Eu já te vi, Porto Alegre, ao cair da tarde
Com o sol enrubescendo as águas do teu rio,
Que não é rio, mas flui até o mar.
Essa língua laranja ainda arde
Enquanto te vejo, cidade, passar
Alguns dias transida de frio
Outros, dourada, pela rua da Praia,
Que não tem praia, mas leva ao sol
Onde cada corpo como que desmaia
Entregue às brisas vindas de um arrebol.
Eu já te vi amanhecer clareando edifícios
Revelando em cada rua mil artifícios
Dessa beleza confessada aos que te amam
Só mostrada aos que todos os dias clamam
Por ver um pouco mais dos teus segredos
Nós, teus amantes, que deixamos os medos
E vamos te descobrir nos teus recantos,
Bares, praças, templos, cabarés, estádios,
Em que se despem esses eternos encantos,
Como um gol, como os ipês floridos
Amigos que voltam depois de anos sumidos,
Gaúchos pilchados, gurias nos seus ginásios,
A praça do general com seu apelido
A rua do marechal já esquecido
O beco de algum herói nunca vencido
Alto da Bronze dos anos de carmim
Velhas casas com pátio e jasmim
Glória, Cidade Baixa, Bom Fim.
Terra de Grêmio e Internacional,
Gigantes azuis e vermelhos,
Que nos servem de espelhos
Enquanto regamos tuas flores
E honramos as tuas cores
Com nossa límpida devoção.
Eu já te vi anoitecer no carnaval
Iluminando estátuas de poetas
Apagando o bem, o medo, o mal
Para nos consumir nas tuas festas.
Até o dia nos receber nos seus braços
Cobrindo de indulgência nossos passos,
Cidade sinuosa na qual me acho
Desde que em ti para sempre me perdi.