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Verão

Especial

Machado de Assis vira personagem de romance

Livro do escritor mineiro Silviano Santiago tem o fundador da Academia Brasileira como protagonista

Livro oferece uma perspectiva original e audaciosa dos últimos anos de vida de um dos maiores romancistas do país | Foto: Companhia das Letras / Divulgação / CP
O livro começa com uma epígrafe de Sartre sobre Flaubert, sobre quem escreveu uma obra-prima, "O Idiota da Família". O filósofo defendia que o escritor é sempre um homem com necessidade de certa dose de ficção. Com ele concorda o premiado autor mineiro Silviano Santiago, que lança nesta segunda-feira um romance sobre ninguém menos que Machado de Assis, o fundador da Academia Brasileira de Letras e um dos mais importantes nomes da literatura no país. O título? "Machado".

Sartre passou 15 anos pesquisando a vida de Flaubert para descobrir a origem de sua neurose - uma mãe gelada como o Ártico e um pai tirano como Átila, ambos desconfiados de que criavam um filho com retardo mental. Silviano Santiago, que completou 80 anos em setembro, passou a vida toda estudando a obra de Machado de Assis, que, a exemplo do autor francês, era epilético. E é com uma crise nervosa, convulsiva, que o livro de Santiago começa.

Machado estava caminhando pela estreita rua Gonçalves Dias, no Rio, quando teve uma convulsão epilética ao lado do também escritor Carlos de Laet (1847-1927), hoje mais lembrado como um monarquista que se opôs à República em seu nascedouro - e, posteriormente, aos modernistas da Semana de 1922.  Outro personagem, o também alpinista literátio Mário de Alencar (1872-1925), oficialmente filho do cearense José de Alencar, autor de Iracema, vai ocupar mais páginas que Laet na obra.

Por que Machado teria lutado pelo ingresso de Mário de Alencar na Academia Brasileira de Letras? Santiago trabalha com hipóteses sobre o escritor, mas prioriza o fato de Machado ter adotado Mário como um filho, após ficar viúvo de Carolina Augusta (1835-1904). O casal não teve herdeiros, mas suspeita-se que Mário da Alencar fosse, na verdade, fruto de uma relação extraconjugal do autor de Dom Casmurro.

A vida, enfim, imita a arte literária, um exercício maior de imaginação. Santiago fala em "simbiose entre corpo e linguagem" para explicar a invenção de "personagens autênticos, verossímeis" como aqueles criados por Flaubert ou Machado. No caso do  francês, ninguém duvida: ele era, de fato, madame Bovary em pessoa. Como os personagens de Machado andam sempre em dupla amorosa - como observa Santiago no livro - não é difícil imaginar em quem ele se projeta.

A proposta literária machadiana, segundo Santiago, "é convulsiva por natureza, eximindo-o da obediência à tradição oitocentista do realismo". Vida e arte se imbricam em Machado, a tal ponto que também no romance de Santiago o autor se identifica com seu personagem e o incorpora num transe mediúnico. Enfim, uma persona surrealista a seguir os passos de André Breton em Nadja, admite. Santiago e Machado, define o primeiro, são companheiros de caminhada.

Santiago poderia ter escrito um ensaio, mas preferiu o gênero romance para tratar de Machado. "É meu legado, num estilo convulsivo, e também meu tributo ao Rio de Janeiro, que me acolheu tão bem". Além de evocar Breton e a última frase de Nadja - "a beleza será convulsiva ou não será" - Santiago recorre a um artifício usado pelo escritor alemão W.G. Sebald (1944-2001) para explorar a problemática relação de Machado com as transformações urbanísticas do Rio: ilustra com fotos de época a cidade que virava moderna enquanto o autor envelhecia. 

AE