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Especial

A ciência é a resposta para o coronavírus

No mundo todo, estudos vão desde a criação de uma vacina para a Covid-19 até a busca por um medicamento efetivo

| Foto: Flávio Fontana Dutra/Divulgação

A pandemia do novo coronavírus tem desafiado pesquisadores de diversos países. No mundo inteiro, nesse momento, milhares de cientistas trabalham para desvendar os mistérios da Covid-19. São estudos de diferentes áreas, que vão desde a criação de uma vacina para a doença até a busca por um medicamento efetivo ou métodos que possam agilizar os tratamentos de pacientes em estado grave.

Apesar de toda essa movimentação, a ciência se desenvolve em processos normalmente demorados. As pessoas se perguntam por que ainda não existe uma vacina, por exemplo, mas é preciso lembrar que as pesquisas demandam tempo, assim como investimento. Mesmo assim, algumas iniciativas já são conhecidas. No Brasil, o Ministério da Saúde reuniu em um só documento evidências científicas de todo o mundo relacionadas à prevenção, diagnóstico, tratamento e monitoramento de pacientes infectados.

Além de concentrar tudo o que se sabe sobre a doença até agora, o documento apresenta as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e deverá ser atualizado pelos especialistas sempre que surgirem novos dados. A publicação “Diretrizes para diagnóstico e tratamento da Covid-19” apresenta orientações tanto para a atuação dos profissionais de saúde quanto para prevenção à doença pela população.

Já existe um protocolo de atendimento com o que se sabe até agora, mas isso não quer dizer que as orientações não possam mudar. Aliás, desde a descoberta dos primeiros casos em outros países, até o momento, diversas determinações já foram alteradas. Como se trata de um vírus novo, até mesmo os especialistas estão aprendendo o que deve ser feito ou não. É o caso, por exemplo, do uso das máscaras para proteger pessoas saudáveis. No primeiro momento, a orientação era não utilizar máscaras, pois não seria efetivo. Nos últimos dias, a recomendação seguiu outro rumo, com os especialistas indicando a confecção e o uso.

Dia após dia, aparecem novos resultados de pesquisas ao redor do mundo. São muitas perguntas, poucas respostas e muito estudo para que os questionamentos, enfim, sejam efetivamente respondidos. Com base, é claro, única e exclusivamente em evidências científicas.

O Brasil é um dos países que vêm produzindo pesquisas voltadas ao combate ao novo coronavírus, especialmente nas universidades. A professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Ester Sabino e a virologista Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP, foram as responsáveis por liderar o grupo que sequenciou o genoma do primeiro caso de coronavírus no Brasil. No dia 26 de fevereiro deste ano, enquanto a população recebia a notícia do primeiro caso de coronavírus confirmado no Brasil, a equipe do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, iniciava o sequenciamento do vírus.

O trabalho foi reconhecido mundialmente pela velocidade de resposta da equipe. Conforme Ester, o sequenciamento rápido só foi possível graças aos avanços da tecnologia, que atualmente permitem que os resultados sejam conhecidos, em média, após 24h. “O que a gente fez para fazer tão rápido foi estarmos organizados, no lugar certo e na hora certa para poder fazer o sequenciamento. Por isso que saiu tão logo o primeiro caso foi notificado”, ressaltou a professora.

Em entrevista ao podcast A Terra é Redonda, da revista Piauí, Jaqueline explicou que no material genético estão todas as informações sobre a forma do vírus e sua função, incluindo a estrutura das proteínas de superfície que vão ser utilizadas para o vírus entrar na célula-alvo, para se conectar a ela. “Entender o genoma do vírus permite que a gente consiga prever o que vai acontecer com a pandemia. É como se nós revelássemos os segredos do vírus. Então, a partir daí, é possível subsidiar estudos para vacinas, estudos para medicamentos e também os setores de saúde podem se mobilizar para a tomada de novas decisões.”

A equipe, conforme Ester, continua realizando sequenciamentos. “Esse é um projeto de entendimento de epidemias, mas as sequências só fazem sentido depois que você junta um grande número delas, para poder fazer qualquer tipo de análise. No mundo todo, muitas pessoas estão fazendo a mesma coisa que a gente, já existem mais de 4 mil sequências de todo o mundo depositadas e elas ajudam a entender como o vírus está evoluindo e divergindo nos vários lugares do mundo.”

