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Verão

Especial

Alerta sobre o diabetes

Por Giullia Piaia

"Eu me orgulho muito do que o SUS oferece, insulina de graça para todos, na dose necessária, e insumos para fazer o tratamento do diabetes tipo 1. (...) O Brasil está entre os países que oferecem as melhores condições para o tratamento do diabetes tipo 1 dentro do seu sistema público de saúde" | Foto: Ricardo Giusti

Um artigo científico internacional publicado na revista Lancet analisou óbitos por diabetes em pessoas com menos de 25 anos em decorrência da doença. Cientistas de diversas instituições e países, inclusive três pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), avaliaram dados de 204 países e territórios com mais de 1 milhão de habitantes. Maria Inês Schmidt, professora da Faculdade de Medicina da Ufrgs, que trabalhou com os colegas Ewerton Cousin e Bruce Duncan, da mesma universidade, conversou com o Correio do Povo sobre como essas mortes podem ser evitadas e sobre o cenário da diabetes no Brasil.

Há maior prevalência de qual tipo de diabetes no Brasil?

Existem vários tipos de diabetes, mas os dois principais são o tipo 1 e o tipo 2. O diabetes tipo 2 chega a ser dez vezes mais comum que o tipo 1. Um diabético 2 é aquele que, em geral, não precisa tomar insulina, consegue se manter com remédios, comprimidos. Já o tipo 1 é bem menos comum, mas é mais difícil para as pessoas conviverem com a doença porque requer, desde o início, o uso da insulina injetável.

Quais as maiores causas da diabetes?

O diabetes tipo 2 está muito associado à incapacidade do organismo de lidar com a insulina que ele consegue sustentar. É o que a gente tem chamado de resistência à ação da insulina. Esse é o problema principal do diabete tipo 2, na medida que ele vai se desenvolvendo, o organismo pode também perder completamente a capacidade de secreção de insulina. Para esse tipo de diabetes, as causas principais têm a ver com alimentação inadequada, baixa atividade física e, também, hoje se sabe, com o aspecto de poluição da atmosfera. As duas questões principais que têm sido trabalhadas são as da alimentação e da atividade física, porque, se a gente consegue mudar estes comportamentos, consegue prevenir ou retardar o desenvolvimento da doença.

O diabetes tipo 1 a gente sabe bem menos a causa, mas tem um componente autoimune e com algumas viroses. Preciso chamar atenção que, ainda se vive a pandemia e é importante a gente se dar conta de que a própria Covid levou ao aumento do diabetes, tanto do tipo 1, quanto do 2. Então, é uma causa a mais que se acrescentou na lista de possíveis causas para essa doença.

O que leva jovens com menos de 25 anos a desenvolverem diabetes tipo 2?

Esses nomes, tipo 2 e tipo 1, são nomes mais recentes. Os primeiros nomes que atribuímos à diabetes eram diabetes da maturidade e diabetes insulinodependente. O insulinodependente era aquele que começava em pessoas jovens e o da maturidade o que só começava em adultos, especialmente em adultos de mais idade. Isso que chamamos de diabetes tipo 2 está me chamando atenção agora porque está muito mais precoce. Então, justificadamente, não se pode mais chamá-lo diabetes da maturidade. Já está aparecendo em adolescentes, em adultos jovens e até em crianças. Já há inclusive óbito pela doença. Esse diabético com início mais precoce, que é um fato novo, diria que começa a se manifestar nos últimos 20 anos, acompanha a pandemia da obesidade. Então, como a obesidade é o fator de risco mais importante para o diabetes tipo 2 e se expandiu para várias faixas etárias, o tipo 2 começou a aparecer em idades mais jovens. Outro fato importante para alertar é que esse diabético mais jovem parece ser mais grave do que aquele que acontece mais tardiamente. Então, não é de se surpreender que já tenha óbitos por essa doença em pessoas com menos de 25 anos.

Como ocorre o diagnóstico?

