person Entrar

Capa

Notíciasarrow_rightarrow_drop_down

Esportesarrow_rightarrow_drop_down

Arte & Agendaarrow_rightarrow_drop_down

Blogsarrow_rightarrow_drop_down

Jornal com Tecnologia

Viva Bemarrow_rightarrow_drop_down

Verão

Especial

Shows em Porto Alegre terão que ser adaptados com possível retorno

Setor musical do Estado projeta retorno a atividades presenciais somente para setembro

Com possível retorno, shows no RS terão que ser adaptados | Foto: Alexandra Silveira / Divulgação / CP

Olha, cara, eu acho sinceramente que imaginar um show como aquele só ano que vem. Muito além das autoridades dizerem que está tudo ok, as pessoas não vão se sentir confiantes de irem num lugar assim", observa o músico Frank Jorge, que comandou a Graforreia em um dos shows daquele dia 5 de março, no Ocidente, antes do cenário cultural viver uma nova realidade com a pandemia do novo coronavírus.

Em um cenário com diversas variáveis, a única certeza é que a confiança do público será essencial para que haja a retomada das atividades culturais no Estado. Sendo algo tão pessoal e, portanto, subjetivo, falar em prazo nestes termos é complicado.

As previsões mais otimistas apontavam a retomada de alguns shows para junho, mas a curva crescente de casos e óbitos pelo novo coronavírus tratou de jogar o melhor dos cenários para mais adiante. "Estamos trabalhando com setembro, mas tudo vai depender da evolução do vírus no Brasil e das determinações do Governo do Estado e da Prefeitura Municipal de Porto Alegre quanto às medidas de isolamento social", afirma Carlos Branco, diretor da produtora Branco Produções.

De acordo com ele, todos os shows da empresa previstos para o primeiro semestre, foram transferidos para o segundo, sendo que alguns acabaram indo para 2021. "A ideia é não marcar novos shows para este ano. Entendemos que as pessoas não estarão bem financeiramente e com certo receio ainda de sair. Então é mais prudente marcar novos shows para o ano que vem", completa Branco.

Seja quando for, há um entendimento no meio musical de que a retomada dos shows não estará exatamente no início da fila quando os primeiros passos de um recomeço forem dados. "Fomos um dos primeiros segmentos a serem atingidos e devemos ser um dos últimos a nos recuperar, junto com o turismo", acredita Claudio Favero.

Sócio-diretor da Opinião Produtora, ele chegou a acreditar que alguns primeiros shows pudessem ser realizados em meados de junho. Contudo, o cenário mostrou-se mais complicado do que o previsto, dando lugar ao pessimismo. Agora, se tudo der certo, agosto e setembro são a nova meta.

Opinião sofre prejuízos com pandemia | Foto: Ricardo Giusti

A estratégia para encurtar a demora passa por transmitir segurança ao público. Sem previsão de liberação por enquanto, as casas de show já trabalham com novos padrões de segurança e higiene. Neste ponto, o bilhete dourado parece ser como lidar com a questão do distanciamento. E há teses para todos os gostos.

Uma corrente acredita que o mais adequado seriam espetáculos sem lugar marcado. O argumento é o de que, com liberdade para caminhar, as pessoas poderiam buscar o distanciamento que acharem ideal. Por essa lógica, quanto maior o lugar, melhor. "Numa pista, você pode caminhar e sair do alcance das outras pessoas se quiser. Em um teatro, vai ser preciso isolar entre 3 ou 4 cadeiras entre uma e outra. E mesmo assim, se você está sentado e o cara atrás de você espirra? Numa arena isso é um pouco mais tranquilo", defende o vocalista da Ultramen, Tonho Crocco.

Do outro lado, há que defenda o oposto e alegue que lugares marcados são a maneira mais eficiente de se manter o distanciamento mínimo indicado. "Show em teatro talvez se possa lançar mão dessa questão do distanciamento, uma poltrona vaga entre as pessoas, reduzir a lotação dos locais a metade ou um terço", observa o cantor Nei Lisboa, que completa: "É difícil imaginar (show em pista). Eu acho que não é viável mesmo, não recomendaria nem a liberação. Imagina, aquela coisa de pista premium então, todo mundo socado é um prato cheio para o vírus".

