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Desestatização da Carris divide opiniões em audiência pública da Câmara de Porto Alegre

Representantes da prefeitura destacaram os custos para a manutenção da empresa e os servidores questionaram que o valor investido na Carris será repassada para a iniciativa privada

Marchezan dá prazo de um ano para equilibrar contas da Carris, diz delegada sindical | Foto: Samuel Maciel / CP Memória

A desestatização da Sociedade de Economia Mista Companhia Carris Porto-Alegrense foi tema de debate na noite de quinta-feira em audiência pública promovida e transmitida de forma virtual pela Câmara dos Vereadores de Porto Alegre (CMPA). Durante a audiência, conduzida pelo presidente do legislativo municipal, vereador Márcio Bins Ely (PDT), parlamentares e representantes de entidades da sociedade civil discutiram sobre a proposta, que tem como objetivos eliminar aportes de capital do município à Carris, devido à mudança de cenário do transporte público e precarização da capacidade de financiamento do transporte urbano.

A secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, fez uma apresentação da situação da Carris baseada, segundo ela, em dados do balanço financeiro e administrativo. Ela disse que “nos últimos 10 anos foram repassados à empresa R$ 500 milhões, que poderiam custear outras áreas em benefício da sociedade”. Nos gráficos apresentados na explanação, a secretária afirma que o custo da empresa pública é 21 % maior que o consórcio das empresas privadas e exemplificou que os gastos com combustível, é elevado em 27% a mais, “porque é uma questão de estrutura, devido a diversas situações que fazem com que os veículos gastem mais combustível por quilômetro rodado”.

De acordo com os dados revelados por Ana Pellini, a ausência do trabalhador no seu posto de trabalho é superior ao das empresas privadas. Atualmente 487 funcionários estão afastados, representando 25% do total dos ativos. Segundo auditoria, em média 250 estão com licença médica há mais de 2 anos e meio. A secretária disse que foi feito estudo comparando a necessidade do número de funcionários com a Carris privada e a atual: na oficina, se fosse privada, precisaria de 39 pessoas, enquanto hoje há 162 funcionários.

“Tem mais gente com inúmeras especializações, devido as marcas e peças diferentes, por exemplo”, destacou Pellini. Também apontou que os investimentos públicos têm que responder ao Tribunal de Contas e Ministério Público, encarecendo o erário porque necessita de mais funcionários para atender as demandas.

A secretária municipal de Parcerias disse ainda que para oferecer o serviço prestado, precisaria de 305 ônibus, que é o padrão de uma empresa privada, mas a Carris opera com 347 veículos. “São 42 ônibus, com funcionários, peças e manutenção a mais, para fazer o mesmo serviço”, explicou.

Salientou que atualmente a companhia tem 60 ônibus em manutenção e que há dificuldade de conserto, o que encarece a operacionalidade, além do passivo judicial estimado em R$ 30 milhões e mais as ações trabalhistas, que causam impacto negativo nas contas da empresa.

Privatização

Entre as hipóteses apontadas pela secretária Ana Pellini, no caso de formalizar a privatização, disse que o conjunto de linhas, ônibus, imóveis e funcionários poderiam ser absorvidos pelo comprador da empresa. Uma alternativa seria a liquidação da empresa por partes, em que as linhas voltariam para o município e seria realizada nova licitação para os possíveis interessados.

Pellini destacou também que poderia haver leilão de imóveis e plano de demissão dos funcionários, com as devidas verbas indenizatórias, ou a venda das participações de ações, que se chegasse a mais de 50% a empresa passaria a ser caracterizada como privada e não mais como empresa pública.

Conforme o secretário municipal de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia, foram feitas diversas reuniões para avaliar a situação da empresa. “Temos que ter transparência e responsabilidade e estamos discutindo com a sociedade. A Carris é importante, mas a realidade é que os últimos 10 anos se tornaram deficitários”.