Quando não conhecemos uma doença nova, conforme Ester, a única forma de entendermos como ela funciona é através da pesquisa. “Por isso a ciência é fundamental, não teríamos como saber como é a doença, que tipo de medicamento pode funcionar, como desenvolver vacinas, realizar testes, sem pesquisa. Ela serve para responder a todas as perguntas que a gente quer saber sobre o vírus”, definiu. Especificamente sobre a ciência no Brasil, Ester enfatizou que ela é feita por pessoas muito persistentes. “Porque existem muitas dificuldades, principalmente financeiras, então temos um grupo de cientistas que se esforça para fazer ciência, mesmo não dispondo dos mesmos recursos como na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, onde as condições de pesquisa são muito melhores”, comparou.

A atuação de Jaqueline na Vigilância Genômica (processo de identificação do vírus e de conhecimento do genoma) consiste em monitorar as variações genéticas que um determinado vírus sofre e que impactos isso pode ter para a saúde pública. Sobre a capacidade da ciência brasileira de fazer frente a desafios como esta pandemia da Covid-19 que se apresenta atualmente, Jaqueline diz que a ciência brasileira é uma ciência de cérebros. “Temos muitos indivíduos com uma capacidade cognitiva e científica altíssimas no país, mas infelizmente a gente não tem investimento e a gente não tem a sensibilidade e, eu diria, a inteligência talvez, para manter esses indivíduos no Brasil.”

Vacinas

A OMS divulgou, no último dia 11, que três vacinas estavam em estudos clínicos com teste em humanos, de um total de 70 que estão sendo pesquisadas. O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, afirma que existem muitas vacinas candidatas mas, “até chegar a uma vacina para uso na população temos um tempo bastante longo”. Em geral, segundo ele, para uma vacina chegar até sua utilização leva em torno de 10 anos. A diferença, no caso da pandemia, é que os diversos processos poderiam ser acelerados mas, conforme Cunha, devemos aguardar pelo menos um ano até que isso realmente aconteça.

A produção de uma vacina convencional passaria pela fase pré-clínica, quando ainda são realizados testes em animais, depois começam pelo menos três fases diferentes, com testes em humanos, até o licenciamento. “A Covid-19 nos mostrou uma rapidez muito importante em vários aspectos, tanto da produção científica quanto da própria disseminação. Temos a pandemia da doença e uma pandemia de informação. Nunca tivemos tanto trabalho científico publicado em tão curto espaço de tempo. Já existem mais de 2 mil artigos sobre a doença, isso nunca foi visto antes”, comenta.

Por mais otimista que possamos ser, segundo Cunha, não se imagina que possa haver, antes de 2021, vacinas disponíveis. “Sabemos de algumas que já estão em fases de testes, mas mesmo assim vamos ter que fazer isso mais rápido e muitas vezes pular alguns passos ou fazer em conjunto.” Além disso, Cunha reitera que existem diversos fatores que, futuramente, também serão desafios. “Temos várias candidatas, várias plataformas sendo desenvolvidas, mas elas primeiro precisam se mostrar eficazes em animais para depois começarmos a utilizar em humanos. Além da eficácia, precisamos considerar a segurança e todos esses passos precisam ser demonstrados.”

Trabalhando com a ideia de que algum país consiga chegar a uma vacina de forma mais rápida do que o usual, de qualquer forma, segundo Cunha, seria necessário que a indústria fosse capaz de desenvolver aquela tecnologia em larga escala. “Isso seria muito caro e, junto com isso, a gente imagina que também teria uma dificuldade para o futuro: quem poderia comprar? A vacina seria produzida em quantidade que pudesse ser utilizada por toda a população?”, questiona.

Supondo que um país desenvolva uma vacina que seja eficaz e segura, ainda seria necessário verificar a possibilidade para a produção em massa. “Mesmo que a gente tivesse sucesso em tudo isso, a prioridade é a população do próprio país. Não é só o desenvolvimento da vacina, são outros desafios importantes depois”, lembra, reforçando que, se os Estados Unidos, por exemplo, conseguirem chegar a uma vacina viável, provavelmente teriam que produzir para a própria população, chegando a pelo menos 328,2 milhões de doses.

Até o momento, segundo Cunha, existem testes relativamente avançados para vacinas nos Estados Unidos e na China. “Ainda não há nenhuma que podemos dizer que é segura e eficaz. Nenhuma dessas candidatas foi eleita. Não adianta nada ter uma vacina eficaz, que não seja segura, e vice-versa.” A grande maioria das vacinas, segundo ele, não tem uma eficácia que chega a 100%. E ainda sobre a possível vacina contra o novo coronavírus, não se sabe se a necessidade de aplicação será de uma dose ou mais para que seja possível chegar a uma proteção adequada.

