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Verão

Especial

Produzir sem agredir

Governo, comunidade científica e produtores rurais buscam sintonia para alcançar metas apresentadas na Cúpula do Clima

| Foto: Fernando Dias/Seapdr/Divulgação

No mês de julho, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) pretende colocar em consulta pública a nova etapa do Plano de Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (ABC+), com objetivos a serem cumpridas até 2030 no combate à degradação ambiental. O escopo do plano, que teve sua primeira fase entre 2010 e 2020, serviu como base para o discurso do presidente da República na Cúpula do Clima, no final de abril, quando Jair Bolsonaro apresentou metas para redução das emissões do país em 37% até 2025 e 43% até 2030. Em sua primeira fase, o Plano ABC, que a coordenadora geral do Departamento de Mudanças do Clima do Mapa, Fabiana Villa Alves, ressalta ser “um programa de Estado”, conseguiu evitar a emissão de 170 milhões de toneladas de gás carbônico em 52 milhões de hectares usados pela agropecuária nacional, o equivalente a 150% do território da Alemanha.

Fabiana explica que nesta extensão territorial foram utilizadas seis tecnologias com base científica: a integração lavoura/pecuária/floresta (foto acima), as florestas plantadas, o tratamento dos dejetos dos animais (com foco na suinocultura), o sistema de plantio direto, a fixação biológica de nitrogênio e a recuperação de pastagens degradadas. Da área total abrangida pelo programa, 15 milhões de hectares foram de recuperação de pastagens degradadas, 4 milhões de integração/lavoura/pecuária/floresta, 8 milhões de plantio direto, 3 milhões de florestas plantadas, 5,5 milhões de fixação biológica de nitrogênio e 4 milhões em tratamentos de dejetos da suinocultura.

“É bom salientar que o Plano ABC, em sua origem, é espontâneo e está associado à determinação do país de tornar a agropecuária mais sustentável”, lembra a especialista do Mapa, acrescentando que, em nível mundial, o setor responde por cerca de 3% da emissão de gases de efeito estufa, um percentual baixo. Segundo Fabiana, o Brasil reconhece que há a geração de gases e a primeira etapa do plano buscou reduzir seus efeitos. “Só se mitiga o que existe e é problema”, afirma.

Na nova fase, pontua Fabiana, o ABC vai além da mitigação e busca mecanismos para chegar à resiliência e adaptação dos sistemas produtivos. “Na primeira fase, fomos além da meta, que era de 35 milhões de hectares, e agora vamos ainda mais além”, adianta. Nos 52 milhões de hectares em que o ABC esteve presente, foram aplicados R$ 21 bilhões em recursos, entre verbas governamentais, doações internacionais e parceria com instituições públicas e privadas.

Um documento publicado em 2020 pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), ligado ao Observatório do Clima – rede voltada à discussão das mudanças climáticas, formada por 40 entidades da sociedade civil brasileira –, apurou que, em 2019, as emissões destes gases na agropecuária no Brasil chegaram a 598,7 milhões de toneladas, 195,8 milhões de toneladas a mais do que em 1990. A maior parte do volume (61,1%), em 2019, resultou da chamada fermentação entérica – processo de digestão de celulose no rúmen de animais como os bovinos, que emite metano. O relatório cita ainda que, entre 2005 e 2019, a produção de grãos do Brasil aumentou 117%, enquanto as emissões das culturas vegetais cresceram menos da metade deste percentual, confirmando o potencial de desenvolvimento sustentável da agricultura nacional.

Diferentes interpretações

O alcance dos “estragos” da agropecuária na natureza tem interpretações diversas, mas todas apontam para equívocos cruciais por conta da desinformação. Pesquisadores dizem que o avanço tecnológico está muito à frente das convicções políticas que tentam responsabilizar a atividade rural pelas mazelas do meio ambiente.

O professor da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e presidente da Aliança SIPA – entidade que congrega os grupos de pesquisa em sistemas integrados de produção agropecuária do Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso –, Paulo César de Saccio Carvalho, afirma que as ações corretas são pouco divulgadas. Ele cita como exemplo o fato de o Estado ter cerca de 90% dos seus 6 milhões de hectares de soja implantados pelo sistema de plantio direto, o que mais preserva o solo. Assegura também que quase ninguém sabe que o Rio Grande do Sul tem o maior índice de iniciativas de integração da lavoura com a pecuária, chegando a 20,7% de suas terras agricultáveis.

