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Especial

As guerreiras que não fogem à luta

Luta na linha de frente contra a Covid-19 marca para elas o Dia Internacional da Mulher

Enfermeira Daniela Haygert salienta colocar "muito coração" no atendimento | Foto: Ricardo Giusti

O setor de saúde, em todo o mundo, tem forte vocação feminina. No Brasil, estima-se que mais de 60% dos profissionais de nível superior da área sejam mulheres. Entre os médicos, a força de trabalho do sexo feminino corresponde a mais de 35% e em algumas profissões. Na enfermagem, por exemplo, elas predominam em mais de 80%, segundo dados do Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul. (Coren-RS).

E nesta duríssima batalha contra a Covid-19, não é diferente. A atuação de muitas destas mulheres tem se sobressaído e honrado com todas as letras de um trecho do Hino Nacional brasileiro, que costuma ser bastante lembrado em momentos difíceis e que ensejam garra: "Verás que um filho teu não foge à luta". Neste dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o reconhecimento a estas mulheres da saúde, que não só têm encarado de frente esta luta pela vida de seus pacientes, como algumas vêm liderando verdadeiros exércitos em meio a uma guerra traiçoeira, por vezes desleal, superando mercenários, a falta de recursos, abrindo mão do descanso devido, da vaidade e de suas famílias. Tudo para que não se deixe a morte triunfar sobre os infectados da Covid-19.

A enfermagem, profissão com presença maciça nos serviços de saúde, surgiu com Florence Nightingale. Filha de uma tradicional e rica família europeia, rebelou-se desde cedo contra o comportamento e o lugar na sociedade destinados às mulheres de sua posição social. Aos 30 anos, Florence passou a fazer estágios em importantes hospitais da Alemanha e da França. Mas foi durante a Guerra da Criméia, em 1854, quando foi levada ao campo de batalha para supervisionar os hospitais de assistência aos soldados ingleses, em que ela inspirou o ofício como é praticado hoje.

Com um forte trabalho baseado em evidências, Florence observou um altíssimo índice de mortalidade causado pelo tifo e pela cólera e concluiu que as doenças hospitalares estavam matando sete vezes mais do que os campos de batalha e instituiu cuidados. "Geralmente são os homens que vão para a guerra. Mas essa é uma guerra de muitas mulheres. Florence, na guerra da Crimeia, mudou a maneira de pensar e salvou muitas vidas. Ensinou a lavar as mãos para acabar com as infecções e agora, quase 200 anos depois, estamos aqui fazendo a mesma coisa para acabar com a Covid", ressalta a enfermeira Andiara Cossetin, 39 anos, que atua no posto de atendimento aos funcionários com suspeita de Covid-19 do Hospital Conceição, em Porto Alegre.

Andiara, que trabalha há 10 anos no Conceição, diz que nunca se trabalhou tanto como nesta última semana. "Não esperava esta pandemia. Nunca imaginei. Mas eu não estava na linha de frente e pedi para trabalhar. E acho que as mulheres são estimuladas a resolver problemas. A mulher tem um papel muito importante em cenários de crise, por se posicionar e agir de forma rápida diante dos desafios", acredita. A médica coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Conceição, Taiani Vargas, 38 anos, diz que se tivessem contado pra ela, em 2007, quando ainda estudava medicina na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), não acreditaria que algo como a Covid-19 iria acontecer. Hoje, literalmente à frente na batalha contra a doença, mesmo ocupando um cargo de chefia, diz enfrentar algumas questões pontuais.

"Não vejo as coisas assim, por qualquer dificuldade que eu encontre, por ser mulher. Mas ainda se tem uma desconfiança com situações envolvendo mulheres", observa. “Mulheres tem muito de não recuar. Muitas vezes determinam muitas coisas abaixo da capacidade delas. Mas eu poderia estar fazendo muito mais do que isso. Sentimos muito no cotidiano. E no espaço de trabalho é muito comum isso e muitas situações, em que a gente percebe que por ser mulher, percebemos atitudes diferentes”, acrescenta a enfermeira.

Tragédia acelerada

A cada dia, a espera dos pacientes aumenta. Para Taiani, isso não deixa de ser uma corrida contra o tempo, com a pandemia ganhando cada vez mais velocidade. “Era toda uma tragédia anunciada. Outro dia, voltando do supermercado, pensei que nunca mais almocei num restaurante. E quando chegou a vacina, achei que voltaria ao normal. Mas aconteceu o pior”, lamenta. Assim, o ritmo frenético do hospital também acaba invadindo sua rotina, que nunca mais foi a mesma.

“Saio de casa às 7 horas e volto às 20. Muitas vezes até mais tarde. Quando tem plantão, volto só no outro dia à noite. A pandemia tirou a vaidade que a nossa ambição permitia. É impossível manter qualquer fio de cabelo no lugar, a N95 marca o rosto e passo a maior parte do tempo com a roupa da UTI. Maquiagem também. Eu não uso e não tem como usar”, revela. Além do tempo escasso, os momentos de lazer também se pulverizaram com a Covid-19. “Por acaso, estava conversando com as enfermeiras do Conceição e constatamos que a gente não usa mais adornos. Mas tem umas que chegam em casa e colocam todos os adornos, para poderem se sentirem melhores”, conta a médica.

Ao mesmo tempo, a pandemia acelerou alguns dos desafios pessoais destas mulheres. “Aos 39 anos, estou melhor que aos 20. Com atitudes mais ousadas, mais fortes, com certeza, e acho que mais preparada para qualquer situação. Durante a crise, com muitas pessoas sem emprego, me desafiei como empreendedora. Se eu morrer, não vou tirar nenhum projeto da gaveta. A pandemia acelerou a realização de sonhos e projetos”, pontua Andiara.

