O Dirceu era daquele jeito, quieto. Sentava num canto do café e ficava só ouvindo a conversa dos amigos. De repente levantava e, pum!, mandava. Uma palavra só, daquelas que ninguém conhecia, e virava as costas. Sem tempo para réplicas. Foi o que fez naquela manhã:
- Rubicundos!
Todos olharam para a TV do bar. Mais um escândalo em Brasília? Não, comercial de lingerie. Então o Ciro quis ir atrás e a turma do deixa-disso teve que acalmá-lo. Mas o Dirceu era assim. Falava e se mandava. Só o Boi decidiu não deixar barato.
- É a mãe! - gritou.
Ninguém sabia porque o Boi tinha aquele apelido. Boi. Muito menos se tinha coragem de perguntar. Vai que, né. E o Boi tinha sido campeão de luta livre e ainda parecia ter jeito pra coisa. Tamanho pra coisa. No ringue, diziam, era imbatível. O Gorila do Cafundó. Agora, era só o Boi. Só não se sabia o porquê. Ele não dizia. E ninguém fazia questão de perguntar.
O Teixeira virou o café, nervoso.
- Olha o que ele fez. Ora essa, Rubicundo! Quem é o Dirceu para ficar chamando os outros de rubicundo?
- Tá. Mas o que é rubicundo? - perguntou o Noronha.
Os outros resmungaram. Sempre ele, com pergunta difícil.
- Ué, você não sabe o que é rubicundo?
O Noronha fez cara de quem não sabia, mas queria saber. "Ciro, explica aí pra esse ignorante", resmungou o Teixeira. O Ciro olhou pro Agenor. Que olhou pro Fabrício. Que olhou pro Boi e achou melhor deixar assim. Nunca se sabe o que pode ser rubicundo. Ou Boi.
- Procura no dicionário, oras, sentenciou alguém.
O Noronha se retirou, reclamando.
- Vai ver vocês também não sabem. Ou são todos uns baitas rubicundos. Rubicundos enrustidos!
Na manhã seguinte, no café, todos lá. O Boi, o Agenor, o Teixeira e o Ciro. Dirceu num canto, só ouvindo. Ninguém tocou no assunto do rubicundo. O Noronha chegou mais tarde e ocupou a sua cadeira de sempre. Agora era ele quem sorria: tinha comprado um dicionário. Queria ver só a cara do Dirceu e largou, em alto e bom tom.
- Rubicundo? Sabem o que é? Hein? Hein?
Silêncio.
- Querem saber o que é rubicundo? - e ele abriu o dicionário - Sujeito avermelhado! - disparou, encarando e apontando o indicador para o Dirceu.
- Só isso? - houve um muxoxo geral.
Só, afirmou. Tá aqui, no dicionário. Corado, vermelho, vermelhão. A mesa fez um gesto de alívio. Abraçaram o Dirceu, ô sujeito inteligente este, baluarte da nossa cultura! Paga um café pra ele, disse o Teixeira. O Boi, então, parecia o mais aliviado de todos. Pelo menos rubicundo não era...
Mas o seguiu Dirceu daquele jeito. Quieto. Até que levantou, pigarreou e, vapt!
- Acatéticos! – disparou.
E se mandou. Sem tempo para réplica.
Mal saiu da sala, o Boi pulou no pescoço do Noronha.
- Cadê o dicionário? Traduz, aí! Traduz!
Ninguém tirou o Boi do pescoço do Noronha. É que ele ainda tinha jeito – e tamanho – pra coisa. E vá saber o que quer dizer acatético? Ou Boi?