Entidades de representação  de produtores, como a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), garantem que o agricultor e o pecuarista têm procurado fazer a sua parte. O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Farsul, Domingos Velho Lopes, sustenta que o produtor gaúcho faz seu trabalho na lavoura e na pecuária 100% dentro daquilo que é regular, e que, se desmata alguma área dentro de sua propriedade para expandir a produção, o faz rigorosamente dentro da lei, que prevê a preservação de pelo menos 20% da vegetação nativa. “Se o produtor gaúcho não estivesse inserido em critérios de segurança alimentar, boas práticas e respeito ambiental, conquistaria mercados cada vez mais exigentes?”, questiona. Lopes diz que a manifestação de Bolsonaro na Cúpula do Clima demonstra que o Brasil e o produtor rural não têm nada a esconder.

O assessor de meio ambiente da Fetag, Guilherme Velten Júnior, corrobora a avaliação de Lopes, e diz que o pequeno agricultor tem consciência de que a adoção de práticas conservacionistas é fundamental para a preservação de sua fonte de sustento, a terra. Velten observa que a Fetag tem trabalhado intensamente para que a assistência técnica chegue a todas as famílias, para que elas aproveitem o conhecimento que a pesquisa consolida.

 

Apostas da pesquisa

Novas práticas na orizicultura e integração lavoura/pecuária avançam no Rio Grande do Sul e justificam o fato de o Estado ter emissões de gás carbônico inferiores à média nacional

Mudança de alguns métodos e da época do preparo do solo, bem como manejo da água com intervalos, reduzem as emissões de metano das lavouras de arroz | Foto: Paulo Lanzetta/Embrapa Clima Temperado/Divulgação

Entre 1990 e 2019, as emissões de gás carbônico da agropecuária do Rio Grande do Sul aumentaram 4,2%, de 46,1 milhões de toneladas para 48 milhões de toneladas, segundo levantamento do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), ligado ao Observatório do Clima. O avanço é muito inferior ao do Brasil, que mais que dobrou no mesmo período e chegou a 598,7 milhões de toneladas. Ao mesmo tempo em que ampliou discretamente as emissões, o Estado multiplicou sua produção de grãos com mais eficiência e pouca variação de área.

A pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, Walkyria Bueno Scivittaro, que acompanha na região de Terras Baixas (Metade Sul do Estado) as emissões e as ações de mitigação na lavoura do arroz, diz que a agropecuária não é uma vilã na emissão de poluentes, mas o faz como qualquer atividade econômica. Para ela, a competitividade internacional é que fez os olhares se voltarem para o segmento, já que o Brasil tem potencial de produção de alimentos muito maior que qualquer nação europeia.

Walkyria afirma que a orizicultura é uma das atividades agrícolas mais visadas no mundo por ser a responsável por 20% das emissões totais de metano em todo planeta, em razão de áreas extensas de plantio concentradas na Ásia. A lavoura gaúcha de arroz, que nos últimos anos tem consolidado extensões próximas de 1 milhão de hectares, emite 2,7% do total de metano no país, de acordo com a pesquisadora. “Nossa área é menor, mas o orizicultor aprendeu a produzir mais do que quando tinha 5 milhões de hectares plantados”, compara. “Hoje nossas médias são de 8 toneladas por hectare, contra pouco mais de 3 toneladas no passado.”

Na unidade da Embrapa Clima Temperado, experimentos já comprovaram que a mudança no preparo da lavoura de arroz pode diminuir as emissões de metano em até 30%. A técnica consiste em fazer operações no solo menos intensas e antecipadas para o outono. O controle do manejo da água na lavoura com irrigação intermitente também reduz as emissões. “O que promove a emissão é o ambiente encharcado, por isso, dar intervalos de até 3 dias no fornecimento de água, deixando a lavoura seca, faz grande diferença e pode diminuir em até 80% o transporte do gás para a atmosfera”, comenta Walkíria, que vê nesta prática um ganho colateral para o ambiente: a economia de água. A rotação da cultura com a soja tem mostrado ótimos resultados, observa a pesquisadora, ao garantir que as emissões de metano do plantio do arroz contínuo são maiores do que as das áreas plantadas depois da soja.

Também da Embrapa Clima Temperado, o pesquisador Jorge Scharfhausen trabalha no segmento de Integração/Lavoura/Pecuária e explica que apenas na Metade Sul do Estado, onde são cultivados 1 milhão de hectares de lavouras de arroz e 300 mil hectares de soja, muitos produtores poderiam se beneficiar do sistema. “O problema é que ainda enfrentamos resistência do agricultor à integração, pois muitos acreditam que a lotação de animais em pastoreio nos intervalos de plantio possa danificar o solo”, argumenta.

