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Andrea Arobba: "Dançar é compreender como operar no mundo"

Andrea Arobba: “O Uruguai é um país onde existe liberdade” | Foto: Itau Uruguay / Divulgação / CP Andrea Arobba: “O Uruguai é um país onde existe liberdade” | Foto: Itau Uruguay / Divulgação / CP


A dança como instrumento de investigação de um dos fenômenos cosmológicos e físicos mais intrigantes e instigantes da história da ciência. Esta é a pesquisa e o trabalho incansável da diretora e coreógrafa uruguaia Andrea Arobba, que traz seu “Big Bang – Un Concierto de Danza Contemporánea” ao 24º Porto Alegre em Cena, nesta quarta e quinta, às 21h, no Teatro Renascença (Erico Verissimo, 307). Ingressos podem ser adquiridos no local e pelo site. Tomando como ponto de partida a ciência e, em especial, a física e a cosmologia, o espetáculo abre um questionamento existencialista acerca do nosso lugar no mundo. Andrea Arobba, junto à companhia Gen Danza, segue sua incansável pesquisa de investigação sobre as linguagens possíveis atualmente na dança e sua relação com outras áreas, com esta encenação, que conta com 14 artistas em cena, seguindo a ideia já desenvolvida em outros dois espetáculos: “Historia Natural de la Belleza” e “El Azar y la Necesidad”.

O espetáculo uruguaio é uma das quatro atrações internacionais desta edição do Porto Alegre em Cena e em 2016 participou da iniciativa Bitácoras, do Instituto Nacional de Artes Escénicas (INAE), no Uruguai, trabalhando durante uma semana com o físico Ernesto Blanco e do especialista em robótica Alvaro Cassinelli, que explicaram aos participantes processos físicos complexos, ajudando a conceber movimentos cênicos que tomassem como ponto de partida a estrutura básica da matéria. A trilha sonora é executada ao vivo, desenvolvida especialmente pelos músicos e os bailarinos com colaboração do produtor cinematográfico Pablo Casacuberta. Bailarina, coreógrafa e docente da Escuela Nacional de Danza, com muitos anos de trajetória no Uruguai e no exterior, Andrea é codiretora do Gen, Centro de Artes Y Ciencias, e participou de diversos projetos cênicos como intérprete, coreógrafa e diretora. É curadora do Ciclo Solos al Mediodía e já foi curadora de ciclos de dança contemporânea no Teatro Solís, além de ter coreografado para o corpo de baile do Ballet Nacional del Sodre. Nesta entrevista ao blog Diálogos, ela fala do espetáculo, da pesquisa, de política e intercâmbio com outros grupos e festivais.

Correio do Povo: Minha primeira pergunta é aquela inevitável, quase determinista, o que a levou a investigação sobre a física, a cosmologia e esta representação de Big Bang?
Andrea Arobba: Nos últimos anos, senti que a cultura em geral trata dos aspectos da existência que têm a ver com a própria cultura (as narrativas que dão sentido às nossas vidas, a construção dos símbolos, a resolução dos conflitos, a tensão entre tradição e inovação, por exemplo), mas raramente trata de outras questões fundamentais, como a nossa natureza biológica ou a estrutura básica da matéria, como se a arte pudesse ser apenas um veículo para indagações humanísticas. Por isso, que já abordei, pelo menos, três obras de uma certa escala, problemas e temáticas ue têm a ver com a nossa existência no nível mais material e primário. E descobri que há muita emoção potencial aguardando para investigar estes temas. É como voltar para a nossa primeira casa.

CP: Como o caos presente nos conceitos da ciência pode ajudar a entender melhor o mundo?
Andrea: Precisamente um dos aspectos mais encorajadores é que nos ajuda a entender que, nesse conjunto de interações naturais que um concebe à primeira vista como caótica, subjazem muitos padrões reconhecíveis em que há uma ordem notória. O mundo é complexo, não incompreensível. Claro, sempre há uma enorme quantidade de fenômenos que são desconhecidos e em boa parte misteriosos, mas o volume do que compreendemos cresce exponencialmente. A ciência e a arte compartilham um propósito: tornar mais próprio aquilo que nos é apresentado como alheio, e nos fazer compreender que formamos parte de algo muito maior que nós mesmos.