A vacina vai simular a doença natural. A vacina do sarampo, por exemplo, é de vírus atenuado, ou seja, é o vírus do sarampo enfraquecido. “Ela vai fazer o organismo produzir os anticorpos, é uma vacina atenuada. A da Hepatite B já é uma vacina inativada produzida por engenharia genética, funciona da mesma forma, vai fazer o organismo da pessoa criar anticorpos, para quando tiver contato com o vírus natural, o organismo já tenha anticorpos”.

O grande problema, segundo Cunha, é chegar a uma vacina que leve a uma produção de anticorpos e que, ao mesmo tempo, seja segura. A vacina teria que ser muito atenuada para não causar a doença, mas produzir os anticorpos. Se ela for inativada, não há o risco de a vacina causar a doença, mas em geral é preciso mais doses para conseguir a mesma proteção que uma atenuada consegue. “Então, tudo depende da tecnologia que vai ser utilizada em relação às vacinas, mas todas funcionam da mesma forma, fazem com que o organismo já esteja preparado para quando tiver contato com o vírus ou bactéria, fazendo com que os anticorpos consigam impedir a disseminação.”

Cunha cita um estudo realizado na Irlanda, que indica que a administração da vacina BCG, que no Brasil é aplicada nos bebês logo após o nascimento, poderia estar associada a um quadro mais leve da Covid-19 e menor mortalidade. “Já se sabia que a BCG tinha efeitos, que chamamos de inesperados, de proteção para outros quadros virais, já se tinha essa informação, talvez isso seja interessante, tomara que isso se confirme e que possa oferecer alguma proteção para a nossa população”, destaca.

A OMS informa, porém, que, até o momento, não há evidências de que a vacina BCG proteja as pessoas contra a infecção pelo novo coronavírus. Dois ensaios clínicos que abordam essa questão estão em andamento e a OMS avaliará as evidências quando estiverem disponíveis. “Na ausência de evidências, a OMS não recomenda a vacinação com BCG para a prevenção da Covid-19. A OMS continua recomendando a vacinação neonatal contra BCG em países ou locais com alta incidência de tuberculose”, diz posicionamento da organização publicado no dia 12 de abril.

Produção da vacina no Brasil

O professor titular de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração, Jorge Kalil, que coordena a pesquisa para o desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus no Brasil, explica que o que se quer com a produção de uma vacina é que o vírus seja eliminado. “Precisamos impedir que ele entre nas células, precisamos neutralizar o vírus, porque se ele não entrar na célula não vai conseguir sintetizar as suas proteínas”, diz.

No caso do Sars-Cov-2 (novo coronavírus), conforme Kalil, os pesquisadores já sabem que são as proteínas da espícula (aquela saliência que tem “formato” de coroa nas bordas do vírus) que grudam na célula. “E tem uma parte daquela espícula que gruda em outra proteína do corpo humano. Se nós conseguirmos desenvolver anticorpo contra aquela parte, vamos neutralizar o vírus”, ressalta, reforçando que esta é uma explicação bem simplificada.

Kalil destaca que na pesquisa em andamento já foi possível sintetizar in vitro, no laboratório, algumas proteínas que, quando estão juntas, se acoplam entre elas e formam uma partícula igual ao vírus, só que não é o vírus. Isso seria o que os cientistas chamam de “partícula semelhante ao vírus” ou “Virus-Like Particles (VLPs)”. O organismo humano, quando entra em contato com as VLPs, produz uma forte resposta imunológica. Agora, os pesquisadores já estão em outra etapa do estudo, que envolve acrescentar, nessa VLP, pedaços de proteínas da espícula do vírus. “Queremos induzir anticorpos contra a espícula. Na vacina, teremos a VLP e as partículas de proteína, então fazemos experimentos. Essa é a forma de produção da vacina no Brasil. “Temos que fazer experimentações, não é só uma questão teórica.”

Atualmente o grupo está construindo as VLPs com proteínas das espículas, as estruturas que recobrem o vírus, para iniciar os testes em animais, provavelmente no próximo mês. “Acreditamos que essa estratégia deverá desencadear uma resposta imune mais forte e duradoura do que aquelas que usam isoladamente proteínas do vírus ou material genético viral. Além disso, as VLPs são mais seguras do que vacinas que usam o vírus completo, ainda que atenuado. Como elas não contêm material genético do vírus, não há o risco de que se multipliquem depois de injetadas no organismo”.

