Nos primeiros dez meses de 2019, o número de passaportes emitidos pela Polícia Federal já superou, em 22,8%, o total de emitidos em 2018. É o que mostram dados enviados pelo órgão a pedido do R7. Entre 1º de janeiro e 13 de outubro de 2019, a PF informa ter emitido 2.446.945 de passaportes comuns. Em todo o ano de 2018, o número foi de 1.992.374.
PhD em economia pela Universidade de Kent, na Inglaterra, e bolsista do Instituto de Pesquisas e Estudos Aplicados (Ipea), Marcelo Piancastelli, analisa o crescimento com certa surpresa: “Os salários estão reduzidos, o dólar está alto e sabemos que o custo das passagens aéreas está elevado. Este aumento não combina muito com a situação geral da economia no país”, diz.
Por outro lado, Piancastelli acredita que a alta na demanda por passaportes esteja relacionada ao preço caro que os brasileiros pagam atualmente para viajar dentro do próprio Brasil. “A passagem de avião de uma região a outra do país está caríssima, as diárias de hotéis também. Para a classe média, os destinos no exterior acabam se tornando mais atraentes”, pontua.
Arrecadação com GRU
Com os 1.992.374 passaportes comuns de 2018, a PF arrecadou R$ 530.866.156,26 por meio da Guia de Recolhimento da União (GRU), taxa cobrada dos cidadãos para a emissão do documento. Até agosto de 2019 (o órgão ainda não havia coletado os dados de setembro e outubro até a apuração desta reportagem), a arrecadação era de R$ 386.503.112,60. Foram mais de R$ 900 milhões em 20 meses.
O preço, de R$ 257,25 por guia, levou à instalação, no início deste mês de outubro, de um inquérito civil do Ministério Público Federal (MPF) em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, para apurar se a PF estaria fazendo “cobranças abusivas” para a emissão de passaportes. Ao MPF, a Casa da Moeda do Brasil informou que gasto para a confecção dos documentos, incluindo fabricação, personalização e fornecimento, é de R$ 74, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.
Em resposta, a PF chegou a informar que "apenas presta o serviço de expedição de passaporte, conforme Decreto nº 5978/2006. O serviço público é remunerado por taxa estipulada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, no qual a Polícia Federal está inserida, na Portaria 927/2015”.
"Distorção fiscal"
Para Marcelo Piancastelli, a cobrança de qualquer taxa para a emissão de passaporte pode ser considerada indevida. “O passaporte é um documento obrigatório, como carteira de trabalho e o RG. Em princípio, documentos e serviços obrigatórios têm de ser financiados com o dinheiro dos impostos. O cidadão paga impostos justamente para ter os serviços. O governo cobrar uma taxa, querer fazer lucro sobre isso, é totalmente indevido. É uma distorção fiscal que infelizmente acontece no nosso país”, comenta.
O economista Roberto Piscitelli, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB) e assessor do Conselho Federal de Economia, considera “desonesta” a cobrança, para a emissão do passaporte, de um valor superior ao do despendido para a execução do serviço.
“A rigor, pela definição, essa taxa se destina a um serviço específico e divisível na Polícia Federal. O valor deveria financiar apenas o serviço. Mas o Estado acaba se beneficiando e financiando parte de suas atividades — até porque o montante arrecadado com GRU vai para a conta única do Tesouro Nacional”, diz.
Debate sobre arrecadação
O valor cobrado para a emissão de passaportes comuns no Brasil tem se tornado alvo de debate nos últimos anos, especialmente depois de 2017, quando o serviço de confecção do documento chegou a ser suspenso por falta de verba — e retomado depois de quase um mês, com um remanejamento de recursos feito pelo Ministério do Planejamento.
À época, o governo justificou a suspensão dizendo que a arrecadação com GRU deveria cobrir a emissão de passaportes ao longo do ano, mas os recursos haviam sido contingenciados para o cumprimento da meta fiscal de 2017. Entre janeiro e dezembro daquele ano, foram emitidos 2.551.521 passaportes comuns e arrecadados R$ 470.915.040,88 com as respectivas taxas, de acordo com os dados da PF.
R7