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Verão

Especial

No aniversário de 126 anos do Correio do Povo, passeie pelas ruas e bairros de Porto Alegre

Cada local ajuda a contar a história centenária do jornal

| Foto: Ricardo Giusti

Todas as ruas têm histórias. Não importa onde pisem – seja chão batido, paralelepípedo ou asfalto –, as pegadas nesses caminhos vão contar sobre o que fomos, somos e o que poderemos vir a ser. Muitas dessas vias, em Porto Alegre, ganharam nomes de quem se habituou a traduzir trajetórias em palavras, especialistas na arte do dizer e do escrever e que, por ironia do destino, se tornaram pano de fundo de novas narrativas, integrantes de ciclos que se repetem e se renovam ao mesmo tempo. Pelo Correio do Povo, que completa 126 anos neste 1º de outubro, passaram pessoas que saíram da redação do jornal para se tornarem parte do mapa da Capital, denominando algumas de suas ruas e avenidas.

Confira o mapa interativo.

Sergipano do município de Neópolis, o jornalista Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior (1868-1913), radicado no Rio Grande do Sul desde novo, então com 27 anos, chamou dois jovens, um balconista da livraria Americana, que mais tarde seria médico, Mário Ribeiro Totta (1874-1947), e o tipógrafo José Paulino de Azurenha (1861-1909) para darem início a um jornal, que teve sua primeira edição em uma terça-feira, princípio da primavera de 1895. Foi só em 1943 que a sede do jornal ocupou o Edifício Hudson, que até hoje abriga também a Rádio Guaíba, na esquina da Rua dos Andradas com a então Travessa Paysandu, antes chamada de Beco do Inácio Manoel Vieira, Beco Quebra-Costas e Beco do Fanha, no Centro Histórico. Um ano depois, a via passou a se chamar rua Caldas Júnior, em homenagem ao visionário criador do Correio do Povo. Incluído na região conhecida como a “Esquina da Comunicação”, o prédio do jornal vai da rua Sete de Setembro até a famosa Rua da Praia, onde dá de frente com o Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.

Rua Caldas Júnior. Foto: Ricardo Giusti

É nessa esquina que, há 30 anos, o taxista Gilson Furtado, 51 anos, fixou seu ponto e não pretende mudar de ramo, ainda que o faturamento não seja o mesmo de outros tempos. “Com a chegada dos aplicativos, diminuiu 70%, mas já está melhorando porque o pessoal viu que eles não são isso tudo”, acredita Pisca, como é conhecido pelos colegas, ao defender a sua categoria. Ex-brigadiano, encontrou no volante do táxi a forma de viver, conhecendo pessoas e rotas diferentes. “Já transportei muitos jornalistas do Correio. Eles já sabem quem somos”, conta. Assim como Caldas Júnior, Pisca gosta de contar histórias e não foram poucas as que presenciou. “Uma vez, peguei uns passageiros vindos do Oriente Médio que não falavam português. Uma anotação em um papel dizia ‘Santa Clara’. Eu achava que era o hospital dentro do Santa Casa. Na verdade era o Terminal Santa Clara no Polo Petroquímico, em Triunfo”, relembra. “Mas o pior não foi isso. Essa cena ocorreu depois do ataque 11 de setembro e, na rodovia Tabaí-Canoas, a polícia nos parou perguntando se estava tudo bem. Até ficaram como medo”, conta, recordando-se de uma época em que havia preconceito com estrangeiros daquela região por conta dos terroristas. O taxista não imagina, mas os conflitos, mesmo que de menor expressão, eram realidade no tempo de Caldas Júnior e dividiam o RS entre republicanos e federalistas. A ideia para a criação do primeiro jornal gaúcho do século XX foi a de um veículo “sem paixões violentas, noticioso, literário e comercial”.

Nara Regina Gomes, 58 anos, mora há meio século em uma outra esquina que tem ligação com o Correio do Povo. No lado de fora de sua casa, onde seus pais criaram seis filhos, uma plaquinha azul leva o nome de outro fundador do jornal, Doutor Mário Totta, no bairro Camaquã. “Meu avô comprou este terreno de um Mário também, Mário Lima”, conta a proprietária de um salão de beleza que funciona no mesmo pátio. Ela se mostra feliz ao saber que vive em uma rua que homenageia um médico humanista, criador de campanhas de agasalhos e de Natal para crianças pobres na segunda década do século 20. O caixeiro de livraria, formado farmacêutico e depois médico, foi, ainda, romancista e poeta, e contribuiu com seu olhar mordaz sobre a cidade em crônicas no jornal que ajudou a fundar. Arte que, do seu jeito, Nara tenta desenvolver na hora de esculpir com as tesouras cada corte de cabelo das clientes que chegam naquela esquina.

