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Verão

Especial

Quando se foram os brinquedos do meu guri?

Tem horas que penso, certas coisas na vida deveriam ter data. Pra gente se dar conta, lembrar. É para isto que servem, no fundo, os aniversários, os dias das mães, dos pais, das crianças e etc. Tá, tem a coisa comercial. Mas se não tivermos uma data que nos obrigue a parar para lembrar de algo, ou alguém, passamos reto pelos dias, absortos em nossa sempre apressada e justificável indiferença, sem tempo para nada. Muito menos para lembrar ou perceber.

Embora eu admita: as melhores transformações que acontecem na vida da gente chegam sem ruptura. Sem trauma. Elas simplesmente vão chegando e, quando nos damos conta, estão ali.

Ainda ontem, muito ontem, eu era um menino. Não posso ser mais. Nem que eu queira mais do que tudo, não posso. E fui deixando de ser menino aos poucos (aos 46, ainda estou deixando de ser menino).

Ainda ontem meu pai estava aqui. Ele se foi aos poucos. Ainda está partindo, em mim.

Mas ainda ontem, e num ontem mais próximo, meu filho do meio brincava. E eu lhe comprava super-heróis, personagens de desenhos animados, carrinhos, bolas coloridas, ovos de Páscoa com brinquedinhos dentro.

Hoje, um garoto prestes a fazer quinze anos me mostra a prova de matemática, fica um tempo no seu quarto tocando Johnny Cash ou Gun"s. Depois me desafia para intermináveis partidas de xadrez e coloca um CD de música clássica. Ele tem a voz quase grossa, naquela metamorfose sonora típica da idade. Ele já está mais alto que eu (mas isso também qualquer um fica sem muito esforço).

Como todo adolescente, deixa o quarto uma bagunça. Cansei de dar ordens e fiz uma intervenção como não fazia há anos. Fui lá, tomar as rédeas da arrumação. Como censura. Para que se tocasse.

No meio da arrumação do quarto do meu filho, me dei conta que não há mais brinquedos ali.

Em que momento, mesmo, os brinquedos do meu filho se foram?

Eram tantos!

Não percebi. Não parei para ver o exato instante em que a criança se tornou homem. Fiz essa pergunta a ele, que me respondeu não saber direito, apenas que de repente aqueles brinquedos inseparáveis não eram mais inseparáveis e foram desaparecendo.

- Sei lá. Alguns estão com o João, dei pra ele. - o Gê me informa, sem dar muita importância à minha aflição repentina.

Nos brinquedos do meu filho mais novo, dez anos mais novo, reconheço alguns carrinhos e bonecos. Poucos, muito poucos. Vejo mais os que comprei recentemente. Uma melancolia me assalta de súbito.

Os brinquedos são seres vivos no mundo infantil. Precisam ser tratados e respeitados exatamente assim, como elas, as crianças, os enxergam. A maturidade e o tempo foram se chegando como um monstro invisível, uma vegetação rasteira e lenta que, com seus galhos e espinhos, tomou conta do que antes era o azulejo brilhante da inocência infantil.

O tempo levou minha criança e deixou um homem. Eu, desatento, não pude fazer nada.

Onde estarão os brinquedos do João, daqui a pouco tempo? Eu me pergunto e me aflijo. Quero abraçar e beijar meu pequeno e aproveitar o máximo enquanto ele ainda é criança, ainda conversa com seus bonecos e carrinhos, ainda acredita nas coisas mais belas e banais da vida, aquilo que surge com tantas cores e luzes que, ao nos tornarmos adultos, chamamos de bobagens.

Talvez precise ficar mais atento ao tempo, ainda que nada possa fazer contra ele.