A enfermeira resolveu deslanchar uma iniciativa para ajudar mulheres a criar negócios e a fazer uma transição de carreira com sucesso. “Era um projeto que eu queria realizar a muitos anos e ficou mais claro agora na pandemia. Nós, mulheres, que temos nosso trabalho, nossas profissões, muitas vezes queremos ter uma atitude mais ousada, novas habilidades e às vezes falta coragem”, explica. Já Taiani espera que no mesmo ritmo acelerado, a pandemia passe de uma vez. “Tomare que passe logo, que a gente consiga retomar um pouco da nossa vida normal, um pouco normal. Acho que a gente vai dar mais valor para coisas mínimas”, conclui.

Nadine comanda batalha no Hospital de Clínicas

O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) é considerado um primor dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), por ser reconhecido pelo sucesso na assistência, ensino, pesquisa e gestão em saúde, que o qualifica como um dos melhores hospitais brasileiros e um reconhecido polo de formação de recursos humanos, produção de conhecimento e inovação. A diretora-presidente é a médica e professora Nadine Clausell, que tem liderado um exército de pouco mais de 6 mil funcionários em meio a um dos cenários mais desafiadores: a pandemia de Covid-19, que rendeu à instituição ser uma das referências no enfrentamento à doença na Capital.

Formada em medicina em 1981, os rumos da humanidade levaram ela a lidar com algo que o pai dela, também médico, já lidava no campo da imunologia: um vírus. “Eu não tinha nenhuma noção da minha trajetória na área de gestão, sabia só que queria fazer algo que fizesse diferença na vida das pessoas, queria trabalhar em alguma coisa que implicasse em mudanças no crescimento do conhecimento em medicina. Mas não tinha como prever minha trajetória de gestão, muito menos o aparecimento de uma pandemia, pois a última foi em 1918 e 1919”, lembra.  

Dirigindo um hospital como o Clínicas e numa situação nunca antes vivenciada, Nadine faz questão de valorizar a equipe que tem. “É um desafio gigantesco e só se passa por isso com uma equipe muito grande. Eu acho que foi uma coisa que construí ao longo da minha vida, que foi valorizar o trabalho da minha equipe”, destaca. Se diz grata por estar rodeada de pessoas que acreditam nas mesmas coisas.

“Talvez o que fique de mensagem, depois que tudo isso passar, olhando para uma trajetória como a minha, mas que tem muitas pessoas fazendo o mesmo, é de que a perseverança e a resiliência em cima de coisas que a gente acredita, que tem um forte embasamento técnico e científico de que é isso que tem que ser feito para sair de uma situação tão crítica, vale a pena. E de novo, a ideia de estar cercada de pessoas que puxem o barco na mesma direção”, garante.

Deste seu time de 6 mil funcionários, boa parte são de mulheres como a própria médica. Algo que não passa longe de seu reconhecimento. “Eu consigo ter a real dimensão do sacrífico que estas mulheres têm feito se expondo da maneira como se expõem à luta da Covid, deixando seus filhos, seus companheiros, não vendo seus pais, voltando pra casa com medo. Isso exige das pessoas uma grandeza de espírito e visão de espiritualidade muito grande", encerra.

Mulheres pelo bom exemplo

No Hospital Conceição, duas mulheres atestam que mesmo num cotidiano repleto de tensões, é possível dar bons exemplos de como resistir e não esmorecer a jornadas intensas, muitas vezes tristes. A enfermeira Daniela Haygert, 41 anos de idade e 15 anos de profissão, foi uma das idealizadoras, em maio do ano passado, de um crachá grande para os colegas de linha de frente, que passam os dias escondidos sob a paramentação. Já a auxiliar de higienização Joelma Kazimirski Brum, representando os milhares de trabalhadores da saúde também encaram a pandemia, mas que não atuam na assistência direta ao paciente, foi a primeira desta categoria de profissionais a ser vacinada contra a Covid-19 no Rio Grande do Sul, num exemplo de resistência e esperança.

“Eu tenho certeza que na profissão enfermagem temos que colocar muito do nosso coração, a sensibilidade e espiritualidade. Neste momento é o mais importante para o profissional que trabalha com pacientes muito graves. Aquele crachá fez com que o paciente nos visse como ser humano”, conta Daniela. Segundo ela, esta nova identificação é fruto de uma visão feminina. "Escolhi a enfermagem pelo cuidado e esse cuidar é ligado ao sexo feminino. A intuição, a humanização também. Acredito que o cuidado com o paciente tem muito a ver com esta vocação de ser mãe”, expressa.  

Os crachás seguem ainda sendo utilizados. “Temos muitos pacientes entubados, mas usamos até hoje para nós mesmo nos diferenciarmos entre os profissionais. Fotos com as pessoas sorrindo. Para que a gente consiga passar essa alegria”, afirma Daniela. Além desta alegria, em tempos de Covid-19, mais do nunca estas guerreiras esperam que a única coisa que possa ser contagiosa seja a esperança e a confiança no amanhã.

“Enfrento um dos momentos mais difíceis na minha vida. Eu e todas minhas colegas da área da saúde. Mas nós trabalhamos com desempenho e dedicação. Estou cercada de mulheres fortes, que pegaram o vírus e já retornaram ao trabalho. Outras ainda se recuperando. Mas somos guerreiras e vamos vencer esta batalha. Não vamos desistir”, incentiva Joelma.

Gabriel Guedes