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“Bem-estar animal não é moda”

Raquel Cannavô, fiscal agropecuária do Estado do Rio Grande do Sul, defende, há sete anos, a geração e aplicação de leis que assegurem o tratamento digno aos animais de criação encaminhados ao abate. Com perfil no Instagram, onde informa sobre a atividade, ela garante que há evolução ética entre as empresas para adoção das práticas de bem-estar animal, mas diz que ainda faltam meios para punir os infratores

| Foto: Elene Motta / Divulgação

Há quanto tempo a senhora trabalha como fiscal agropecuária no Estado Rio Grande do Sul?
Há sete anos. Estou como fiscal agropecuária a serviço do Estado do Rio Grande do Sul desde fevereiro de 2015, quando fui nomeada por concurso para a fiscalização e inspeção de produtos de origem animal.

Como uma pessoa como a senhora, com alta sensibilidade para o bem-estar animal, consegue lidar com o ambiente e as atividades de um abatedouro?
É a parte mais difícil da atividade. Quando comecei a trabalhar, nunca havia estado em um abatedouro. Para quem se importa, olhar nos olhos do animal momentos antes da insensibilização (procedimento que torna o animal inconsciente para o abate propriamente dito) é muito difícil. Eu chorava muito. Mas em um momento virou a chave. Eu reconheci que aqueles animais seriam abatidos se eu estivesse ali ou não. E me perguntei se seria melhor serem abatidos na presença de alguém que se importa com eles, porque só quem se importa busca minimizar o sofrimento. Foi a partir daí que passei a bater nesta tecla e procurar cumprimento das legislações de bem-estar animal e abate humanitário. Precisamos da legislação para amparar nosso trabalho dentro dos frigoríficos. O fiscal só consegue atuar dentro do que a legislação prevê. Mas vai além de ter a lei, é preciso que ela indique penalidades para o caso de descumprimento, porque muitas vezes não adianta apenas dizer para um estabelecimento que ele não pode agir de tal forma, é preciso penalizar. Um exemplo é aqui na Rio Grande do Sul. Temos a Lei 15.363 (que consolida o Código de Proteção dos Animais) a qual traz vários itens que poderiam ser colocados para a proteção dos animais destinados ao abate. Acaba não servindo para nada na nossa rotina, pois não tem como punir.

Raquel, hoje supervisora de abates em frigoríficos na região de Porto Alegre, diz que o consumidor cada vez mais busca o alimento que tenha sido produzido de forma correta. Foto: Elene Motta / Divulgação

A senhora tem um perfil no Instagram onde informa sobre seu trabalho e sobre os achados nesta rotina. Ter um canal em rede social para informar o cidadão comum sobre o que ocorre no abate de animais lhe deixa satisfeita?
Me traz um retorno muito positivo, mesmo por parte daquelas pessoas que são vegetarianas e veganas, que não consomem carne, mas que apoiam o trabalho do fiscal de dar dignidade aos animais que serão abatidos. O que eu acabo publicando no Instagram são as doenças em animais de abate e os problemas que encontramos em nossa rotina, pois o material existente na internet sobre este assunto é escasso. Isso auxilia as pessoas que trabalham nos abates nas suas rotinas, na luta pelo bem-estar animal e para a informação do consumidor de carne, que não quer apenas a qualidade do que come, mas também ter a segurança de que aquele animal não sofreu. É importante salientar que a luta pelo bem-estar animal ainda incomoda, apesar de ter evoluído muito. Ainda não é tratada como deveria, ainda é preciso atrelar as práticas neste sentido ao ganho econômico, se trará lucro para o estabelecimento. Quando vai se falar de bem-estar animal, chamando pelo que é ético e correto, a gente encontra muita dificuldade. Mas são práticas que não podem estar vinculadas ao ganho financeiro de quem está produzindo. Bem-estar animal não é moda. E as coisas estão se afunilando, tanto na legislação, cada vez mais exigente, quanto pelas preocupações do mercado consumidor.

Além da questão do abate das vacas prenhas, que a senhora destaca bastante, que outras questões de bem-estar animal se pode ressaltar que ainda hoje não são tratadas com seriedade?
A situação das vacas muito magras, que chegam desnutridas, caquéticas mesmo, nos abatedouros. Na maioria, são vacas de descarte leiteiro. Uma situação que eu considero como crime de maus-tratos. Muitas vezes, esses animais estão num estado de fraqueza que não conseguem nem levantar do caminhão onde foram transportados. Em todas as situações, se inspeciona a carcaça toda do animal, para que não se corra risco de doenças chegarem ao consumidor.

Há, no ambiente dos abatedouros, presença significativa de mulheres ou é um local ainda mais ocupado por homens?
Nos abatedouros de bovinos e suínos, o ambiente ainda é basicamente ocupado por homens. Nos abatedouros de aves já há significativa presença de mulheres.

No Dia do Trabalhador, como trabalhadora da cadeia de fiscalização de alimentos de origem animal e defesa sanitária, o que a senhora gostaria que o cidadão comum entendesse sobre sua atividade?
O entendimento que eu gostaria que a comunidade tivesse é quanto à necessidade que temos de descartar alimentos em certas situações. Quando se faz apreensões e é condenado o alimento, frequentemente, o consumidor vê essa ação como desprezo à comida. Espero que entendam que a comida, quando é inutilizada, é porque pode representar um grande risco à saúde pública.

Nereida Vergara