Universo paralelo
Saiu notícia de que cientistas teriam descoberto evidências da existência de um universo paralelo ao nosso no qual o tempo correria ao contrário. Especialistas trataram de explicar que não é bem assim, ainda que a teoria dos universos paralelos exista. Será que o universo paralelo ao nosso não é o Brasil? O tempo não estaria correndo ao contrário aqui? A nota do ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general aposentado Augusto Heleno, dizendo que a apreensão do celular do presidente da República pela justiça poderia levar a “consequências imprevisíveis” para a estabilidade nacional, sugeria que o tempo andava correndo ao contrário por aqui: rumo a 1964.
Os elementos que comprovariam a tese do universo paralelo brasileiro com fluxo do tempo invertido são muitos, a começar pelas sucessivas afirmações de que estaríamos à mercê de uma ameaça comunista iminente. A tese do perigo vermelho permanece em camadas invisíveis do nosso mundo aparente. Quando menos se espera, ela ressurge para espanto até dos últimos comunistas, que exclamam: “Como, não nos avisaram!” Outros sinais captados por Anita (é uma antena especial, não a cantora de funk) são o avanço sobre terras indígenas, o extermínio de jovens negros, a determinação do ministro do Meio Ambiente de desmontar a legislação ambiental e o retorno do autoritarismo militarista como mecanismo de criação de uma sociedade ordeira, progressista e rica.
Outro indício capaz de surpreender cientistas era o chamado efeito Regina Duarte. Ela reencarnara a sua personagem viúva Porcina, “a que era sem nunca ter sido”. Como secretária nacional de cultura, Regina foi sem nunca ter sido, numa clara prova de que o tempo corre para trás entre nós. Outro aspecto curioso desse universo paralelo: Regina demitia, o Planalto readmitia, tudo sem relação de causa e efeito. Um fenômeno típico dos universos paralelos com tempo invertido é a chamada “queda para cima”. O superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro caiu para cima. Dado que atrapalhava a intenção presidencial de ter outra pessoa no seu lugar, foi “demitido” com uma promoção. Virou o segundo na hierarquia da PF, num cargo burocrático, sem acesso a investigações. A exoneração do chefe da Polícia Federal, Maurício Valeixo, também revelou algo diferente. Ele foi demitido, mas no Diário Oficial saiu “a pedido”. Sérgio Moro, então ministro da Justiça, não assinou o desligamento, mas lá constava o seu nome.
Descobertas importantes exigem acúmulo de provas coletadas ao longo do tempo. Outra pista desse universo paralelo foi a reunião ministerial de 22 de abril: presidente e ministros falaram palavrões, ministros pediram a prisão dos magistrados do STF e de governadores, falou-se em armar a população para evitar uma ditadura, tudo ali, enfim, soava fora do normal, da ideia que fazemos das relações institucionais e da liturgia dos cargos. Se o tempo não corre para trás, o que, por vezes, parece ser o caso, corre para algum ponto incerto, um ponto rotulado pelos mais atentos de ponto de ruptura. Índicio mais recente: a tentativa de anular mortes por recontagem. Esse item merece um olhar mais detido.
At metodologia de contagem dos mortos da pandemia que o Ministério da Saúde gostaria de adotar parece indicar uma versão paralela do tempo. Mortos anunciados num momento desaparecem no boletim seguinte. Reaparecem, porém, em contagens tradicionais do mundo em que o tempo não retrocede.
Pressionado, o governo recua, provando que o seu tempo corre para trás.