Apesar de afirmar que trabalhar com prazo, nestes casos, é algo complicado, Kalil reforça que, depois de começar a experimentação em animais, “dando certo como pensamos que vai dar”, até o fim do ano ou começo do ano que vem, iniciam os testes em humanos. “Está todo mundo na mesma corrida”, define.

Medicamentos 

Existem ainda muitas dúvidas sobre o uso de medicamentos no tratamento da Covid-19. Até o momento não há consenso nem mesmo entre os pesquisadores. A professora do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Ana Paula Hermann explica que a produção de um novo medicamento envolve muitos processos e leva bastante tempo. “Não é algo muito simples, em geral o processo para desenvolver um medicamento inédito leva em média de 10 a 20 anos, são muitos anos de pesquisa”, afirma.

Tudo começa com a parte mais distante do ser humano, os experimentos in vitro, em células ou em proteínas isoladas. Nesta fase, conforme Ana Paula, são investigados os candidatos a fármacos, vários são pesquisados e alguns vão adiante, como mais promissores para ensaios pré-clínicos em animais, em geral ratos e camundongos. “Desses candidatos, alguns apenas vão ter sucesso nessa parte pré-clínica, que avalia eficácia e segurança do fármaco. Depois dessa parte, tem a etapa clínica, que na verdade são três fases antes de os medicamentos chegarem às prateleiras. Cada fase tem as suas peculiaridades, cada vez com um número maior de pacientes”, detalha. Após todos esses diferentes momentos da pesquisa, a indústria farmacêutica, que em geral é quem está por trás dos estudos clínicos, submete às agências reguladoras, no caso do Brasil à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um pedido para que o medicamento seja aprovado.

“Essa análise leva bastante tempo, muitas vezes mais de um ano no Brasil”, comenta. Conforme Ana Paula, a Legislação prevê prazo de 180 dias para medicamentos em condição prioritária, como seria o caso do combate à pandemia do novo coronavírus. “Mas considerando todo o tempo que já se passou, antes de chegar o medicamento, se seguirmos nesse ritmo geral, já não vai mais ter uma pandemia, não haverá mais pacientes para serem analisados nessas fases todas. Ou seja, para o novo coronavírus é praticamente inviável, considerando o tempo em que as coisas acontecem”, declara.

Devido a todos esses processos, não deve ocorrer o desenvolvimento de um fármaco novo, pois ele não trará resultados práticos e imediatos. “Por isso, o que está se investigando são aqueles que já existem e que, por algum motivo, podem ter eficácia contra o novo coronavírus. Assim, são feitas testagens para uma segunda, terceira ou quarta indicação. A gente chama isso de redirecionamento de fármacos, que é basicamente um atalho.” Nos testes que vêm sendo realizados, são utilizados medicamentos que os pesquisadores já sabem que, por exemplo, se forem usados por via oral serão absorvidos de tal forma. “O caminho que o fármaco faz no organismo já foi estudado, então cortamos alguns passos, é como se estivéssemos usando um fármaco já conhecido para uma indicação nova e isso é bem mais rápido.”

Hoje, maioria dos fármacos que estão sendo investigados para o novo coronavírus são antivirais como o tocilizumabe (o anticorpo monoclonal da Roche, bloqueia o receptor de uma molécula inflamatória que pode piorar a fase inflamatória da Covid-19), o remdesivir (antiviral inicialmente desenvolvido para tratar a doença por vírus Ebola), o lopinavir/ritonavir (associação usada para tratar HIV) e o favipiravir (antiviral desenvolvido no Japão). “Tem outros antivirais ainda em teste e outros fármacos também. Destaco os antivirais pois tem mais plausibilidade biológica de funcionar contra um vírus, são substâncias que têm atividade contra algum vírus”, destaca.

Este é o “atalho”, como Ana Paula define, utilizado ao redor do mundo para buscar um medicamento que seja eficaz no tratamento à Covid-19. “De pelo menos uma década de espera, estamos baixando para meses para ter a conclusão de um ensaio clínico com número adequado de pacientes.” Ela explica que, como estamos vivendo uma situação que não é normal, não é preciso esperar todo o processo de aprovação e de submissão de resultados ao órgão regulador (Anvisa, no caso do Brasil) porque é possível utilizar o uso emergencial. “Tem também o uso fora da bula. Qualquer médico tem o direito de prescrever um fármaco se achar que existem evidências que indiquem a segurança e a eficácia para aquele paciente naquela condição”, ressalta.