CP: Roger Garaudy em seu “Dançar a Vida” disse que “dançar é antes de tudo estabelecer uma relação ativa entre o homem e a natureza, é participar do movimento cósmico e do domínio sobre ele. Que achas deste conceito e como se encaixa em sua proposta coreográfica para Big Bang?
Andrea: Eu acredito que a dança e a arte são características não apenas de nossas culturas, mas de nossa espécie. Do mesmo modo que os bebês balbuciam antes de falar, se movem e exploram seus corpos de forma muito expressiva, mesmo antes de caminhar. Dançar é compreender como operar no mundo, e também como conectar a própria subjetividade com a das demais pessoas.

CP: Queria que você falasse um pouco do momento da dança no Uruguai?
Andrea: O Uruguai atravessou, especialmente na última década, um processo de extrema diversificação e profissionalização das artes cênicas. Há uma grande variedade de propostas, grupos, linguagens e práticas, especialmente se considerarmos a pequena população que o país possui. Houve um aumento na oferta de espaços públicos e formas de acesso aos fundos e incentivos, o que resultou claramente em um posicionamento muito favorável do país na região. Os festivais e os ciclos das artes cênicas no Uruguai começaram a atrair a atenção internacional e isto também contribuiu para uma maior circulação de artistas uruguaios no exterior. O saldo é muito positivo, embora ainda haja muito por fazer.

CP: Há algum intercâmbio de vocês com grupos brasileiros. O que conhecem da dança e das artes cênicas do Rio Grande do Sul e do Brasil?
Andrea: Há na cena uruguaia uma longa tradição de intercâmbios com grupos, coreógrafos, teóricos e bailarinos brasileiros, que têm se ampliado nestes últimos anos com o desenvolvimento de ciclos, festivais e instâncias de diálogo. E nós gostaríamos que esse vínculo fosse cada vez mais profundo e extensivo a um grande número de profissionais da dança.

CP: Gostaria de saber se consideras que toda a arte deve ser política ou engajada e o que pensas dos momentos políticos do Uruguai e do Brasil?
Andrea: Todas as atividades humanas estão vinculadas à vida política, por mais indiretas que possam parecer suas relações. Nossa obra, que, à primeira vista, pode ser interpretado como limitado a um tema puramente conceitual, tem na verdade um profundo substrato cultural e político. Em um momento no qual os discursos sociais apontam para uma fragmentação extrema do coletivo em identidades, origens étnicas, discursos ideológicos e posturas em relação ao gênero, tentamos que o público lembre, ao menos por uma hora, que é feito de átomos nascidos nas entranhas de uma estrela, e que não só não somos muito diferentes entre nós, mas nem somos tampouco particularmente diferentes de um pássaro ou um coelho. E isto hoje tem um substrato político muito profundo. Quanto ao Uruguai e a sua situação política, vemos que o país está passando por um certo processo de indagação sobre as possibilidades da democracia, com ensaios e erros, mas com boa disposição para a pesquisa e a inovação. Temos muitos aspectos a melhorar, mas pode-se dizer sem reservas que o Uruguai é um país onde existe liberdade.

CP: Para fechar a entrevista, uma pergunta sobre os festivais de teatro. Que sabes do Porto Alegre em Cena e como recebeste o convite para participar do festival?
Andrea: Uma parte desse processo de internacionalização da dança uruguaia tem a ver com o fortalecimento do vínculo com os festivais, especialmente pela região. Já conhecíamos a iniciativa de Porto Alegre em Cena e foi uma honra receber o convite para participar de um festival com tanta diversidade e prestígio.

* Por Luiz Gonzaga Lopes