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Verão

Especial

A Milícia das Rosas

Imaginem um mundo gentil. Inteiramente gentil.

Não, não tem nenhuma erva diferente no meu chimarrão, hoje. Estou normal (eu acho).

Mas tente, pelo menos, imaginar. A cortesia, o cavalheirismo e a delicadeza tão naturais no ser humano quanto comer e dormir. Viveríamos, todos nós, tão ávidos de amabilidades quanto de sexo e café preto. Que tal?

Propaganda de carros sem ostentação e de cerveja sem mulheres quase nuas. Só com pessoas simples e gentis. Hein? Hein?

Certamente o mundo seria muito sem graça. Porque seria falso. Ou pelo menos tão fingido quando mentir que algo está bom, ou bonito, apenas para agradar a quem se quer - ou precisa - ser agradável. E olhe que nem sempre se mente assim por maldade, mas por compaixão, bondade ou gentileza. Parece mentira que mentir consiga ser tão nobre. Mas quem já não fez isto? Quem já não disse exatamente o contrário do que estava pensando apenas por um sorriso especial? Por um beijo? Ou, pelo menos, para não levar aquele tabefe?

Olhem bem esta foto, que escolhi para o texto de hoje: numa demonstração comovente de resistência pacífica, uma mulher palestina na aldeia de Bilin, perto de Ramallah, capital do Estado da Palestina, plantou um jardim cheio de flores cultivadas no interior de granadas de gás lacrimogêneo usadas recolhidas nos confrontos locais entre soldados israelenses e palestinos. A notícia foi divulgada há três anos.

Houve quem achou que era mentira. Houve quem achou que não era um gesto sincero. Lembrei de Geraldo Vandré: "Pelos campos há fome/ Em grandes plantações./ Pelas ruas marchando/ Indecisos cordões/ Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão/ E acreditam nas flores/Vencendo o canhão".

Certa vez, li uma crítica ao filme “A Invenção da Mentira” que o chamava de simplesmente genial, ou genialmente simples. Adorei a frase. É a história de um mundo onde não há mentira, onde só a sinceridade existe, até que um escritor a inventa e domina os demais, que acreditam nele. Ele só não consegue conquistar o amor.

Descontando as falhas, é um bom filme. Imaginem nossa ausência de gentileza ao dizer que aquela comida não está boa ao anfitrião? Ou que o vestido da mulher amada não está lindo? Ou que o nosso maior adversário político tem atos maravilhosos?

Impossível um mundo sincero. Mais impossível ainda um mundo cortês. Porém, um mínimo de sinceridade pode nos salvar. E um mínimo de gentileza. Não em palavras automáticas, como um “muito obrigado” distante, robótico e apenas funcional. Carinho não pode ser protocolar. Não pode ser mero movimento de lábios. Tem que ter o olhar, a expressão, o todo.

Seria lembrar o mínimo gesto, a frase essencial, o ajudar a atravessar a rua que o outro foi capaz, no silêncio, na surdina, apenas para ser gentil mesmo, de alguma forma, a qualquer momento. Seria jamais esquecer que houve alguém capaz de assumir uma pequena derrota, apenas para que vencêssemos. E então retribuir. Reconhecer. Saber, pelo menos, mostrar a quem fez que isto foi, sim, importante. Embora quase nada, embora anônimo, embora sem qualquer recompensa.

Não, isto não é utópico. É que andamos tão armados, sob tantos aspectos - ainda mais em redes sociais -, que machucamos muito, a todo instante, sem nos darmos conta. E talvez nos apavorássemos se uma milícia de rosas inundasse a nossa vida. E nos obrigasse a dizer, sinceramente curvados, que sim, preferimos a paz. Que amamos o amor.