Para que um ensaio clínico seja confiável, segundo Ana Paula, é necessário recrutar um número significativo de pacientes, pois em grupos pequenos a pesquisa não vai encontrar uma resposta, visto que mais de 90% dos pacientes, mesmo aqueles que estão internados, devem se recuperar mesmo sem fármacos. “Se poucos pacientes forem tratados, não é possível identificar diferenças entre os grupos. É necessário um número adequado de pacientes, que foram diagnosticados com o novo coronavírus. A partir disso, um grupo recebe o tratamento que está sendo investigado e o outro grupo tem que receber um placebo ou não receber nada, para que se possa comparar.”

Ao mesmo tempo, os pesquisadores devem definir qual será o desfecho usado como padrão. Pode ser o óbito, por exemplo, considerando que faleceram mais pacientes em um grupo do que no outro, ou então as complicações, indicando que os pacientes tiveram quadro menos grave ou ficaram menos tempo internados devido ao uso de algum medicamento. “Se define qual vai ser o desfecho analisado e se acompanha os pacientes desde a entrada no estudo até, em geral, pelo menos 7 a 14 dias, para se verificar esses desfechos e ver se tem diferença entre os grupos.”

Tendo o resultado de um ensaio clínico confiável, conforme Ana Paula, não seria preciso esperar o processo normal de aprovação. “Assim que sair a evidência, o uso seria quase imediato. O problema é o acesso a esses fármacos. A cloroquina, por exemplo, o Brasil tem condição de produzir, outros fármacos seria mais difícil, depende de produção fora do Brasil, depende de uma única indústria farmacêutica, então pode ficar mais difícil para que isso seja difundido a toda a população”, comenta. Dependendo de qual seja o fármaco mais promissor, o acesso para a população brasileira vai ser mais ou menos facilitado. Sobre as possibilidades em torno da cloroquina ou hidroxicloroquina, a pesquisadora ressalta que não há ensaio clínico conduzido adequadamente para que tenhamos confiabilidade nos resultados.

Ana Paula lembra que, no Brasil, quem está conduzindo ensaios clínicos com fármacos são pesquisadores associados a hospitais e universidades. Também está em andamento um grande ensaio clínico conduzido pela OMS, que trabalha com diversas alternativas de medicamentos ao redor do mundo.

Publicação imediata

O padrão na ciência é que o grupo de pesquisadores que conduz um estudo publique os resultados em uma revista científica, descrevendo as conclusões obtidas. No entanto, esse processo da submissão até a disponibilização do manuscrito on-line pode levar meses. O que tem acontecido em meio à pandemia é a publicação de artigos “pré-publicação”, ou seja, eles são disponibilizados em plataformas virtuais imediatamente, para que a comunidade científica possa ter acesso. “Depois de estar disponibilizado nessas plataformas, esse artigo pode acabar sendo submetido em uma revista, em geral acessamos esses artigos por plataformas de base de dados como Pubmed, plataformas que usamos normalmente para encontrarmos artigos científicos. Essa é uma das ‘coisas boas’ que a pandemia pode trazer. Até antes disso, a publicação imediata dos resultados era algo relativamente raro”, comenta. Conforme ela, alguns grupos de pesquisadores declaram que essa publicação imediata é importantíssima, não só com relação ao novo coronavírus.

“Não é só a Covid-19 que é importante, é o que importa agora, mas também é importante que a gente tenha o resultado o mais rápido possível para outras pesquisas, relacionadas a outras doenças. Essa mentalidade de disponibilizar assim que possível porque é um assunto em que o tempo importa, espero que seja mantida para o futuro também, que seja uma prática que ganhe espaço”, reitera.

Quando um artigo é publicado imediatamente, segundo Ana Paula, ele não foi revisado e pode ser que alguns erros sejam verificados. “Mas quando é um assunto que tá bastante em alta, a comunidade faz avaliação imediatamente, começa a colocar comentários, também é um processo mais dinâmico, rápido e transparente, porque os comentários ficam visíveis.”

Mesmo com a publicação imediata dos estudos, até o momento Ana Paula reforça que não há resultado para nenhum fármaco que permita a aplicação em larga escala na população. “Precisamos esperar os resultados dos ensaios que estão em andamento e isso pode sair a qualquer momento”, declara.