Tanto Nei quanto Tonho, contudo, admitem que não há, por enquanto, uma alternativa que se mostre certeira, ainda mais diante de um adversário que o mundo está descobrindo aos poucos. Mas mais do que isso, o que é certo é que o distanciamento pressupõe menos gente em cada lugar. E menos gente, significa bilheteria menor.

"Um evento com 50% da capacidade não se paga. Só a partir de 70% ou 80% pra zerar o custo. Melhor fechado do que 50% da capacidade. Num show, o cachê continua o mesmo, as passagens, som, luz, hotel. Os custos não baixam", justifica Favero, da Opinião Produtora.

Para complicar ainda mais a situação, como os boletos continuam chegando, tudo torna-se uma corrida contra o tempo. Enquanto isso, os cancelamentos e adiamentos só crescem. A Opinião calcula ter remarcado 70 espetáculos desde o início da pandemia; a Branco Produções outros 25, além de dois festivais.

Os artistas também sentem o vazio no calendário. Tonho Crocco, por exemplo, calcula ter perdido entre 30 e 40 shows, "fora o que vai se marcando, que aí são bares na maioria dos casos, onde o pessoal marca mais em cima, com até duas semanas de antecedência", conta.

Não por acaso, a sensação é de que o chão sumiu, ao menos em termos profissionais. "O meu ganha pão, de súbito, desapareceu. O prejuízo é total e o que resta é um zero absoluto. Não é a sensação de quem perdeu o emprego, é de que a tua profissão foi extinta", descreve Nei Lisboa.

Demissões e reduções de salário

Assim como diversas outras áreas da economia brasileira, o setor de entretenimento também tem testemunhado demissões e reduções de salário em uma escala sem precedentes. Na Branco Produções, houve desligamentos para se adequar ao novo cenário de estagnação. "A empresa está praticamente sem nenhum faturamento de março a agosto, pelo menos. Já vínhamos com uma diminuição no faturamento nos últimos dois anos e a pandemia agravou muito isto.  Infelizmente, era impossível manter nas condições atuais", explica Carlos Branco.

Na Opinião, a luta tem sido para manter todos os colaboradores, ainda que com o corte salarial previsto por decreto. "É um grande desafio. Este 2020 é um ano praticamente perdido", lamenta Favero. O agravante é que, salvo exceções, toda a cadeia cultural tem sido atingida. "De um jeito ou de outro, essa crise aproximou todo mundo. Se antes o Lulu Santos ganhava um cachê de R$ 200 mil e eu de R$ 5 mil, bom, agora os dois deixaram de ganhar", observa Nei Lisboa.

Um cenário tão drástico quanto o atual acaba por obrigar os artistas a se reinventarem em uma série de aspectos, a começar pela forma de vender o trabalho. Neste sentido, a internet tem sido a tábua de salvação para muitos - ou a única opção.

Aos 61 anos, com mais de 40 de carreira, Nei Lisboa vê no ambiente online uma saída possível, nem que seja temporária: "A gente tem que começar a pensar na virtualidade da coisa ser uma perspectiva real, passar a consumir arte pela internet e tornar isso cada vez mais qualificado, da forma mais criativa possível".

Não que o cantor não mantenha um quê de ceticismo quanto, por exemplo, a onda de lives que surgiu a partir da quarentena. Por meio de um site oficial, o músico tem feito apresentações virtuais todas as quintas-feiras. Ainda que a página aceite doações, não há nenhum tipo de cobrança.

"No momento, acredito que as lives tenham mais um caráter de presentear as pessoas, que têm ali acesso gratuito. Existe um caráter de confraternização, de tornar o isolamento menos doloroso. Agora, na sequência, vejo sim que tem que se pensar nessa virtualidade como uma forma de trabalho, como monetizar e qualificar para que não pareça um favor das pessoas", pondera.

