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Verão

Especial

Crônicas de amigos e medos

Médicos escritores

 

      A medicina tem dado ótimos escritores ao Rio Grande do Sul. Moacyr Scliar, entre os grandes nomes mais recentes, não me deixa mentir. Dele, o meu preferido é “O centauro no jardim”. Ano passado, Nilson May lançou o tocante romance “Bosque da solidão”. Há excelentes médicos cronistas na praça. Gilberto Schwartsmann e Alcides Mandelli Stumpf fazem parte dessa categoria. Pois é justamente de Alcides Stumpf que vou falar agora.

Acabei de ler o seu “Amigos & Medos – crônicas do cotidiano” (editora Scriptum).

Que belo mergulho naquilo que Umberto Eco chamou de “viagem na irrealidade cotidiana”. São textos publicados em vários jornais. A crônica de abertura é linda: “Não interessam mais desgraças e muito menos nefastos inimigos. Simplesmente me atenho a viver o dia a dia. Me conformo em ser apenas mais um no singular e no coletivo. Deixei de odiar os pulhas – pois eles não valem a pena: aceitei as imposturas como verdades definitivas, não bato boca; a vida se torna fácil e leve”. Mas refletida e sentida.

O que se vê no correr das páginas? O homem, o cidadão, o médico, o pai, o marido, o brasileiro, o morador de Erechim, o viajante, o amigo dos amigos, o indignado, o desencantado, o novamente encantado, o palestrante, o prefaciador, o observador da “sociedade do espetáculo” e da mídia, o cronista no seu tempo: “Atualmente, sobrevivo sem as cartas. Sobram-me bilhetes, principalmente os caseiros. Das filhas recebo alguns bem-humorados – do jeitinho de cada uma, com muito afeto; me fazer sorrir, cócegas no espírito, carinhos à alma”. Não é um belo conforto? Sim, é.

A “pena” do Dr. Alcides corre leve e solta. Fala de tudo como todo cronista: de autores, de pensadores, de política, de futebol, de racismo: “Há nos estádios, e na sociedade atual, a incapacidade ou a recusa em reconhecer direitos, necessidades, dignidade ou valor de pessoas de raças ou posturas diferentes. Prepondera a intolerância, a depreciação do caráter e a inteligência de certos tipos que compõem a tão cantada miscigenação brasileira. O comportamento irracional nos acompanha desde crianças”. Na sabedoria do leitor da vida, a tolerância é valor cardeal.

Não se vê o tempo passar durante a leitura. As páginas voam. Volto ao começo para terminar: “Vivi todos os anos de carne e alma, corpo e cérebro, muito bem acompanhado pelas pessoas queridas e devo apagar a qualquer momento como um sopro. Um sopro no coração. Só os grandes homens conquistam a morte trágica ou deveras surpreendente. Decididamente não é o meu caso”. Esse encontro com o desfecho que espere. Há muito caminho ainda a percorrer, muita crônica a escrever, muita vida a viver, ainda mais para quem não mais sente medo: “Hoje, como disse, não mais os tenho. Estou pronto, acabado, quiçá entrando em decomposição física e psíquica. Por isso sou mais doce. Pouco me assusta a diabete ou o esquecimento”.

Estilo, simplicidade, cultura, autoironia.

Eis o cronista na plenitude da forma. O leitor agradece, vira a página e segue a viagem.