Scharfhausen ressalta que a integração da pecuária com as lavouras do arroz e da soja dá retorno econômico para o produtor, com ganhos ambientais. “A pecuária não é grande emissora de carbono na atmosfera; na verdade, ela é sequestradora”, lembra. “Esse papel nocivo vem de um cálculo errôneo que há 30 anos estamos tentando desmentir”, complementa. Conforme o pesquisador, o que levou à interpretação que se tinha até pouco tempo sobre a emissão de metano pelo bovino veio de um experimento que colocou animais em ambiente fechado e mediu seu fluxo gasoso sem contrapor os dados do carbono que o animal tira da pastagem. “O animal come a pastagem que emite gás carbônico, digere e devolve para o solo como adubo pronto”, explica. “Na verdade, ele sequestra o carbono do ambiente”, ensina. O pesquisador acredita que, quando o Brasil evoluir para um método de pagamentos dos créditos do carbono, o produtor vai aderir com mais facilidade aos sistemas integrados. “A parte mais sensível do ser humano é o bolso”, brinca.

 

Convivência harmônica

Emas (primeira foto) e outros animais nativos se misturam aos bovinos em fazenda que isola as nascentes, preserva a mata ciliar (segunda) e usa a técnica do plantio direto de pastagens (terceira) | Fotos: Fernanda Costabeber/Arquivo pessoal

Na Fazenda Pulquéria, emas, capivaras e outros animais silvestres convivem com um rebanho bovino de corte estimado em 5,5 mil cabeças. A propriedade de 1,6 mil hectares, em São Sepé, na Região Central do Rio Grande do Sul, produz carne que em breve será certificada com o Selo Sustentabilidade Angus e atende altos padrões de eficiência sem agredir o meio ambiente. A veterinária Fernanda Costabeber, que administra a fazenda com o pai, Fernando Costabeber, e o marido, André Casali, revela que a evolução do “pensamento” na pecuária vem de mais de duas décadas e se baseia no interesse que a família sempre teve em pesquisar e em aplicar no seu estabelecimento ações de preservação. “É uma coisa muito simples: nós tiramos nosso sustento da natureza, se não preservarmos este bem, a fazenda vai deixar de existir e eu não terei nenhum legado para deixar para os meus filhos”, pontua Fernanda.

O manejo integrado da produção com o meio ambiente, no caso da Pulquéria, inclui ações como o cercamento de 23% das áreas de vegetação nativa e isolamento total de nascentes. “Nossa forma de trabalhar vai sempre se renovando”, diz a veterinária. Além das atitudes concretas, ela garante que houve uma mudança na mentalidade familiar, que deixou para trás costumes como o de caçar animais silvestres. “Isto já aconteceu aqui, mas hoje é impensável”, salienta. A veterinária informa que o gado é alimentado apenas com pastagens, plantadas em 1 mil hectares da propriedade, sendo 600 hectares de pastagens de inverno e 400 de pastagens de verão, basicamente azevém e aveia e, em proporção menor, outras forrageiras como a brachiaria e o tifton.

As lavouras forrageiras são semeadas pela técnica do plantio direto, que conserva o solo contra a ação da chuva, evitando a erosão. Fernanda esclarece que também são feitas a dessecação antecipada das áreas de plantio e a escarificação (revolvimento da terra com uso de máquina, a uma profundidade de 30 cm) para evitar a compactação das lavouras. Da mesma forma, o rebanho é rotacionado nas 70 parcelas em que foi dividida a fazenda, para evitar que a lotação de animais interfira na qualidade do solo.

A intenção de obter o selo de sustentabilidade, segundo a veterinária, partiu de conversas com compradores, as quais apontaram para a importância que a preservação ambiental ganhou para o mercado. “Já preservamos há bastante tempo, agora queremos mostrar ao mercado que fazemos porque a conservação ambiental é um caminho que o produtor que quiser sobreviver economicamente terá de adotar”, complementa. Sobre as emissões de metano na atmosfera, a veterinária lembra que em animais em pastoreio ela é cíclica e bem menos impactante do que nas criações em confinamento.

O Selo Sustentabilidade Angus foi lançado pela associação da raça em 2019. Ele exige, além da genética racial, uma lista de requisitos ambientais como preservação de vegetação nas nascentes e em área de reserva; descarte adequado de embalagens de defensivos e medicamentos; não fazer uso de queimadas; plano de recuperação de áreas degradadas e respeito ao limite de área mínima por animal.

