Deste total, nove aconteceram no Estado, três vezes mais do que São Paulo, que vem logo atrás. Para piorar um pouco mais, na comparação com o ano anterior, o crescimento foi de 80%, pulando de cinco para nove, um aumento bruto maior do que qualquer número total dos demais estados. Os índices deixam claro que o racismo está longe de ser uma questão resolvida também no esporte. Paradoxalmente, há um lado positivo no gráfico que indica crescimento.
De acordo com Marcelo Carvalho, diretor do Observatório, a boa notícia está no fato de que, ao contrário do que acontecia até algum tempo, agora as vítimas não estão mais permanecendo caladas. “Acredito ser essa a grande mudança. A ofensa de chamar um jogador negro de ‘macaco’ sempre aconteceu, o que vem mudando é o posicionamento dos atletas”, afirma Carvalho, um dos responsáveis pelo relatório, um documento de quase 60 páginas que detalha cada um dos casos e inclui ainda episódios envolvendo preconceitos homofóbicos e xenofóbicos — jogadores do Paysandu foram chamados de “animais e índios” por torcedores do Fluminense em agosto de 2015.
Talvez o dado mais preocupante do relatório seja o fato de que na grande maioria das vezes a consequência é nada ou quase nada. Dos nove episódios registrados em solo gaúcho, em seis sequer houve denúncia formal ou registro em súmula, em dois os clubes acabaram absolvidos e em apenas um foi registrado um boletim de ocorrência. Informalmente, o Observatório acredita que o número de casos pode ser ainda maior, não fosse o receio de vários atletas em fazer a denúncia. Um caso emblemático neste sentido é o de Tchê-Tchê, do Palmeiras. O meia foi vítima de ofensas racistas em agosto, na Arena da Baixada, no Paraná. Dias depois, declarou: “Isso me incomodou pouquíssimo, estamos tão bem no Brasileirão, que não deu nem tempo de pensar em nada”. E o caso morreu ali.
Da parte dos clubes, o discurso é de que tudo que está ao alcance é feito. Grêmio e Esportivo, de Bento Gonçalves, por exemplo, estiveram no centro de polêmicas em 2014. Hoje, asseguram que mantêm campanhas de conscientização dos torcedores. Presidente do clube da Serra, Guilherme Salton lembra que a agremiação lança mão de placas dentro do estádio e de anúncios em jornais da região condenando qualquer ato discriminatório.
Para Carvalho, no entanto, os clubes ficam restritos a ações, quando deveriam encampar campanhas mais efetivas e de longo prazo. “Acredito que isso seja apenas a ponta do iceberg. A questão racial dentro do futebol é muito mais complexa quando vamos analisar a falta de negros nos cargos de comando, como treinadores e dirigentes”, lembra ele.
A análise encontra eco nos fatos, afinal, coincidência ou não, dos 20 clubes do Campeonato Brasileiro, apenas o Botafogo tem um técnico negro: Jair Ventura. O que só mostra como o caminho ainda é longo. Muito longo.
Casos não estão apenas na Serra
A liderança por dois anos seguidos do Rio Grande do Sul nos casos de racismo no futebol brasileiro é recebida por dirigentes gaúchos com tristeza. Mas não com surpresa. No único estado do país em que um cântico que fala em “chora, macaco imundo” ainda divide opiniões — como se pudesse não ser racista —, os episódios são comuns.
Entre as explicações mais frequentes, aparecem fatores culturais como as colonizações italiana e alemã. “Vou dizer o quê? É um pouco da cultura do italiano. Ainda que eu ache que isso venha sendo quebrado, tem um pouco”, afirma o presidente do Esportivo, de Bento Gonçalves, Guilherme Salton.
A Serra Gaúcha, aliás, é citada quase sempre quando se fala de episódios racistas no futebol, o que evidencia uma meia-verdade. Sim, dois dos casos de maior repercussão — em 2006, o então zagueiro do Juventude, Antônio Carlos, fez gestos racistas contra o volante Jeovânio, do Grêmio, e, em 2014, o árbitro Márcio Chagas da Silva foi vítima de ofensas de torcedores do Esportivo — aconteceram na região e o relatório de 2015 aponta outros dois: em Caxias e Nova Prata.
No entanto, Porto Alegre lidera o relatório, com três ocorrências (duas no Inter, uma no Grêmio) e Pelotas vem logo atrás com outras duas — as outras duas são em Rio Grande e Lajeado. Ou seja, sim, uma parcela dos torcedores da Serra tem se mostrado racista. Mas, queira ou não o restante dos gaúchos encarar o fato, tais torcedores estão longe de ser uma exceção.
Carlos Corrêa