Há quase 20 anos, em 1998, Saura já deu conta do tango como expressão da alma argentina. Eis que ele se volta para outras expressões musicais e dançadas do país vizinho. Zamba, chacarera, chacarita, chamame. A diversidade de ritmos do folclore argentino o leva a visitar o noroeste. A cultura andina é muito rica e diversa, manifestando-se por meio de instrumentos como bumbo e quena.
O 'arriero', viajante, como o vento, disseminou a música pela Argentina. Como nos seus musicais anteriores, Saura convoca grandes artistas de expressão popular e, nesse caso, os leva a encenar seus números num galpão de Buenos Aires. O filme começa com a preparação desse galpão. A câmera soberana é carregada numa grua e rebate no espelho, encarando o público num efeito deslumbrante.
Felix Monti é o diretor de fotografia e prossegue com a tradição de Vittorio Storaro, que começou fotografando os musicais de Saura. As figuras 'silhuetadas' viraram uma aracterística dos dois e que Saura retoma com Monti. Tudo é muito lindo, mas alguns momentos são deslumbrantes. O canto à lua tucumana é uma obra-prima, mas o que realmente faz a diferença em "Argentina" são as homenagens. Saura presta duas - a Mercedes Sosa e a Atahualpa Yupanqui.
O documentário tem fórmula simples: em um estúdio, sem muitos adornos, Saura juntou ótimos músicos e dançarinos da companhia Ballet Nuevo Arte de Koki & Pajarín Saavedra. Intercalando interpretações tradicionais e modernas, ele apresenta ritmos originários de Salta, como ‘la zamba’; de Santiago del Estero, a exemplo de ‘la chacarera’; e também da região pampeana, como o ‘malambo’; entre muitos outros. A sensação é de estar numa sala de aula.
O diretor ressalta, com movimentos e sons, a importância da cultura indígena na construção da identidade argentina. Ganham honrosas menções artistas como Mercedes Sosa e Atahualpa Yupanqui – símbolos máximos do folclore do país. Mercedes, a tradição, canta num telão para crianças. Elas marcam o ritmo com as palmas. Representam a mudança. Atauhalpa Yupanqui, o maior músico de folclore da Argentina, interpela ninguém menos que Deus. Tudo pelo social. Para quem ama o cinema cantado e dançado de Saura, esse filme talvez seja o melhor.
AE