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Verão

Especial

Guerra de narrativas: das privatizações ao nazismo

Palavras definem ideias ou realidades?

Dois dos melhores livros para entender o que ainda somos são “Mitologias”, de Roland Barthes, e “Viagem na irrealidade cotidiana”, de Umberto Eco. O italiano falava, já em 1967, de “guerrilha semiológica”. Hoje, vivemos uma guerra de narrativas: concessão é privatização por tempo determinado? Houve golpe em 1964? O nacionalismo-socialismo era de esquerda?

Todos os sentidos deslizam.

Porto Alegre vai permitir cercamento de praças e cobrança de ingresso? A leitura dos artigos do projeto do executivo e das emendas de vereadores mostra que isso poderá ou poderia acontecer. Artigo 1º “Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a conceder os serviços de operação, administração, conservação, manutenção. Implantação, reforma, ampliação ou melhoramento, bem como o uso de praças e parques urbanos”. Ou seja, entrega total para uso total. Por até 35 anos. Cercar é “melhoramento”? Pode ser. Parágrafo 3º do segundo artigo: “Fica autorizada a cobrança de ingresso pela Concessionária para acesso às áreas fechadas dos parques urbanos em que tenham sido realizados investimentos substanciais pelos concessionários”. Fecha uma área, como “melhoramento”, e cobra ingresso. O que são “investimentos substanciais”? Colocar grama no campinho de futebol da Redenção?

      Criar um estacionamento numa área fechada do Parque Harmonia? Se o projeto, com as emendas do vereador Mendes Ribeiro (MDB), for aprovado, a privatização por tempo determinado com cercamento e ingresso pago seria a nova realidade: “Fica a concessionária autorizada, sob sua exclusiva responsabilidade, a proceder o cercamento, total ou parcial, da praça ou parque urbano objeto da concessão” (emenda 6). Recapitulando: o artigo 3º autoriza a cobrança de ingresso em áreas fechadas. A emenda 6 permite o fechamento integral dos parques e praças. Mendes Ribeiro assina também uma subemenda para liquidar a fatura: o cercamento da praça ou parque concedido “não se sujeitará a prévia realização de plebiscito, conforme dispõe o art. 20-A, da LC 12/75”. Virou moda querer privatizar sem consultar a população como previsto em lei.

      A emenda 13, do vereador Ricardo Gomes (PP), transforma parques e praças em salões de festa privados com data e hora marcados: “Poderá o concessionário, nos termos do edital ou mediante autorização do órgão competente da Administração Municipal, realizar o fechamento total ou parcial da praça ou parque a fim de realizar eventos, inclusive com exploração comercial de sua realização”. Não ficou claro? “Parágrafo único: nas datas previstas ou autorizadas, o concessionário poderá, se assim desejar, cobrar ingresso para acesso à área delimitada”.

Vai passar o projeto? O governo tem maioria. Tem emenda para diminuir os estragos: garantir que o ambulante possa “exercer suas atividades sem constrangimento” (Monica Leal), assegurar que se preserve espaço para idosos praticarem esportes gratuitamente, passear com cachorros “sem cobrança”. Mas tem emenda para permitir que a privatização nos moldes propostos se aplique a áreas de conservação ambiental. Por que essa preocupação com aspectos tão pontuais? Será o temor de que não sobre espaço gratuito para muita coisas em parques e praças?

      O vereador governista Moisés Barboza se obrigou a apresentar uma emenda ambiguamente corretiva para tentar acalmar os temores: “Será vedada a cobrança para ingresso nas praças ou parques urbanos concedidos, sendo permitido, porém, que o edital de licitação e o contrato prevejam a possibilidade de cobrança por serviços ou atividades específicas”. Vai ser aprovada a emenda de Barboza? Talvez. E se não for? Mesmo que seja, resolve? Ou maquia o processo? Modernidade administrativa ou velha esperteza? Os investidores querem Parcão, Redenção, Marinha do Brasil e Harmonia. Afinal, concessão é privatização temporária?

     Privatizar não é só vender. Pode existir privatização efetiva por tempo determinado. Uma coisa é conceder uma área para um serviço (um parquinho). Outra, permitir que um parque inteiro seja cercado e fatiado para serviços. Vira um shopping. As estradas com pedágio são fechadas e cobram ingresso. Devem cumprir a finalidade para a qual existem. É uma privatização por tempo determinado. Pode ser útil e bom. Até a propriedade privada da terra deve ter função social. Mas o modelo das estradas é bom modelo para um parque? É um modelo dominante no mundo? Talvez alguns vereadores queiram privatizar temporariamente de modo efetivo e irrestrito enquanto o prefeito só pretenda uma concessão de espaços para serviços. Veremos qual o nome dos bois? Para tranquilizar, basta dizer que se vetará cobrança de ingressos e cercamento caso os vereadores decidam ser mais realistas do que o rei e aprovem o que não foi planejado.

      Então o nazismo, por ser nacionalismo-socialismo, era de esquerda? Se era “socialismo”, era de esquerda? O “socialismo” de Hitler era o que se entendia por socialismo na época e hoje?

      Não. A má-fé no deslizamento semântico consiste em fazer essa aproximação. O “socialismo” de Hitler não era de esquerda, não era marxista, não era comunista. Odiava marxistas, comunistas e esquerdistas. Admitia a propriedade privada e a hierarquia social. Era um “socialismo” não socialista. Uma invenção de Hitler. Dizer que o nazismo era socialista, logo, de esquerda, significa manipular sentidos. Induz ao erro. Estado forte não é exclusividade de socialistas. Hitler era tão socialista quanto Pinochet e Geisel. O “socialismo” de Hitler era apenas uma ditadura racial de direita.

      O resto é oportunismo.