Rua Mário Totta. Foto: Ricardo Giusti

Em outra região da Capital, longe dali, no bairro Partenon, aparece o nome restante do triunvirato de fundação do Correio do Povo, Paulino Azurenha. Atualmente, muitos reconhecem o nome pela linha de ônibus, mas o artista gráfico que tinha talento para a escrita, além de cronista, revisor e repórter, era conselheiro do amigo Caldas Júnior. Curiosamente, o romance “Estrychinina” (1897), escrito a seis mãos por Azurenha, Totta e outro jornalista do CP, José Carlos de Souza Lobo – também nome de rua no bairro Rubem Berta -, ficou marcado por fazer o leitor viajar por Porto Alegre por meio de suas histórias. Transformações como as contadas naquelas páginas também ocorreram na vida de Maristela Beidacki, 34 anos, moradora e comerciante na rua que leva o nome do tipógrafo. Aliás, o mercado que mantém chama-se Azurenha. “Antes tinha o do meu marido e do meu sogro, que eram sócios. Faz dois anos que estou sozinha aqui. Vim para cá há 11 anos, quando minha filha era pequenina”, relembra. Dificuldades como uma empreendedora mulher são parecidas com o preconceito que o cofundador do jornal chegou a passar por ser negro. Mas esmorecer não era com ele, muito menos com Maristela. “É complicado, ainda mais com a pandemia, mas temos que controlar bem os gastos”, diz ela. Se vivo fosse, talvez Azurenha (ou Léo Pardo, pseudônimo muito utilizado por ele na época) escrevesse como crônica na seção Semanário sobre os docinhos vendidos pela comerciante, renomados na região.

Rua Paulino Azurenha. Foto: Ricardo Giusti

A cada esquina, uma história.

Os logradouros da Capital estão recheadas de menções que remetem ao Correio do Povo. Após a morte de Caldas Júnior, passaram, interinamente, pelo cargo de chefia de redação Francisco de Leonardo Truda (1886-1942) e Emilio Kemp Larbeck Filho (1874-1955). A Travessa Leonardo Truda, no Centro Histórico de Porto Alegre, lembra o filho de imigrantes italianos que se especializou em Ciências Econômicas e foi colega de faculdade de diversos futuros líderes políticos nacionais, dentre os quais Getúlio Vargas. O jornalista foi, ainda, presidente do Banco do Brasil, em 1934. Ele foi contemporâneo do Professor Emílio Kemp, nome de rua no bairro Jardim Itu-Sabará. Poeta que assinava suas obras com seu nome e os pseudônimos Acúrcio Benigno e Baianave, foi médico, diretor do Museu Júlio de Castilhos e educador, fundador do Colégio Protásio Alves.

Rua Emílio Kemp. Foto: Ricardo Giusti

No controle da empresa Caldas Júnior nesta época ficou a precoce viúva, então com 34 anos, a professora espanhola Dolores Alcaraz Caldas (1878-1957), que dá nome, hoje em dia, a uma das avenidas do bairro Praia de Belas. Foi sua a assinatura da escritura para aquisição do Edifício Hudson, local do Correio do Povo que conhecemos hoje. Há, na Capital, uma escola municipal no bairro Restinga e um colégio estadual na Vila Ipiranga que a homenageiam. Mesmo sem ter experiência no mundo dos negócios, conseguiu manter o funcionamento do jornal enquanto preparava o terreno para um dos três filhos que teve com Caldas Júnior, a quem indicou para suceder o pai.

