Fim de ano romântico
| Foto: Mateus Bruxel
Disseram-me, faz alguns anos, numa dessas viradas com direito a fogos de artíficio, que o amor está ultrapassado, que não passa de um vestígio de uma era romântica suplantada pelo mundo pós-industrial.
Disseram-me, enquanto os espumantes corriam soltos e as línguas se liberavam, que as separações se tornaram normais e que só as pessoas desajustadas ou anacrônicas ainda sofrem por causa disso.
Disseram-me, com tons de soberba e ares de entendimento, que as dores de amor são sintomas de outros problemas psicológicos e que só os fracos ou doentes ainda padecem com isso.
Disseram-me que as telenovelas e os filmes de amor são outros resquícios, vestígios arqueológicos de uma era revoluta, explorados pela indústria cultural, para ganhar dinheiro com os pobres de alma.
Disseram-me tanta coisa que me assustei.
Eram doutores que falavam.
Eram especialistas que discursavam.
Hoje, há especialistas para tudo, até para ensinar a caminhar na beira da praia.
Ou para definir a roupa íntima do final do ano.
Eram técnicos que espalhavam dados e estatísticas sobre a mesa.
Um deles, num arroubo, citou a crise da poesia, pobre poesia, sempre em crise, cujos livros, por mais belos e elogiados pelos críticos, encalham nas editoras, como prova da decadência do amor.
Outro falou que o amor era uma marca infantil da fase oral ou coisa que o valha.
Todos, enfim, assinaram o atestado de óbito do amor, sem emoção nem piedade.
Houve um até que mostrou um dado curioso: haveria mais grupos de adoradores de pastelina no orkut – na época o orkut ainda era in e o facebook nem existia ou estava engatinhando – que de adeptos do amor.
Apavorei-me.
Amor, explicou outro ainda, com ar blasé e gel nos cabelos, é coisa de velho.
Os jovens, disse, “ficam”.
Em poucas palavras, o amor seria um resto patético do arcaico no universo tecnológico.
Não me convenci.
Contra os doutos, citei Lupicínio Rodrigues: “Esses moços, pobres moços, ah, se eles soubessem o que eu sei...”
Contra os técnicos, com sua propalada isenção e objetividade acima das ideologias e das escolhas pessoais, invoquei Cartola: “As rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti”.
Contra os estatísticos, enumerei revistas, fofocas, livros, textos, vidas, obras, tudo mais: só se fala de amor.
Vivemos para o amor, corremos para o amor, queremos vencer para amar e ser amados.
Riram de mim.
Os mais educados apenas sorriram.
Jurei vingança.
Prometi demonstrar que estavam errados.
Citei o que sabia de Freud.
Decretaram que Freud tinha sido mal interpretado.
Lembrei-me de Baudelaire.
Não me venha com poetas, menosprezou o que parecia ser o “chefe”.
Bati em retirada.
Três meses depois, ao amanhecer, no bar da rodoviária, que todos os outros já estavam fechados, encontrei justamente o “chefe”, aquele que parecia considerar o amor como um fóssil.
Podia abraçar a Deca de tão bêbado.
Agarrou-me e, com seu hálito de uísque, desabafou: “Ela me deixou, a vadia. Foi embora com o personal trainer.”
Aqui se faz, aqui se paga!
Em 2011, tornei a encontrar esse cético: estava emocionado com o casamento de Kate e William.
Foi o grande acontecimento do século XXI, disse-me.
Prefiro o amor dos homens comuns, ordinários, respondi.
Mas ela era plebeia, retrucou.
Convidou-me a brindar pela vitória do amor na globalização.
Moral da história: o que faz uma bola na costas de um homem!