Záchia afirmou que, ao contrário do que foi argumentado durante a audiência, o projeto não tramita em regime de urgência. “Porto Alegre é a única capital do Brasil que ainda tem empresa pública de transporte, mas que, com o tempo, se tornou inviável”, concluiu.

O presidente da Carris, Maurício Cunha, lembrou que a companhia “não foi pública o tempo todo”. O dirigente disse que a Carris precisa de aporte de R$ 6 milhões ao mês para continuar operando e fazer frente as despesas e que não pode acessar e se beneficiar das medidas governamentais durante a pandemia, por ser uma empresa pública.

“Sequer pode fazer frente à folha salarial, mais óleo diesel, manutenção de mais de 300 veículos, vantagens e 13º salário”, exemplificou. Cunha disse também que desde 2019 vem diminuindo o número de passageiros e que o sistema jamais se recuperará em 100%. "É preciso acompanhar as mudanças”, finalizou.

Trabalhadores e entidades

Representante dos trabalhadores da Carris, Marcelo Weber, destacou que foram dados somente R$ 500 milhões para a Carris no ano passado e questionou o repassado um bilhão para a Empresa Pública de Transporte e Circulação.

“A Carris precisa de manutenção nos ônibus e também do salário dos funcionários em dia. Temos ar-condicionado, qualidade no transporte”, explicou Weber. Salientou também que se privatizarem a Carris, muito mais será dado para as empresas privadas. “Com isso a Carris é prejudicada pela câmara tarifária, é uma caixa-preta e isso não é dito”.

E por fim desabafou que em meio a pandemia “foi a Carris que atendeu 23 linhas na capital, coisa que as empresas privadas não fizeram. A Carris é importante para o sistema. O sistema privado deve para a prefeitura R$ 70 milhões e a Carris, no entanto, não deve nada a ninguém”.

Ex-servidora da Carris, Tamires Figueira falou que discorda de tudo o que foi dito pelo Executivo, de que o município perde muito porque é a única do país a ser uma empresa pública. “Acredito que ela não é uma despesa, pois tem um serviço de qualidade. A sociedade acredita que quando defendemos a empresa pública, estamos defendendo a nossa educação”.

Segundo ela, o transporte permite acesso dos pais para levarem seus filhos às escolas e a Carris é uma empresa estratégica. “Existem diversas alternativas de se cortar as despesas sem privatizar. O Executivo não quer dialogar”.

Já o delegado sindical Afonso Martins, se deteve a alguns pontos como, “o que seria da população nesse tempo de pandemia se não fosse a Carris? Temos uma gestão temerária com um pacote de maldades. Não podemos retirar os direitos dos trabalhadores, é um serviço público de qualidade. Existe um descompasso nesse debate”, afirmou.

O presidente do Sindilojas de Porto Alegre, Paulo Kruse, ressaltou que existe hoje na Capital um transporte falido e a iniciativa privada quebraria se assumisse a Carris, pois precisa de lucro. “Temos que pensar em valorização nas empresas públicas. O que vemos acontecer com a Carris é que sem uma gestão que não valoriza o serviço público, com certeza a empresa acaba quebrando”. Kruse acredita na coletividade “e isso o prefeito Melo precisa saber. Ele foi eleito pela coletividade”.

O coordenador do Conselho de Assuntos Tributários, Legais e Cíveis da Ciergs, Thômaz Nunnenkamp, argumentou que “historicamente as empresas públicas são mal geridas”. Disse ainda que os “números da Carris são trágicos, com custos maiores que as demais empresas e que funcionários afastados geram custos, com funcionários a mais”. E questionou se uma empresa que tem 25% de funcionários afastados é um lugar bom para trabalhar.

“Certas questões já foram debatidas em outros municípios e Porto Alegre é a única capital que ainda tem empresa pública de transporte, será que somos visionários e diferentes dos outros lugares que já venderam suas empresas?”.