Breno Alcaraz Caldas (1910-1989) tinha apenas três anos quando o pai faleceu. Dez anos depois, já começava a demonstrar interesse naquele cotidiano das rotativas e das notícias. Dona Dolores tergiversava. “Aos 15, filho. Você fará todo o caminho”. Terminados os dois anos estipulados por ela, Breno foi trabalhar na revisão do jornal. Chegava do colégio, fazia o dever de casa, jantava e ia para o Correio do Povo. Não demorou muito para começar a escrever notas e trabalhar como auxiliar de redação. Assumiu a direção aos 25 anos e ficou por meio século à frente da companhia jornalística. Na praça que leva o seu nome, no bairro Jardim Itu-Sabará, no entanto, os cães reinam. O local, em formato circular, intersecção entre as ruas Conselheiro Ângelo Ferraz e Leite de Castro, onde mora Michelle Garros, 48 anos, recebe cachorros diariamente para passeios.

Michele Garros, Sofia Garros e Eugênia Swyryn Zilz na Praça Breno Caldas. Foto: Ricardo Giusti

Frequentadora há dez anos da praça, a personal trainer costuma levar a vira-latas Mel para ‘esticar as patinhas’. “Nós, moradores, tivemos que colocar placas alertando donos que não cuidam o que seus cães fazem. Também fazemos plantações junto às árvores para ver se florescem”, diz, apontando para goiabeiras que já cresceram, segurando hortênsias para a mesma finalidade. A filha, Sofia, e a mãe, Eugênia, frequentam a praça e apareceram durante a entrevista, para alegria da Mel. Breno Caldas também tinha paixão por animais, mas no seu caso, os cavalos, principalmente, os de corrida.

Outro personagem importante a se tornar nome de rua foi o primeiro diretor da Rádio Guaíba, Arlindo Pasqualini (1911-1964), que denomina uma avenida no bairro Ipanema. Foi dele o discurso de inauguração da emissora, em abril de 1957, nada complicado para alguém que tinha facilidade com as palavras, tendo produzido, inclusive, uma série de crônicas no Correio do Povo, sob o pseudônimo de Mordax. Era irmão do político Alberto Pasqualini. De oratória bem nítida – herdada do avô, ex-prefeito do município de Bento Gonçalves -, como se comunicadora fosse, a administradora Vera Sanches, 68 anos, conhece bem a história da imprensa gaúcha. Mora há 37 anos ali e diz nem pensar em deixar o local. “Amo isso aqui. Temos azaleias brancas e rosas em volta, sem falar os animais que aparecem, como ouriços e pica-paus. Criei meus três filhos aqui e, agora, meu neto”, conta. Antítese da maioria das crianças da era virtual, Arthur, oito anos, parece gostar mesmo é de estar na rua, de preferência sobre a bicicleta. Ele, assim como a mãe, Paola, que voltou a morar com Vera, vai crescer pedalando memórias na avenida Arlindo Pasqualini.

Com passagem pelo Correio do Povo por 43 anos e como presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) durante 34 anos, Alberto André (1915-2001) é nome de medalha entregue a jornalistas destacados por sua atuação em cada ano. Também em sua homenagem, foi denominado um logradouro no bairro Camaquã, com placas denominativas contendo os dizeres: “Jornalista, ilustre homem público”. É lá que mora a professora Rejane Kielling, 50 anos, com a mãe Selmira. Assim como André, que tinha o desejo pelo conhecimento, buscando, inclusive, formações em Direito e Magistério, Rejane é daquelas que não restringe seu tempo pela busca de saber. “Gosto de acordar às 6h para ler e estar sempre aprendendo”, diz. Como uma repórter tarimbada, fala do que lembra da rua, três décadas atrás. “Era de chão batido, tinha um salão de baile na esquina e vivíamos em frente a um terreno que pertencia ao IPE (Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul), cheio de cabras. Uma vez, uma delas subiu nesse salão. Ela caiu do telhado, achávamos que tinha morrido. Mas, saiu bem bela”, relembra.

Rejane Kielling na Rua Alberto André. Foto: Ricardo Giusti

Diversos nomes que passaram pelo Correio do Povo recheiam o mapa da Capital, como rua Mario Quintana, no bairro Sarandi (o poeta ainda denomina um bairro na cidade), rua Oswaldo Goidanich, no bairro Vila Nova, rua Luiz José Biernfeld Figueredo, no Passo das Pedras, e avenida José Lutzenberger, no bairro Anchieta. O próprio jornal tem uma esplanada com seu nome, ao lado do Túnel da Conceição, no Centro, mostrando que o Correio do Povo está impresso no mapa de Porto Alegre como as palavras das notícias que publica há 126 anos.

Esplanada Correio do Povo. Foto: Ricardo Giusti

Christian Bueller