O grande porém das lives está justamente na monetização. À exceção dos principais nomes do sertanejo e do funk, o número de visualizações em cada apresentação é insuficiente para arrecadar qualquer valor relevante.

Quando servia de vitrine para mostrar o trabalho e despertar o interesse do público a ir no show, ótimo. Quando tudo depende da live, complica. "Sou um artista pequeno, antes de começar a minha live tinha seis pessoas. Quando terminou, tinha 1,1 mil, 1,5 mil, isso aí deve dar uns 30 centavos, tu não compra nem um litro de leite", afirma Tonho Crocco.

O cantor também é crítico quanto ao caráter das apresentações à medida em que avançou a quarentena. Se no início, a transmissão tinha justamente como ideia propor uma integração com cada um na sua casa, substituindo reuniões maiores em um mesmo lugar, algo se perdeu no meio do caminho.

"Fugiu total da intenção. Eles estão incentivando a aglomeração, tem até garçom servindo cerveja, é quase apologia à aglomeração. E pior que ainda fazem propaganda de cerveja ruim", critica o músico.

De quebra, ao contrário da imensa maioria dos artistas, as lives de sertanejos e funkeiros independeriam do número de visualizações, já que têm sido patrocinadas por gigantes do ramo de bebidas e de carnes.

Monetização e valorização do conteúdo digital

E mais, o formato das apresentações não necessariamente se encaixa em todos os perfis. "Numa live, as pessoas não querem ver um de nós. Quem vai ver a gente num show, quer ver a gente junto. Agora, temos que contar com a tecnologia. Entender como a gente vai monetizar e valorizar o conteúdo digital", aponta os músicos Mateo Piracés-Ugarte e Rafael Gomes, da banda Francisco, el Hombre, que traz à tona ainda outra discussão relevante para o momento que é o quanto cobrar do público.

"Ainda estamos no estágio inicial de um grande processo. Acho que estamos vivendo o início de uma revolução cultural, por isso é tão difícil fazer chutes certeiros. Como a desigualdade social ficou em foco com esse momento, se pensa também na remuneração do artista. Como a gente vai sair e lidar com essas questões? É preciso repensar o que estamos acostumados a pagar e gastar. Existe uma supervalorização, medo de gastar. Será que a pessoa tem dinheiro para pagar uma live?", questiona.

Além disso, na visão da banda, o cenário vai se moldando às necessidades. Não por acaso, os músicos citam o que ocorreu na Argentina na segunda metade dos anos 2000. Em 2004, uma tragédia marcou o país com o incêndio na boate República Cromañón, que causou a morte de 194 pessoas.

Na sequência, por razões de segurança, muitos bares e clubes ficaram fechados por um longo período. "Naquele momento, a música acústica ganhou espaço. É uma questão de se adaptar, misturar coisas visuais, novas formas  de adaptação, tipo de música, dançante ou não dançante. Isso vai mostrar a capacidade de resiliência humana e vai ser lindo", afirma Mateo.

Apesar das ressalvas, existe uma série de benefícios no formato que mais se difundiu durante a quarentena. Para muito além das apresentações patrocinadas, há opções de lives para todos os gostos, do sertanejo ao rock, do funk ao jazz.

Mas mais do que alternativas para o público, os shows direto da sala de estar têm propiciado novas experiências também para os artistas. "Me adaptei rápido em fazer as lives, seja ao vivo mesmo ou participando de alguma outra com material pré-gravado. Participei até de um festival online de Barcelona nesse período, meu nome circulou bastante porque me tornei bem ativo", revela Frank Jorge.

Também professor e coordenador do curso de Produção Fonográfica na Unisinos, o músico acredita que por ser um recurso que está ao alcance de todos, a tendência é que surjam inúmeras formas de apresentação dentro do formato.

Em comum entre todas, a necessidade de estabelecer um contato cada vez mais direto com o público. "Todo mundo vai ter que gerenciar melhor suas redes sociais, publicar conteúdo mais frequente, dar mais atenção aos fãs. Tem que cativar mais o público que fala bem de ti", aposta ele.
 

Carlos Correa e Caroline Grüne