O Ministério da Saúde acompanha o desenvolvimento de nove ensaios clínicos realizados no país para testar alternativas no tratamento de pacientes com o novo coronavírus. Participam destes estudos mais de cem centros de pesquisas, como universidades e hospitais, reunindo 5 mil pacientes com quadros leves, graves e moderados. Ainda neste mês, a expectativa é que resultados preliminares sejam divulgados, abrindo a possibilidade do uso de novos medicamentos e terapias no cuidado de pessoas infectadas pela Covid-19.

“Estão em curso vários ensaios clínicos para testar esses medicamentos. Teremos resultados preliminares ainda no mês de abril para oferecer terapias seguras e eficazes para a população. Temos que pautar as nossas decisões baseadas em evidências científicas”, destaca o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Denizar Vianna. Os principais medicamentos utilizados nos estudos são a cloroquina e a hidroxicloroquina, associadas ao antibiótico azitromicina, já usadas contra a malária e doenças autoimunes, a combinação de remédios contra o HIV, formada por lopinavir e ritonavir, a combinação de lopinavir e ritonavir em conjunto com a substância interferon beta-1b, usada no tratamento de esclerose múltipla, e o antiviral remdesivir, desenvolvido para casos de Ebola.

Também deverão iniciar estudos com o corticosteroide dexametasona, com o inibidor de interleucina-6-tocilizumabe e com plasma convalescente, que, em outros países, têm sugerido resultados promissores para combater a infecção viral por meio de seus anticorpos. O chamado plasma convalescente é a parte líquida do sangue que pode ser coletada de pacientes que já se recuperaram da infecção por coronavírus. Um dos grupos de pesquisa no Brasil, chamado Coalizão Covid-19 Brasil, é formado por hospitais integrantes do Proadi-SUS, como Albert Einstein, HCor, Sírio Libanês, Moinhos de Vento e Alemão Oswaldo Cruz, além da Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (Rede BRICNet) e da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Outra linha de pesquisa é desenvolvida a partir do Ensaio Clínico Solidarity, da OMS, no qual o Brasil, junto com 45 países, investiga a eficácia de medicamentos no tratamento da Covid-19. No Brasil, o estudo é coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Também está sendo acompanhada a pesquisa da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, em Manaus (AM).

De acordo com a diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Camile Sachetti, há um acompanhamento diário das pesquisas mundiais que estão sendo desenvolvidas, bem como as publicações em periódicos internacionais sobre novas possibilidades de tratamentos e vacinas para o tratamento da Covid-19. Ela destaca que, apenas no fim do dia 11, pelo menos 20 artigos foram publicados mostrando diferentes medicamentos que estão em investigação.

Fiocruz disponibiliza informações sobre pesquisas relacionadas à Covid-19

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) disponibiliza, no próprio site, uma parte dedicada exclusivamente aos pesquisadores. No site portal.fiocruz.br/coronavirus-2019-ncov-informacoes-para-pesquisadores, a Fiocruz reuniu uma série de links referentes às fontes de informações mais importantes sobre a epidemia, para facilitar a circulação do conhecimento e ajudar a comunidade científica a ficar a par das últimas novidades sobre a doença.

As bibliotecas da Fiocruz estão oferecendo serviço sobre a Covid-19 para pesquisadores. São quase 3 mil publicações de fontes de informação científica nacionais e internacionais, incluindo bases como Dynamed, UpToDate, MEDLINE, Portal CAPES, Lancet e ARCA, entre outras. No site da instituição também é possível localizar um compilado de mapas situacionais da doença, orientações técnicas, boletins e relatórios situacionais, revistas científicas e outras fontes de informação técnica, além de redes de pesquisa e plataformas de compartilhamento.

A instituição também lançou a Plataforma Temática sobre a Covid-19, com mais de 5 mil publicações. Desenvolvida no Zotero, um software livre e gratuito utilizado para gestão e compartilhamento de referências, por meio de uma cuidadosa curadoria, a plataforma reúne uma variedade de publicações (artigos, teses, dissertações, pesquisas, protocolos, diretrizes, guidelines, relatórios, cartilhas, podcasts, entre outros), sites, redes de pesquisa e plataformas de compartilhamento associados à produção técnico-científica nacional e internacional, de forma sistematizada.

*Foto: Flávio Fontana Dutra/Divulgação

Jessica Hübler