas as pessoas que atravessassem a rua, deveriam receber profilaxia”. Ela argumenta que o posicionamento da SGI é para a prevenção por medicamentos para “pessoas de alto risco, visando evitar uma futura internação em um momento que teremos o sistema de saúde sobrecarregado.”

Profilaxia para leptospirose deve ser priorizada para socorristas ou resgatados que ficaram submersos | Foto: Ricardo Giusti

Transmitida de forma fecal-oral, a hepatite A tem grande relação com alimentos ou água inseguros, baixos níveis de saneamento básico e de higiene pessoal, portanto, em casos de inundações, a probabilidade de propagação aumenta. Para o especialista, “a população está vulnerável” à doença, já que “poucas pessoas tiveram no passado ou receberam vacina”. Vacina, inclusive, que está em falta para os adultos no Estado. Os sintomas da hepatite A podem aparecer entre 15 e 45 dias após o contato e, em muitos casos, não aparecem. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o mais importante é evitar a automedicação para alívio dos sintomas, uma vez que podem piorar o quadro. A hospitalização está indicada apenas nos casos de insuficiência hepática aguda.

O tétano pode ocorrer pela contaminação de ferimentos de pele ou em mucosas com terra, poeira ou fezes que contenham a bactéria causadora da doença, principalmente pelo contato com entulhos e destroços presentes nas áreas alagadas. Tarsila alerta para o reforço vacinal em pacientes que tenham ferimentos de alto risco para tétano e que não estejam com a antitetânica em dia. “Abalos musculares e rigidez da mandíbula, a ida ao hospital deve ser imediata”, reforça a infectologista.

Uma preocupação que aumentará

Se antes de o Rio Grande do Sul sofrer com as fortes chuvas, a dengue já era uma preocupação, a tendência é que aumente, em razão da proliferação dos mosquitos e da redução de cuidados da população na prevenção.

Uma nota divulgada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) afirma que “a previsão é de elevada proliferação do mosquito transmissor da dengue na região, mas, por enquanto, as ações estão voltadas a salvar vidas e atender as necessidades básicas das pessoas.”

Neste ano, o Estado já registrou mais de 105 mil casos confirmados e 131 óbitos por dengue, os maiores números da doença em um ano, apesar de estarmos ainda no início de maio.

Cuidados nos abrigos e colapso na saúde pública

Os muitos abrigos espalhados pelo Rio Grande do Sul também podem ser espaços que carreguem doenças, dadas as situações improvisadas e urgentes, com confinamento de pessoas em espaços fechados e, em muitas situações, sem água encanada. Nestes casos, o alerta é principalmente para doenças diarreicas e respiratórias.

“Atualmente, é muito difícil pensar em morte por diarreia, mas em situação de desastre é uma causa muito grande de mortalidade", diz Tarsila Vieceli. A médica também reforça para a continuação da vacinação contra a influenza. No início deste mês, a SES declarou estado de emergência em saúde pública por razão das doenças respiratórias.

Apesar dos cuidados preventivos e o combate às doenças infecciosas, os especialistas alarmam para um colapso geral no sistema de saúde. “Temos vários pacientes no hospital que estão internados em condição de alta, mas não conseguem voltar ao domicílio”, relata a médica Tarsila Vieceli, sobre as regiões afetadas pelas enchentes. “Eles permanecem internados em um momento que precisamos de leitos hospitalares”, completa.

Na mesma linha, o chefe do Serviço de Infectologia da Santa Casa fala que “o sistema de saúde já está no limite” e avalia a situação como “muito preocupante”. “Alguns hospitais estão submersos. Doenças crônicas vão ficar desassistidas porque o sistema de saúde está focado nas enchentes”, explica.


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