Uma grande rede de varejo decidiu que no próximo programa de trainees contratará apenas negros. Eu vejo uma atitude antipática, que distancia, no lugar de aproximar, e que seria igualmente antipática se a decisão fosse em sentido oposto, de contratar apenas brancos. A primeira pergunta: aos que viram com bons olhos, teriam a mesma opinião se a opção fosse dar preferência a brancos em detrimento de afrodescendentes?
Quando decide orientar a contratação pela cor da pele, uma empresa pode desperdiçar talentos que tenham ascendência oriental (amarelos), indígena (vermelhos) ou caucasianos (brancos). O mesmo ocorreria se trocássemos negros por qualquer um dos grupos acima mencionados – não gosto do conceito de raça, somos todos humanos. A empresa correria sérios riscos de abrir mão, por exemplo, de um talento negro (ou afrodescendente). Sendo uma empresa privada, perder gente qualificada não é problema meu, mas de donos e acionistas. Se mal gerida, uma empresa quebra, seja o administrador um branco, um negro ou um amarelo. Há outros elementos. Quando decide imprimir este tipo de escolha em um processo seletivo, colhe-se simpatias, mas também rejeição. Não foram poucas as manifestações, especialmente em redes sociais (este grande trombone em que todos berram), que defenderam boicote ao Magazine Luiza. É o mesmo efeito que colhe a Havan, neste caso por razões políticas. Alguns tornaram-se clientes fiéis. Outros, mais à esquerda, se recusam a pisar em uma loja que tem a estátua da liberdade à frente.
Reforço o que já escrevi em outras ocasiões: entramos em um caminho perigoso. Como a Magazine Luiza vai definir se um candidato é negro ou não? A pergunta pode parecer absurda, mas universidades instituíram “tribunais raciais”, com a intenção de avaliar fenótipo e ver se um determinado aluno se enquadrava ou não no sistema de cotas vigente. A grande rede de varejo fará o mesmo? E se algum candidato tiver mãe negra e pai branco (ou o oposto)? Ele se enquadra nos critérios de seleção? Valerá ou não a autodenominação?
Uma empresa, ao definir quais serão seus colaboradores, estabelece critérios. A exigência ou não de curso superior, o domínio de uma ou mais línguas estrangeiras, saber utilizar determinadas ferramentas na área de tecnologia da informação, entre outros. São todos critérios com caráter excludente. Colocar a cor da pele entre eles é legítimo (embora uma discussão jurídica tenha iniciado) desde que seja feito entre entes privados. Qual é o ponto: sem que exista imposição estatal, por força de lei, como ocorre no sistema de cotas para concursos públicos ou seleção de ensino, sem problemas a meu ver. Já manifestei minha opinião: acredito que outros critérios são muito mais válidos e valiosos, independentemente do grau de melanina na pele – dedicação, empenho, responsabilidade, talento. Em resumo, mérito.
Decisões como a da empresa em questão trazem, ao menos, um benefício: geram debate. Mas talvez fique por aí o saldo positivo. Vejo também potencial para gerar discórdia e, em casos extremos, alimentar a segregação. Já vivemos e sabemos o que regimes como o nazismo e o apartheid são capazes de produzir. Classificar a decisão do Magazine Luiza como racismo talvez seja um exagero. A empresa não está dizendo que pessoas negras são melhores ou piores. Apenas decidiu dar preferência a um determinado grupo na hora de contratar, assumindo eventuais riscos pela tomada de decisão.
Em suma, estamos falando de relações privadas. Muita gente sugeriu intervenção do Estado no assunto, o que é absurdo. Fica aberta a porta, porém, para uma provocação, com a intenção de gerar debate: e se uma determinada família decide contratar uma empregada doméstica e determina que a vaga será obrigatoriamente preenchida por uma candidata negra? É racismo? Preconceito? Discriminação? E se a opção fosse por uma pessoa branca, para limpar a casa, cozinhar e organizar um lar? Racismo? Preconceito? Discriminação? O debate surge porque ainda temos a visão confusa por enxergar explorador e explorado, quando na verdade nada mais é do que uma relação de trabalho, desde que ocorra dentro daquilo que estabelece a lei e, obviamente, com o respeito mútuo entre os envolvidos. Temos um longo caminho a percorrer.
Guilherme Baumhardt