Thômaz entende que o problema da empresa é estrutural. “A situação se tornou insustentável a longo prazo”, ratificou. Afirmou que, para sobreviver aos novos tempos, a privatização da Carris deve ser feita com a retirada gradual dos cobradores que, segundo ele, “não existe em outros países há mais de 30 anos”.

Vereadores

O vereador Pedro Ruas (PSOL) disse que a melhor forma de se resolver a questão da Carris é através do debate e disse também que quando se fala de trabalhadores afastados da Carris, esses são de responsabilidade da Previdência Social e não dão gastos à prefeitura. “Uma empresa pública não serve para dar lucro, por isso esse pensamento é falso. Ela serve para prestar um bom serviço”, esclareceu.

Ruas ressaltou que há denúncias de que há problemas graves de despesas que não deveriam ocorrer e isso deve ser solucionado. “O que vemos aqui são argumentos para se entregar um patrimônio de quase 150 anos para a iniciativa privada”, ressaltou.

Airto Ferronato (PSB) enfatizou que nenhum gestor até hoje teve experiência sobre o transporte público e disse que acompanha a remuneração da alta administração das empresas privadas e comparou o que se paga no serviço público.

“Concordo que há problema de gestão histórica e entendo que só teremos uma Carris sólida quando houver uma modificação de gestão qualificada”. E pediu ao prefeito Sebastião Melo que o Executivo faça um debate maior sobre o sistema de transporte público da capital.

A vereadora Laura Sito (PT) entende que argumentos frágeis e liberais são usados no debate para justificar que a Carris é deficitária e diz que isso é um erro. “Uma empresa não dar lucro, não é motivo para ser privatizada. Ela garante um equilíbrio da mobilidade urbana na cidade. A empresa é referência, inclusive no território nacional”, afirmou.

Giovani e Coletivo (PCdoB) falou que o prefeito Melo venceu as eleições porque disse que não aceitava o debate ideológico. “Sabemos que o transporte público é algo constitucional e esse projeto, apresentado pelo Executivo, é sim ideológico”. E indagou: “será que a população não merece ter uma empresa pública que regule o sistema de transporte? O patrimônio é algo fundamental, principalmente nos tempos difíceis que vivemos atualmente”, concluiu Giovani.

Já o vereador Idenir Cecchim (MDB) falou que o governo municipal está cumprindo o que prometeu na campanha eleitoral e disse que iria fazer. Cecchim entende que "a situação da Carris é financeiramente pior que se imaginava e o governo tem a obrigação de tomar providências, e uma delas foi encaminhar o projeto para ser discutido pelos vereadores".

Jessé Sangalli (Cidadania) afirmou que o tema é desafiador e que sabe da dificuldade dos trabalhadores, pois têm amigos que trabalham na Carris e que manifestam suas preocupações. “A intenção da prefeitura é permitir uma realocação para que sejam absorvidos pelo mercado de trabalho todos os trabalhadores e a privatização não é algo imediato, permite inclusive que quem está para se aposentar possa fazê-lo de forma adequada”.

Sangalli relatou que em seu mandato tem procurado apresentar ao Executivo, alternativas para que os funcionários possam continuar trabalhando sem serem onerados.

De acordo com o vereador Hamilton Sossmeier (PTB) é necessário um novo estudo para reerguer a Carris ou desestatizá-la. “Temos que reavaliar se a empresa não dá mais lucro, pelo contrário onera os cofres públicos, então concordo com o Executivo e apoio ao projeto debatido”.

Juan Savedra (Novo) disse que as pessoas querem serviço de qualidade e que passageiro é cliente, e não um número. O vereador entende que o sistema de mobilidade urbana está colapsado e vai continuar assim, se nada for feito.

“A Carris encareceu e o repasse de recursos tira investimentos de outras áreas que poderia melhorar a vida das pessoas. O município não tem o dever de manter administrativamente o transporte coletivo e a população não merece continuar pagando os custos da Carris”, finalizou.

Sidney de Jesus