O diagnóstico é feito por meio de uma glicemia \[um exame de sangue\]. A gente tem a glicemia feita em jejum de pelo menos oito horas, tem a glicemia feita após a ingestão de um xarope contendo glicose e também um exame chamado hemoglobina glicada. Se qualquer um desses três exames estiver alterado, a gente pode chamar de diabetes. Uma vez feito o diagnóstico, é importante distinguir se é tipo 1 ou 2. Aí vai depender da forma de apresentação da doença. Diabetes 1 tende a ser muito mais sintomático. As pessoas começam com muita produção de urina, muita sede, começam a se sentir mais fracas, pode dar diarreia e ir rapidamente, em questão de um dia ou dois, para um estado de cetose diabética. No tipo 2, os sintomas são muito insidiosos, muito leves, 50% são assintomáticos e a gente só consegue detectar por um dos testes que mencionei.

De que forma este estudo contribui com o tratamento da diabetes?

Este estudo aponta uma situação grave que mostra que nós não temos insulina disponível a todos e que isso está levando a óbitos plenamente evitáveis. Então, um dos aspectos disso é, primeiro, mostrar o diagnóstico do mundo e, segundo, mostrar uma métrica viável de monitorar as ações de saúde que são necessárias em relação a isso. E o segundo aspecto alerta as pessoas de que o diabetes tipo 2 pode ser bastante grave e precisa ser tratado com toda a força, especialmente nos mais jovens.

Que tipos de tratamentos precisam ser ofertados para que essas mortes sejam evitadas?

Para o diabetes tipo 1, é essencial o uso de insulina. E o uso tem que ser na dose necessária para as pessoas, porque na medida em que o custo começa a crescer, as pessoas recebem a insulina e ficam dividindo a dose para durar mais tempo, por questões financeiras, dificuldades de conseguir a insulina. Isso leva a um estado de descompensação de diabetes e que torna a pessoa mais suscetível a cetoacidose diabética e, inclusive, ao óbito. Então, não só é essencial que a insulina seja disponível a todos que dela precisam, mas com as doses as necessárias. Esse é o primeiro aspecto. Nós comemoramos os 100 anos do primeiro uso da insulina em humanos no ano passado. Quando ela foi feita, foi patenteada a 1 dólar apenas, para que estivesse disponível a todos. Então, é irônico hoje a gente se dar conta de que isso não é possível, porque o custo ficou muito elevado. Ou o sistema de saúde cobre essas despesas ou as pessoas ficam na dependência da sua possibilidade financeira.

Como o índice de diabetes no RS se compara aos de outros estados? 

Sul e Sudeste têm maior prevalência de diabetes porque têm população mais idosa e a idade está muito associada ao aumento do diabetes tipo 2. Mas é alto em praticamente todos os estados brasileiros. Se ajustarmos o modelo para levar em conta fatores de idade, o Nordeste aparece como sendo uma região também importante para o diabetes. 

E o índice do Brasil com o de outros países de mesmo nível de renda?

Diria que nós estamos mais ou menos no meio. Nem raro e nem os mais comuns. Os mais comuns realmente acontecem em alguns países do Oriente Médio e em algumas ilhas onde a incidência pode chegar a 60% da população. Não estamos nesse patamar porque ainda temos menos obesidade que esses lugares. 

Qual o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) no tratamento da diabetes?

Eu me orgulho muito do que o SUS oferece, insulina de graça para todos, na dose necessária, e insumos para fazer o tratamento do diabetes tipo 1. Poderia ser melhor? Poderia. Sempre pode ser melhor, mas o Brasil está entre os países que oferecem as melhores condições para o tratamento do diabetes tipo 1 dentro do seu sistema público de saúde. Essa é uma questão muito importante. A outra coisa é o atendimento a quem tem diabetes tipo 2. Hoje, os remédios principais, que são chamados de lista de medicamentos essenciais, já estão disponíveis no setor primário de atenção à saúde. Então, os médicos de atenção primária já podem prescrever esses comprimidos para quem tem diabetes tipo 2. E aí de novo é um orgulho. Estamos entre os 5 ou 10 países com a melhor situação que eu conheço no mundo.

 

Giullia Piaia