 

Melhora na produtividade do eucalipto

O manejo de florestas é um detalhe importante para que se evite danos à natureza e emissão de gases de efeito estufa. O relatório publicado em 2020 pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), ligado ao Observatório do Clima, aponta que, em 2019, 44% das emissões totais de gás carbônico no Brasil ocorreram por conta de mudanças do uso da terra (puxadas pelo desmatamento), chegando a 968 milhões toneladas, contra 788 milhões de toneladas no ano anterior.

Jakson Freitas Brilhante, pesquisador do Laboratório de Microbiologia Agrícola da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), faz estudos na área de manejo de resíduos da colheita de eucalipto e de potencialização do cultivo da acácia-negra. O Estado conta hoje com 670 mil hectares cultivados com eucaliptos, madeira de amplo uso na construção civil e na indústria moveleira. A pesquisa de Brilhante sobre a colheita do eucalipto terá seus resultados publicados nos próximos meses em revistas científicas. Segundo ele, o trabalho consistiu na criação de um índice de qualidade do solo (integrando propriedades físicas, químicas e biológicas) que é atingido na produção se não forem removidos os resíduos que sobram depois do corte da árvore.

O pesquisador conseguiu comprovar que, se os resíduos forem retirados e vendidos pelo produtor às indústrias de processamento da madeira, o solo sofre uma queda de 30% no seu índice de qualidade em relação a áreas onde os resíduos foram mantidos. “O índice de qualidade do solo tem relação direta com a produtividade do eucalipto e queremos demonstrar ao produtor que o pouco a mais que ele vai ganhar vendendo os resíduos vai ser retirado daquilo que ele produzirá nos anos seguintes”, ressalta.

Coordenador da primeira fase do Plano ABC na Seapdr, Brilhante lembra que uma das linhas tecnológicas do plano é justamente a fixação biológica de nitrogênio. O Laboratório de Microbiologia da Seapdr é, conforme o engenheiro florestal, um dos pioneiros no Brasil na prospecção de novas estirpes de bactérias fixadoras de nitrogênio para diversas culturas leguminosas, como a soja, o feijão, e a acácia-negra (leguminosa arbórea).

 

Reaproveitamento reduz impactos ambientais

Um total de 13 milhões de toneladas de resíduos de animais de criação são retirados do ambiente por ano e transformados em insumos para alimentação dos rebanhos

Vísceras, ossos, penas, escamas e aparas de carne, entre várias outras sobras da alimentação humana, podem virar farinhas e gorduras que entram na ração de animais | Foto: Associação Brasileira de Reciclagem Animal/ Divulgação

O Brasil ocupa a segunda posição no ranking mundial de países que praticam a reciclagem animal, perdendo apenas para os Estados Unidos. Além disso, é o quarto maior exportador de produtos derivados dessa reciclagem, como farinhas e gorduras de bovinos, suínos, aves e peixes. Segundo a Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra), o setor recicla de maneira segura resíduos do abate de animais de produção – as partes que não são destinadas ao consumo humano –, como vísceras, ossos, penas, sangue, escamas, aparas de carne, hemoderivados, palatabilizantes e gelatinas.
Em média, são reciclados 7 milhões de toneladas de resíduos de bovinos, 4,8 milhões de toneladas de resíduos de aves, 1 milhão de toneladas de resíduos de suínos e 200 toneladas de resíduos de peixes. O total chega a  13 milhões de toneladas de resíduos retirados do meio ambiente por ano. O presidente da Abra, Décio Coutinho, diz que a reciclagem animal reduz em 30% a necessidade de lixões e aterros sanitários. No Brasil, existem cerca de 3 mil destes locais. Sem a reciclagem, mais 921 lixões e aterros teriam de ser disponibilizados para dar conta da decomposição dos resíduos. “O setor recolhe o resíduo do abate e transforma em fonte de proteína e energia, segura e eficaz, e com isso reduz o impacto ambiental”, afirma Coutinho.

A entidade ressalta que os benefícios do processamento de resíduos dos abates da pecuária são reconhecidos como serviço essencial pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “O efeito é na cadeia do agronegócio como um todo”, comenta o dirigente. Atualmente, o Brasil tem 300 indústrias dedicadas à transformação, e uma certificação pelo Ministério de Minas e Energia de “Carbono Zero” na produção de sebo.

Nereida Vergara